Em Busca da Verdade

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Vi a entrevista televisada da ministra Dilma Rousseff no Hospital Sírio Libanês há alguns dias, revelando que havia retirado um linfoma e que iniciaria um tratamento quimioterápico. Não consegui ver a coletiva toda pois, por alguma razão, o programa que estava vendo ficava saindo e voltando para a entrevista. Achei que ela parecia desconfortável e fiquei olhando e escutando, tentando imaginar o que estava acontecendo dentro da cabeça e do coração dela.

Cuidadosamente evitando a palavra “câncer”, ela se esforçava para minimizar a doença (por razões políticas?) enquanto, ao mesmo tempo, parecia procurar demonstrar o seu lado humano/feminino (também por razões políticas?). O que os marqueteiros da sua campanha para presidência teriam falado para ela antes da sua subida ao pódio? Como teriam formulado suas instruções enquanto, provavelmente, lhe incumbiram com uma tarefa quase que impossível—de parecer, simultaneamente, vulnerável e invencível? Precisava aparentar que já havia se livrado do perigo, enquanto concedia que ainda se preparava para lidar com ele de forma agressiva.

Além disso, alguém havia decidido incluir os médicos que cuidavam dela (que também me davam a impressão de estarem incomodados) na entrevista. Teria sido uma estratégia repentina para reforçar que o que ela falava era verdadeiro—que o problema havia sido extirpado mesmo? Assim, a certa altura, ela elogiou os médicos e o hospital. Era uma atitude louvável. Tinha que ser feito. Se eu fosse ela, ficaria realmente muito grata por esta bênção de ter sido (e estar sendo) tratada por pessoas competentes num hospital de referência, assim conseguindo que a sua vida fosse prolongada.

Mas, como ministra e candidata de um governo que precisa se re-eleger pelo voto de milhões de pessoas que não têm acesso a exames e tratamentos de ponta (como aqueles a que ela “precisou” recorrer), ela não poderia ser efusiva demais. Não seria bom cair na vista o contraste entre o que o governo dela fornece e o que ela estava utilizando. De algum modo, ela deveria entrar e sair da entrevista sem ninguém perceber que ela havia optado por serviços particulares em vez de médicos e hospitais públicos. Afinal, o governo ainda estava lidando com as repercussões do projeto de lei do Cristovam Buarque que recomenda que filhos de políticos deveriam ser obrigados a estudar em escolas públicas. Não seria agradável ter pessoas sugerindo atitude idêntica com respeito ao tratamento de saúde dos governantes. Que saia justa, não?

Creio que ela sentia isso enquanto falava, sem texto pronto para lhe indicar como formular a sua grande satisfação de forma moderada. Por ela, provavelmente, teria sido muito melhor continuar com tudo como estava, cuidando da sua saúde do jeito que melhor entendia (silenciosamente evitando os serviços públicos) sem ninguém saber. Nem da doença. Nem do lugar onde ela regularmente vai para fazer “exames de rotina”, nem da cirurgia, nem do tratamento… Será que alguém vazou algo? Precisaram correr para fazer a situação não parecer pior do que era? Ou será que precisaram correr para fazer a situação parecer melhor do que era/é? Qual das opções seria veraz?

Já faz muito tempo que os brasileiros ficam “com um pé atrás” quando ouvem as afirmações de políticos—especialmente daqueles que se especializam em demagogia—os que normalmente se empenham para falar ou deixar transparecer o que acham que o povo quer ou deve ouvir, raramente tendo vontade ou coragem para expressar aquilo que uma consciência aguçada, ou uma investigação mais apurada, comprovaria como sendo verídico. Muitos de nós ainda se lembram bem da morte do presidente-eleito Tancredo Neves e as encenações que foram montadas para nos convencer de algo que não era verdadeiro

Creio que poucos entre nós têm certeza que os políticos nos dizem a verdade (sejam de qualquer partido). A verdade se tornou relativa e, muitas vezes, é tratado como banal e irrelevante. Ficamos entusiasmados com a maneira em que eles conseguem verbalizar os nossos sonhos e decepcionados quando percebemos que, realmente, são eles que sonham com a verba que conseguem das nossas mãos. São tantos que mentem e enganam. Que prometem e não cumprem (e colocam a culpa na oposição), que prevaricam a respeito das suas vidas amorosas, que disfarçam suas contas bancárias e que, também, escondem seus problemas de saúde.

Mas lá estavam os repórteres diante da ministra e dos especialistas. Estavam atrás de uma coisa apenas—a verdade. O quê? Por que? Quando? Onde? Como?  Aos poucos arrancavam detalhes de um grupo que parecia instruído para revelar o mínimo possível. Descobriram que já houve uma cirurgia…. Há um mês…  E também a inserção de um cateter… O que mais permanecia não revelado? Talvez eles se sentiam enganados com tantas coisas tendo acontecido bem debaixo dos seus narizes. Mas, de fato, esconder em si não é mentir. Era compreensível que ela quisesse lidar com isso fora dos holofotes. Mas por que tantos médicos ao redor dela? Não bastava um único porta-voz do hospital? Por que agora e não antes? A “verdade” que estavam proclamando era a verdade inteira e nada mais do que a verdade?  Obviamente, estavam todos lidando com uma falta de credibilidade/confiabilidade.

E lá estava a ministra, tentando ser espontânea e simpática enquanto procurava se encaixar na camisa de força de uma situação difícil, parecendo estar seguindo orientações específicas mas incompatíveis.

Mais tarde, lembrei-me de algo que havia lido numa entrevista no inicio deste mês no jornal Folha de São Paulo. Era com a mesma ministra, sobre o passado dela como jovem militante contra o regime militar. Percorri rapidamente as primeiras perguntas, percebendo que ela havia entrado na oposição como muitos outros estudantes sinceramente empenhados em criar um mundo melhor. Diz ela: Mas, naquela época, você achava que estava fazendo tudo pelo bem da humanidade. Nunca se esqueça que a gente achava que estava salvando o mundo de um jeito que só acha aos 19, 20 anos. Sem nenhum ceticismo, com uma grande generosidade.

Fiquei imaginando uma jovem inteligente, nos anos setenta, dando-lhe direito aos meus melhores pensamentos—visualizando uma moça que realmente queria “o bem da humanidade”. Uma pessoa frustrada com o que percebia no Brasil da época, com a possível ganância e apatia daqueles que comandavam os poderes econômicos e políticos, com a propalada exploração dos seres humanos que dependiam deles, com a perene falta de transparência dos governantes… Pouco a pouco se viu embrenhada em algo complicado e perigoso. Entrou numa vida clandestina, foi presa, torturada, condenada. Quando saiu daquela experiência, não era mais a moça autêntica, sincera, apaixonada, inocente e “generosa” que entrou.

Continuando, vi que tinha repetidos “não me lembro” e entendi que, com esta frase, ela estava afirmando que muito que a repórter perguntava sobre o que outras pessoas asseveravam sobre ela, não era verdadeiro. Assim, dava a entender que, se ela tivesse participado no suposto planejamento do seqüestro de Delfim Netto, ou se ela tivesse sido a pessoa responsável pelo dinheiro da organização, logicamente, ela iria se lembrar. Mas, seguindo com a leitura, vi que, quase no fim, ela declara “pelo menos, é isso que eu lembro”. Hmmmm, pensei. O que significa isso? Existe alguma diferença entre as duas declarações? Será que podem existir outras pessoas que se lembram daquele período diferentemente? Em qual “memória” deveremos confiar? Comecei a perceber que estava sendo envolvida por um discurso que não focava inteiramente naquilo que realmente havia acontecido. Parece-me que a Dilma também percebeu isso e, então, deu algumas explicações muito reveladoras. Não sei se ela levou bronca depois dos profissionais de marketing do seu partido. Mas creio que foi a parte mais sincera da entrevista. A mais triste, e a mais preocupante.

Veja o que ela falou. (Não vou colocar tudo mas você pode ir para o link acima e verificar se tirei algo do contexto.)

FOLHA – Vocês passavam por um treinamento intensivo para deletar as coisas. Tinha que esquecer para não contar?
DILMA- Tinha, uma parte você tentava esquecer. Sabe que teve uma época que eu falei uma coisa que eu achava que era verdade e não era. Sobre um fato que aconteceu. Era mentira que eu tinha contado e aí depois eu descobri que era mentira. Você conta e se convence. Tinha hora que era muito difícil você manter.

FOLHA – Informação obtida sob tortura é de responsabilidade de quem tortura e não de quem fala? Dá para culpar a pessoa que falou?
DILMA- Não dá mesmo. Até porque ali, naquela hora, tinha uma coisa muito engraçada que eu vi. Aconteceu com muita gente, não foi só comigo. … A mentira é uma imensa vitória e a verdade é a derrota.

E assim foi que ela viveu durante os anos de oposição ao regime militar. Fingindo. Escondendo a verdade. “Montando histórias”. E depois? Enquanto ela e seus companheiros continuaram como militantes numa luta contra o status quo. E agora, quando fazem parte do status quo mas precisam se manter? Esta maneira de promover a sua causa ainda continua válida? Permanecem ocasiões e situações quando a mentira ainda é uma imensa vitória e a verdade a derrota? Quais os pré-requisitos para invalidar e anular esse método de sustentar a auto-preservação e a causa partidária?

Será que, algum dia, poderemos esperar um Brasil diferente em que a mentira é uma imensa derrota e a verdade é a vitória? Em que poderemos olhar uma pessoa (ou um político) e dizer – por esse (ou essa) eu colocaria a minha mão no fogo? Precisamos começar conosco mesmos, pois a atitude de mentir e enganar—forjada, no caso de alguns dos nossos políticos,  em tempos de guerrilha e de perseguição—está tomando conta, mais e mais, do nosso país e da nossa política—é só assistir aos noticiários para confirmar.

Prestemos atenção às nossas próprias afirmações. São precisas, verídicas e confiáveis? As pessoas que nos cercam precisam se portar como os repórteres depois daquela entrevista, recorrendo a várias fontes e investigando para confirmar se aquilo que afirmamos verdadeiramente aconteceu, e do jeito que falamos? Elas ficam na dúvida se o que prometemos realmente será cumprido? Os nossos filhos podem confiar naquilo que dizemos? O nosso cônjuge? Irmãos? Pais? Empregados? Colegas? Chefes?

E o nosso Deus? Como Ele enxerga quem somos e o que fazemos nesta área? Vale a pena lembrar das diretrizes que Ele estipulou para o avanço do seu reino, para o bem da humanidade e para a nossa própria felicidade. Vou encerrar com algumas delas.

Mas antes disso, precisamos nos lembrar sempre da exortação de Paulo para que cultivemos a prática (ato repetido) de interceder por aqueles que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito. Isso inclui pedir pela saúde da nossa ministra—tanto a física quanto a emocional e espiritual. Paulo conclui seu apelo afirmando: Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens (e mulheres) sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade. —1 Timóteo 2.1-4.

Abs, Betty

Não tenho maior alegria do que esta, a de ouvir que meus filhos andam na verdade.—3 João 4
Por isso, deixando a mentira, fale cada um a verdade com o seu próximo, porque somos membros uns dos outros. —Efésios 4.25
E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.—João 8.32
(Davi a Deus) Eis que te comprazes na verdade no íntimo…—Salmo 51.6
Quem, Senhor, habitará no teu tabernáculo?… O que vive com integridade, e pratica a justiça, e, de coração, fala verdade.—Salmo 15.1, 2
Afasta de mim a falsidade e a mentira.—Provérbios 30.8

Um Comentário a “Em Busca da Verdade”

  1. Tânia Cassiano disse:

    Betty,
    Olha eu de novo! É que estou “devorando” suas crônicas, mas vou já dormir tô morrendo de sono, de novo. Quanto à Ministra, começando pelo tratamento médico: claro que ela tem todo direito de se tratar comos melhores médicos, assim como todos brasileiros, o avião que a transportava e acredito que até os honorários médicos, saíram do nosso bolso, e pensar que no nosso país crianças morrem de verminose. Acredito que ela poderia até ter legitimidade para usar os recursos, mas que houvesse pudor diante de um país onde a injustiça social impera. O mesmo eu digo das pessoas que aparecem na revista Caras, nada contra o dinheiro deles, mas vamos ao menos “disfarçar”. Quanto às mentiras só Jesus, a começar pela peruca (até entendo porque mexe com a vaidade feminina e todas nós estamos sujeitas a isso) mas para
    uma pessoa pública, autenticidade,verdade, coerência, simplicidade, e principalmente uuma meaculpa das bobagens que fez no passado, não faz mal a ninguem, assim como canja de galinha. Não querendo julgar, mas já julgando, temos pensar em que será nossos governantes (quando penso que nos livramos de José Dirceu, e olhe que sempre fui eleitora do PT), mas concordo quando vc. fala que devemos orar pelos nossos governantes, e que só Deus tem misericórdia e nos tem guardado desse pessoal até hoje. Com isso não quero me eximir da minha responsabilidade de cidadã, cristã. Segundo um amigo meu, se cada um fizermos um pouquinho, estaremos fazendo muito.
    Um abraço,
    Da sua irmã em Cristo,
    Tânia
    (Não sei se me desviei do assunto, estou com sono) Deus a abençoe.

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