De Deus somos Cooperadores

Crônicas do Cotidiano > De Deus somos Cooperadores
…Nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. Ora, o que planta e o que rega são um; e cada um receberá o seu galardão, segundo o seu próprio trabalho. Porque de Deus somos cooperadores. –I Coríntios 3:7-9

Sentada na igreja, Isabel sorriu, carinhosamente, enquanto fitava os rostinhos das crianças que passavam por ela, a caminho do seu culto noturno. Brenda, Bruna, Betinha, Lia, Jasmim, Douglas, Tanya, Amélia, Márcio…. Todas bem-vestidas, alegres, apressadas… A janela do berçário revelava mais três irmãozinhos recebendo os cuidados das mães. Na sala de som, um papai diácono; na porta da igreja, outro. As suas famílias serviam na SAF, UPA, UPPA, UPJ, nos Corais, na Escola Dominical, nos Encontros de Casais… Faziam parte integral da igreja. Amavam e eram amados. Ministravam e eram ministrados. Visitavam e eram visitados. Estudavam e aprendiam as doutrinas bíblicas. Davam o dízimo. Convidavam e traziam seus parentes e vizinhos para ouvirem a mensagem que havia transformado as suas vidas.

E que transformação! Nenhum visitante desconfiaria que aquelas pessoas procediam da comunidade carente que beirava um córrego perto da casa de Isabel. Havia uma mudança tão radical nas condições de vida, na aparência, no porte, nos olhares…! O pastor subiu ao púlpito. Isabel olhou a enorme faixa pendurada por trás dele—E DEUS DEU O CRESCIMENTO —Como é mesmo o resto daquele verso? Acho que é algo sobre plantar, regar e cooperar? Opa! ‘Pera aí! ‘Tou na igreja! Vou me concentrar no sermão.

Vamos deixar Isabel ouvindo a mensagem para saber mais sobre como começou a evangelização e conversão de tantas pessoas no bairro de Santa Josefa.* A primeira coisa que devemos destacar é que não foi uma obra humanamente estruturada, daquelas em que o povo da igreja se reúne, faz cursos, ora e sai para evangelizar, com metas de almas a converter. Também ressaltamos que, entre os dons reconhecidos por Isabel, a primeira pessoa escolhida para cooperar com Ele, nesse trabalho, o de evangelizar não estava nem na lista!

Como tudo começou? Pois é, pouca gente sabe direito o início dessa história. Neto, marido de Isabel, diz que gente de família nunca fala desses problemas. Mas a verdade verdadeira é que apareceram umas manchas no braço de um dos filhos. Ouviram horrorizados o médico dizer que tinham que lavar e passar a ferro todos os lençóis e roupas da casa, todos os dias. A moça que trabalhava com eles pediu para trazer uma ajuda temporária. E foi assim, desta maneira tão simples e pouco feliz, que Lucília foi conduzida por Deus a entrar na vida deles, e eles na vida dela.

Ah! Lucília tem um caderno onde escreveu um relato dessas coisas. Começa assim:

Nada dava certo na minha vida! Nem meu marido parava nos trabalhos e quando estava trabalhando o que ganhava não dava pra nada, muito mal para comer. Eu procurava sempre ajudar ele, mas nunca dava certo por causa das crianças. Quando não estavam doentes, não encontrava ninguém pra cuidar delas.

Ela descreve a miséria de mudar de “cômodo” constantemente por falta de dinheiro para os aluguéis. Fala das doenças que surgiam por causa dos lugares próximos ao esgoto. Revela as brigas do casal, os maus hábitos que estavam formando… Eles lutavam, lutavam, e as dívidas não acabavam.

Eu sei que as coisas chegaram ao ponto que meu filho pedia um pedaço de pão e eu não tinha para dar. Eu tinha aquela esperança que o mês que vem melhora mais, só que dava tudo errado… Lá estava eu procurando casa outra vez e sozinha pelas ruas pensava porque eu sofro tanto…. Ó Deus, por que, por que? Mas não tinha resposta nem solução….

Lucília começou a achar que a causa dos seus problemas era a sua falta de agradar a Deus. Como saber o que Deus queria dela? Foi assim que ela chegou até a receber uns representantes de uma seita. Nesta época de intensa procura pelo Deus verdadeiro veio o convite para ajudar D. Isabel. Havia algo diferente lá. Não era somente o inglês que ouvia naquela casa. Apesar das crianças brigarem, às vezes, e levarem broncas, ela sentia paz. Seria porque eles eram “ricos” e tinham tudo que queriam? Às vezes D. Isabel almoçava com elas e fazia questão de orar antes. Quando algo no trabalho não saía do seu agrado, explicava sem humilhar. A moça que trabalhava lá explicou que a família era crente. Quando Lucília foi convidada a continuar auxiliando uma vez por semana, ela ficou bem contente.

Um dia, ela criou coragem e perguntou a D. Isabel se a sua Bíblia ensinava as mesmas coisas que ela estava aprendendo no livro das pessoas que vinham à sua casa. Isabel tomou nota das perguntas e marcou um estudo bíblico com ela. Durante alguns meses, foi assim. Comiam, retiravam a louça da mesa e continuavam lá, estudando e conversando.

Mas a sede da Lucília parecia não ter fim. Durante a semana, pegava a Bíblia usada que havia recebido, estudava, marcava e anotava e, nas quintas, perguntava. Havia tantas coisas que ela não sabia, que nunca havia ouvido falar. Maravilhada, Isabel se esforçava para comunicar as profundas verdades bíblicas, com as quais havia nascido e crescido, em termos simples e acessíveis. Mas se sentia tão incapaz. Percebeu, como nunca antes, o quanto o Novo Testamento era construído em cima do Antigo. E Lucília não conhecia as histórias nem as personagens. Como edificar sobre tão pouca base? Isabel arrumou livros infantis de histórias bíblicas. Era para as crianças mas quem aprendia com aquela simplicidade era Lucília (e seu marido, Anderson). E assim, de conversa em conversa e de leitura em leitura, um alicerce foi sendo construído.

Em seu caderno, Lucília escreveu, “Com isso ela plantou uma sementinha dentro de mim que regava uma vez por semana, que era o dia que trabalhava na casa dela”. Ela ficava observando. Admirou-se porque D. Isabel não prolongou o horário de serviço para compensar o tempo “perdido” no estudo e nem descontava do seu salário. Ia aprendendo atitudes cristãs.

Dona Isabel cada vez mais procurava saber dos meus problemas. Um dia ela mim perguntou da minha mãe e foi muito triste lembrar isto porque já fazia 9 anos que eu não a havia visto. No final do ano, eu tive uma grande surpresa. Ganhei uma Bíblia novinha e uma passagem para ir ver minha mãe. Aquele final de 93 estava sendo muito importante para mim. Uma coisa eu já sabia. Deus tinha um plano na minha vida.

No momento exato de Deus, Lucília atendeu ao convite da patroa para visitar a sua igreja.

Naquela noite eu agradeci a Deus porque tinha conhecido uma pessoa que estava mim fazendo tirar a venda dos meus olhos e enxergar coisas maravilhosas e ouvir também. Naquele dia, no silêncio da noite, eu ouvia a voz do pastor falando do amor de Jesus e eu ali com todo aquele povo desconhecido que quando mim olhavam davam um sorriso de seja bem vindo.

Lucília e Anderson e seus dois filhos começaram a freqüentar a igreja. Pouco a pouco, foram se entrosando na Escola Dominical, SAF, UPJ, UPH… O co-pastor fez uma visita e impressionou porque não fez questão de sentar na beira da cama com o prato na mão enquanto procurava lhes conhecer melhor. Era comovente como o coração dos membros se abriu para eles, tratando-os com respeito e carinho. Lucília arrumou mais um dia de serviço com outra senhora da igreja.

D. Vanessa também já procurava saber da minha vida e me ajudava no que podia. Aí, sem perceber, eu estava me separando mais daquelas pessoas tão incrédulas que viviam ao meu redor, estava deixando as festas, os almoços de final de semana, as bebidas dos amigos de meu marido e ele e eu estava passando a conhecer aquelas pessoas, que também se divertiam, mais de modo diferente.

Em um domingo, o pastor fez um apelo para aqueles que já haviam aceito Jesus como Salvador mas, ainda, não haviam revelado isso. Pediu para que viessem à frente para que os irmãos os conhecessem.

E ali estava eu com o coração bem pequenino e falando sozinha—eu tenho que ir na frente pois não tenho mais dúvida do que Jesus é o meu Salvador… E o pastor de lá chamava, e algumas pessoas já indo a frente, e eu ali com aquela agonia… Fui, era como se eu estivesse flutuando, e lembro que orei assim: Senhor Deus, este está sendo um momento muito feliz na minha vida e quero ti agradecer pelas pessoas que tu colocou na minha vida porque através delas eu estou aqui… Nesse momento eu ti peço que derrame teu Espírito Santo no coração do meu marido e faça com que ele sinta o mesmo que eu estou sentindo agora e que em pouco tempo, ele possa também estar aqui na frente e juntos nós sermos uma família em Cristo Jesus. Amém.

...Quando fomos abrindo os olhos, estava Anderson ali também… Eu fiquei tão feliz que não sabia se sorria ou chorava, mesmo em silêncio. A minha vontade naquela hora era gritar pra todos o tamanho da minha felicidade, porque ser feliz não é se ter trabalho, casa, festas, amigos. Não, ser feliz é ter Jesus e sentir ele, porque estas coisas com certeza vem depois!

A história de Lucília e Anderson apenas começa aqui. Encorajados e apoiados por muitos irmãos da igreja, entraram na classe de catecúmenos, formalizaram o casamento e fizeram profissão de fé. Mas, o mias importante, é que iam falando para seus parentes e vizinhos das maravilhas que haviam descoberto na Bíblia e no povo de Deus. Lucília passou a ser vista como uma pessoa a quem poderiam recorrer nas horas das dificuldades. Ela gasta muito tempo procurando respostas na sua Bíblia e orando com e por eles. A sua casa, é verdade, continua apertada, ao lado do mesmo córrego insalubre, mas agora tem móveis, máquina de lavar, microondas, telefone, carro…

Por vários anos, Isabel continuou com os estudos bíblicos, e agora incluía as senhoras que estavam sendo evangelizadas e discipuladas por Lucília, chamando-as , carinhosamente, de “minhas moças”. Entre essas, estavam Áurea e Fabiana, as que ajudavam Isabel cozinhando e limpando sua casa, também moradoras da rua de Lucília. Depois de algum tempo, elas ficaram tão envolvidas nas suas igrejas e no próprio evangelismo, que não sobrava mais tempo para se reunirem, semanalmente. Agora as consultas doutrinárias são eventuais. Suas auxiliares se tornaram verdadeiras irmãs em Cristo, capazes até de chamar a atenção de Isabel, cada uma com sua Bíblia marcada na mão.

Repetidamente, Isabel fica admirada com a capacidade de elas perceberem bênçãos em situações em que ela mesma ficaria aflita. Em uma conversa recente, Lucília lhe confidenciou—Sabe, D. Isabel, antigamente eu sonhava com o dia em que iriámos deixar este bairro, pra nunca mais voltar. Odiava a Vila Santa Josefa! Agora penso que vamos mudar daqui algum dia, por causa dos nosso filhos, mas, por enquanto, estou feliz. De verdade! Sei que é neste lugar que Deus quer nos usar. Dou graças a Ele porque Ele incomoda meu coração pelas almas destas pessoas. Quando acordo a noite para o bebê mamar, fico descendo a rua na minha mente, casa por casa, e oro por cada pessoa, especialmente pelas crianças.

Assim, Deus usou Isabel, uma senhora sem pretensões missionárias ou de liderança, para alcançar pessoas no bairro de Santa Josefa. Por meio das suas “moças” e das suas famílias e vizinhos, ela tem recebido o privilégio de crescer espiritualmente enquanto Deus, na sua graça e misericórdia, vai lhe dando preciosos netos e até bisnetos, na fé, por ter sido ela cooperadora com Ele, quando alguém lhe pediu a “razão da esperança” que havia nela (1 Pedro 3.15).

Elizabeth Zekveld Portela (Com a colaboração de Luzia Pereira da Silva)
Publicado na SAF em Revista, 1º Trimestre / 2002

* Esta crônica é baseada em fatos verídicos. Os nomes das pessoas e lugares foram modificados.

Um Comentário a “De Deus somos Cooperadores”

  1. Sabemos que Deus está fazendo uma grande colheita na terra,e queremos que todos alcance está miséricordia.porque nossa melhoe riqueza é a salvação.

Deixe o seu comentário

Crônicas do Cotidiano > De Deus somos Cooperadores