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Elizabeth Zekveld Portela

Elizabeth (Betty) Portela (Recife, 29-12-05)

nas bodas de 60 anos dos meus sogros, Jairo e Valderez Portela

MENINA comprida e magra.
Nascida e criada no Canadá.
Pais que saíram da Holanda depois da Segunda Guerra.
Ele falava holandês.
Ela também, e mais um dialeto.
Vieram com meus avós.
Opa e Opõe—os holandeses.
Pake e Beppe—os frisianos.
28 tios e tias. Todos com casamentos sólidos.
Me deram dúzias de primos.
Nunca cheguei a conhecê-los bem, pois vivíamos muito espalhados.
Uma irmã e três irmãos.
Todos mais novos do que eu.
Os homens trabalhando na fazenda.
Animais, milho, trigo, feno…
As mulheres cuidando da casa e da horta.
E ajudando na fazenda quando havia necessidade…
Lá, ninguém tinha empregados.
A sobrevivência dependia do próprio esforço físico.
Aprendi a dirigir o trator. A carregar feno e palha.
Falávamos holandês e inglês.
Aprendemos francês na escola, e latim.
Tínhamos que dar o melhor de nós. No trabalho. Nos estudos.
Para agradar a Deus.
Igreja com cultos em holandês (e depois inglês de manhã e holandês à noite).
Tantas pessoas queridas falando inglês com um sotaque todo peculiar.
Pouco a pouco, adaptavam-se à sociedade e à cultura canadense.
Mas sem comprometer a sua fé, descrita como “reformada”.
Não era fácil ser diferente. Mas fui me acostumando.
Mal sabia que Deus estava me preparando para diferenças ainda maiores…

MOÇA alta e magra.
Adorava ler. Amava aprender.
Viajava o mundo inteiro através dos livros.
Lia os romances e biografias da minha mãe.
E os livros históricos e teológicos do meu pai.
Em ambas as línguas.
E até em frisiano.
Todo dia devolvia um livro na biblioteca.
E pegava um novo.
E ia p’ra escola.
E p’ra igreja.
E trabalhava na casa e na fazenda.
Minha mãe não tinha boa saúde.
Eu fazia o trabalho mais pesado.
Achava normal. Até gostava.
Terminei o ensino médio com 16 anos.
Planejava ir para uma faculdade longe de casa
Mas meus pais achavam que era muito nova.
Assim, fui trabalhar um ano.
Cuidei de crianças com deficiências mentais.
E resolvi que queria me profissionalizar nisto,
Ajudando pessoas com dificuldades
Ou físicas, ou mentais…

MULHER alta e esbelta
Voei pela primeira vez com 17 anos,
Rumo à faculdade nos EEUU.
Queria um ano de estudos bíblicos.
Antes de ir para uma universidade secular
No meu próprio país.
No meu próprio pais?
Sim, foi com o passaporte na mão
Que a “holandesa” se conscientizou que era, de fato, “canadense.”
Pelo menos no papel…
Não, mais do que no papel….
Mais podemos filosofar sobre isto outro dia…

No terceiro mês do primeiro semestre
Conheci um rapaz brasileiro.
Com 21 anos (uma idade bem madura, na minha opinião).
Magro!
Mas alto. Da minha altura, pelo menos.
Com maravilhosos olhos castanhos
E os cabelos mais pretos do mundo.
A combinação sonhada
Na terra das moças
Com olhos azuis e cabelos loiros.
Mas aquilo era apenas a sobremesa…
O glacê no bolo…
Ele também era charmoso. Gentil. Simpático.
Bem humorado. Inteligente. Engraçado.
E crente. Crente “reformado” como eu.
Só que na terra dele era chamado de “presbiteriano”.
Costurei meu primeiro vestido
De cetim azul
Para ir num banquete com ele.
Logo estávamos namorando.
Me disse que planejava voltar ao Brasil
Ao terminar o seminário.
E que se eu não quisesse ir p’ro Brasil
Era melhor nem começar.
Eu amava aquele moço.
E o “Brasil” veio junto.
E nunca me arrependi.

Mas agora vou resumir.
Resolvi não mais ser terapeuta.
Formei-me em história.
E Solano em matemática e teologia.
Noivamos. Casamos. Viemos ao Brasil.
Moramos em Recife, Manaus e São Paulo.

Virei uma
SENHORA alta e não tão esbelta
Criamos quatro filhos, agora entre 20 e 30 anos.
Dois “meninos casados. Me deram
Duas noras maravilhosas, talentosas.
Uma filha noiva, o caçúla apaixonado…

Todos servindo a Deus, pela misericórdia dele.
Um casal em Bangladesh, outro aqui…
A filha encaminhando-se para a Índia.
E o outro estudando, nos EEUU.

Eu mesma já tive oportunidade de visitar
Holanda, Jordânia, Israel…
E junto com (e por causa do) meu marido,
Tenho viajado
A partes do mundo que nunca imaginei.
Como Japão, Itália e Uruguai
Inglaterra e Paraguai…
E eu já era feliz, sem nada disto…

Bênçãos tão imerecidas e tão inesperadas
Cedido por seu Deus a uma moça tímida
Que nunca esperou, pessoalmente,
Ver as paisagens
E ouvir os sons
E experimentar os sabores
E conhecer os povos
E sentir as emoções
Sobre os quais havia lido
E sonhado
Com tanta intensidade
Dia após dia,
Enquanto crescia.

E que agora teve o prazer
De escrever
Para quem resolver ler
As suas crônicas.

Elizabeth Zekveld Portela
Julho de 2006

(Alguns detalhes adicionais sobre “quem sou eu?” aparecem nas crônicas sobre Isabel já que as experiências dela são baseadas em eventos reais da nossa vida).

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