Minha Filha Quer Casar (3) — Os Pais dele… Os Pais dela…

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Toda vez que um filho vai casar, além do peso de todos os preparativos, existe uma outra área complicada. Refiro-me ao convívio entre os futuros sogros. Quando o casal mora na mesma cidade ou relativamente próximo, é muito fácil haver desentendimentos sobre os detalhes do evento. As decisões relativas a várias áreas acabam sendo transmitidas através do futuro genro ou da futura nora e nem sempre chegam ao destino do jeito que a gente gostaria. No meu próprio caso, os dois casais de sogros moravam em continentes diferentes e só se conheceram dois dias antes da cerimônia. Depois, meus pais se limitavam a dar graças porque os pais de Solano e eu nos amávamos mutuamente. Estes, por outro lado, estavam sempre sugerindo notícias e fotos para eu retransmitir a eles e, de vez em quando, a Mamãe daqui escrevia cartas contando sobre os netos para a mãe de lá poder participar um pouco melhor no desenvolvimento deles.

No momento me parece que, dos nossos quatro filhos, apenas um vai residir próximo. Este já me deu uma nora muito especial cujos pais moram numa cidade próxima. Foi com o casamento deste que mais sentimos o fato descrito acima. O tempo dos preparativos foi exatamente na época em que estávamos lutando com vários aspectos difíceis do câncer de duas pessoas queridas (um terminal). Creio que isto fez com que eu parecesse mais desinteressada do que era e mais ausente do que deveria. Sendo o outro casal os pais da noiva, era mais fácil simplesmente não se “meter” e apenas ajudar com coisas periféricas, como a lua-de-mel, a troca do carro, trazendo os avós de Recife, etc. Em retrospecto, tem coisas que gostaria de ter feito e dito diferentemente. Creio que não sobraram mágoas entre os dois casais de pais mas elas poderiam ter existido e, poderão surgir novamente, especialmente quando nascerem os netos…

Agora estou interagindo com a mãe do noivo da minha filha. Se você ler as postagens anteriores nesta série saberá que ele nasceu e mora na Índia. Seus pais falam inglês e eu já troquei algumas cartinhas com Dona Leena durante o período do namoro. Além da minha descrição esporádica dos detalhes dos preparativos—ela está enormemente interessada—estamos presentemente relatando fatos biográficos uma para a outra. Assim estamos ambas penetrando em mundos até agora desconhecidos, tentando criar uma base para comunicação. A melhor base, de fato, como foi no meu próprio casamento, é o fato de sermos todos filhos de Deus, usando o mesmo livro para nos orientar.

Já que me comovi com detalhes do seu relato, vou traduzir algumas partes da carta de Dona Leena para compartilhar aqui. Por um estranho caminho que só Deus pode explicar, a família dela libertou-se do hinduismo através do catolicismo, para depois adotar o protestantismo. Já que os ancestrais do meu marido vieram ao protestantismo do catolicismo – existe um elo de contato nestes passados. É uma conexão ainda mais fortificada por uma ação dos colonizadores portugueses na Índia no passado. Era um ato supostamente “evangelizador”, porém de natureza totalmente contrária à palavra de Deus, que milagrosamente resultou na conversão que culminou no ambiente cristão em que Stephen foi criado.

Segue o relato:

Vou começar com meu pai porque adoramos contar a história da vida dele. Ele veio de um lugar chamado Mangalore. Seu pai foi obrigado a se tornar católico porque naqueles dias os portugueses costumavam profanar as vilas colocando pão nos poços. Naquela época os hindus eram considerados párias se bebessem deste tipo de água. Assim a inteira vila do meu avô teve que tornar-se católico e o nome da família virou D’Souza. (Era o sobrenome do padre que lhe batizou).

Eles eram bem pobres. Quando meu avô morreu, meu pai sofreu muitas dificuldades em casa. Ele não havia sido matriculado numa escola e sua cunhada brigava com ele. Assim ele fugiu com 15 anos e foi para Bangalore. Lá ele aprendeu a ser alfaiate e começou a trabalhar numa loja. Quando as pessoas trabalham juntas, elas sempre conversam. Assim, os outros alfaiates sugeriram para meu pai que ele deixasse a sua religião e voltasse para a antiga que era o hinduismo. Isto fazia sentido para meu pai, mas ele pensou—eu preciso ter uma boa razão para deixar a religião católica. Primeiro, eu devo estudar o que é o cristianismo. Ele, entretanto, não sabia ler nem escrever e sua língua materna não tinha escrita. Assim ele se auto-ensinou Marathi, (parecido com a sua língua—Konkani), comprou uma Bíblia e começou a ler. Ele leu de Gênesis a Apocalipse. Mas ele entendeu muito pouco e começou novamente. Desta vez, já fazia mais sentido. Quando ele chegou em Mateus e leu “Estreita é a porta e apertado o caminho que conduz para a vida”, ele compreendeu o evangelho e entregou a sua vida a Jesus. Tudo isto aconteceu sem participação humana! Deus lhe deu grande intelecto também. Ele, mais tarde, lia em inglês, tinha boa teologia e nos ensinou a Bíblia. Falava 9 línguas.

Depois da sua conversão, ele encontrou outros crentes e mudou-se para Pune. Naqueles dias, pregava-se o evangelho nas estradas e ele até foi atacado por isso. Minha mãe era crente e uma pessoa temente a Deus que trabalhava numa escola primária. Os casamentos normalmente eram arranjados, e ela orou a Deus pedindo um homem piedoso. Seu pai lhe contou sobre este homem que havia sofrido um ataque físico pelo evangelho e ela disse “sim” a este senhor sem nem conhecê-lo. E assim eles construíram seu lar na mesma cidade com muito pouca renda. As pessoas eram muito mal pagas naqueles dias. Mas a nossa família era muito feliz. Meus pais estavam bem contentes juntos e alcançaram muitas pessoas com suas vidas.

Meu pai abriu a sua própria loja e tudo correu bem até que quatro filhas haviam nascido. Aí roubaram a loja e ele perdeu tudo. Minha mãe começou a ensinar novamente para sustentar a família e meu pai se empregou numa loja. Eles continuaram trabalhando assim para sustentar seus seis filhos e dar uma boa educação a eles… Eu sou a segunda filha… Morávamos numa casa com apenas um ambiente. Tivemos que compartilhar tudo e isto nos aproximou muito. Meus pais acordavam bem cedo para orarem juntos. Eu ainda tenho lembranças de ouvir as suas vozes enquanto estava apenas meio-acordada. Eles então faziam chá e meu pai preparava a massa para fazer “chapattis” , enquanto minha mãe começava a cozinhar e depois eles nos acordavam. A primeira coisa era o culto domestico e meu pai nos ensinava da Bíblia. Falávamos “marathi” e íamos a uma igreja presbiteriana. Mas a maioria das igrejas das denominações maiores na Índia é apenas nominal. Assim a maior parte do que aprendi sobre a Bíblia foi em casa. À noite, minha mãe liderava o nosso estudo bíblico porque meu pai chegava tarde. Muitas crianças da vizinhança vinham nesta hora (a maioria hindus), porque gostavam de cantar e ouvir histórias da Bíblia. Alguns hoje são crentes.

Eu conheci o evangelho desde que era bem pequena. Lembro-me de ter pedido perdão a Deus com seis anos. Mas, em retrospecto, não creio que me tornei crente nesta época. Apesar de crescer no conhecimento de Deus, lendo a Bíblia diariamente e vivendo como se fosse uma pessoa cristã, eu ainda não queria entregar a minha vida. Eu me rendi por inteiro depois da minha formatura. Começamos a freqüentar uma comunidade cristã, parecida com a dos Irmãos e aprendemos ainda mais da Bíblia. Enquanto estudava na faculdade para me tornar professora, comecei a freqüentar um estudo bíblico universitário (parecido com ABU) com minha irmã, Keren. E quem estava liderando este grupo? Era meu futuro marido, Chris Williams. Pois é, não foi então que nosso romance começou, mas…. (E a história continua…).

Pois é, a Dona Leena e eu estamos quebrando o gelo entre nós, tentando atravessar as barreiras culturais, lingüísticas, de distância… As conversas estão fluindo impressionantemente bem, em grande parte por causa da fé que compartilhamos. E porque somos mulheres, curiosas, ansiosas de saber e contar detalhes, de ver o lado relacional dos eventos e de entender as circunstâncias…. Em paralelo, os nossos filhos também estão conhecendo melhor a história e a personalidade das suas futuras famílias. Mas não foi fácil—ambas tínhamos medo de nos abrir. Nem todos têm a facilidade de expressão e de raciocínio que a Dona Leena tem, nem a vontade de se comunicar numa língua que não é a sua língua mãe. Enquanto isso, os nossos maridos continuam só se conhecendo de “ouvir falar” (e lendo as nossas cartas). Esperamos que eles, baseado no que aprendem um do outro destas nossas conversas, consigam se dar bem no seu encontro em junho…

E já está chegando a hora de começar a nos aproximarmos dos futuros sogros do nosso filho caçula. Mas só depois de junho…. Se não, não durmo mais…

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