Pensando sobre Arte e Beleza

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Mexendo em alguns papéis, encontrei uma carta que iniciei há um ano, no dia 11 de fevereiro de 2006. Nunca cheguei a completar o meu raciocínio mas enviei a carta daquele jeito mesmo por ser para uma amiga daquelas com quem você bate papo sem grandes preocupações sobre se o que você diz está fazendo completo sentido ou não. Na época eu estava pensando sobre “arte”, com foco especial na capacidade de se escrever bem. Vou copiar e ampliar algumas das cogitações iniciais que fiz naquele dia.

Querida Amiga:
São duas da madrugada, domingo de manhã, e não consigo dormir. São tantas as pessoas e situações que povoam a minha mente… Pensamentos a respeito de cartas que preciso escrever, respostas a coisas que me perguntaram ou disseram… Saí do quarto na ponta dos pés e fui sentar no computador por um pouco de tempo…

Uma das coisas que fiquei pensando é o que você disse sentir quando escreve, e como eu me sinto do mesmo jeito, às vezes. Mas não sei se eu explicaria as minhas percepções do mesmo modo que você.

Tenho tantas perguntas e dúvidas! O que será que é arte? Aquilo que eu considero arte é apenas minha opinião ou podemos nós, como cristãos, chegar a uma conclusão básica sobre o que é a “verdadeira arte”. O que é “arte de qualidade”? O que é arte aos olhos de Deus? E o que é arte aos olhos de Satanás? Não sou nenhum Francis Schaeffer (e faz tempo que li o livro dele sobre este assunto) mas vou arriscar alguns pensamentos.

Tive um curso sobre “Apreciação de Arte” na faculdade e lembro-me de ter ficado surpresa e confusa quando o professor nos forçou a tentar definir o que era beleza e o que seria arte. Em seguida, ele nos fez ler vários autores sobre o assunto. Tolstoi foi um destes e Ruskin um outro, entre vários. Esta leitura me fez pensar bastante pois, até então, tinha mais ou menos presumido que seria óbvio para qualquer pessoa realmente crente que a “arte verdadeira, de qualidade” era exatamente aquilo que EU considerava “boa arte”. Achava que a chamada “arte moderna” não era “arte verdadeira” por ser (na maior parte) fruto de um povo sem Deus, a serviço de Satanás, ainda que os artistas não soubessem disto. Fui forçada a repensar algumas das minhas conclusões e incluir aspectos como gosto, cultura, técnica e originalidade nos meus critérios. Entretanto, continuei tendo uma noção muito “conservadora” sobre o que é arte de qualidade ou arte verdadeira, apesar de conceder que ela pode ser positiva ou negativa, construtiva ou destrutiva.

Não sou especialista nessa área, mas arte, para mim, entre outras coisas talvez, é algo que se destaca, único, feito com técnica, que nos leva a uma reação. Algo que surgiu num certo contexto via mãos ou mentes habilidosas para um fim específico… (Termina aqui a referência à carta original.)

Existe muita arte verdadeira, de qualidade técnica, que me dá dó—reação negativa. Refiro-me aqui a arte destrutiva, negativa… Ando por museus e exposições, assisto a peças e filmes (ou vejo as propagandas destes), escuto músicas e examino livros e outros escritos. Mas minha reação é pena. Ou ira. Ou nojo. Falta algo—esperança, ética, vergonha, pudor, bom gosto… Algo que faz com que não tenha prazer em ver ou ouvir ou ler ou usar aquilo. Falta vontade de rever o que vi. Não é algo que gostaria de colocar na minha casa, de compartilhar com meus parentes ou amigos. Não consigo apreciá-lo.

Entretanto, percebo que existem entre estas obras, coisas que são muito bem-feitas, tecnicamente “perfeitas”… Podem também ser singulares—dando uma perspectiva ou apresentando uma visão ou som diferente de tudo que lhes antecedeu. A pessoa que criou aquela obra pode ser chamada de artesã, artista, maestro, gênio… Mas a motivação por trás da produção do criador pode ser perversa, a sua mensagem pode ser imoral, a imagem pode ser depravada… A sua obra de arte pode revelar a degeneração ou a falta de orientação do artista e/ou estimular maldade ou desesperança no expectador ou admirador. Me irrito e incomodo quando os analistas de plantão incentivam e promovem este tipo de trabalho e quando meus amigos crentes os toleram, aprovam ou imitam cegamente, tapando os olhos e ouvidos para qualquer crítica negativa. Parece que a sua fé não tem nada a ver com seu discernimento! Ou até com sua prática!

Será que são mesmo estas coisas que estamos fazendo, vendo, ouvindo ou promovendo no mundo das artes (a nossa produção criativa) que queremos apresentar ao nosso Pai? Será isto o melhor que podemos fazer para promover o seu reino na terra em que Ele nos colocou? Será que encaixam com o tipo de coisas que Deus quer que ocupem a nossa mente? E com aquelas que resumem as nossas ações?

Isto me faz lembrar aquilo que Paulo revela da vontade de Deus para nós em algumas passagens bíblicas. Em Filipenses 4.8 e 9, ele encoraja os irmãos a pensar em tudo que for verdadeiro, nobre, correto, puro, amável, de boa fama. Na continuação do seu raciocínio, parece-me, entretanto, que ele deixa espaço para avaliarmos aquilo que nos cerca e, se percebermos algo de excelente ou digno de louvor, permite que pensemos nessas coisas. E conclui que o Deus da paz estará conosco se focarmos nestas coisas que encorajam e elevam as virtudes que devem compor a pessoa que Deus quer que sejamos.

Voltando a esta possibilidade de enxergar coisas excelentes e louváveis na produção do descrente, creio que argumentos podem ser construídos para provar que o cristão não deve se isolar num “casulo evangélico” mas que ele tem abertura para interagir com a cultura que lhe cerca. Ele pode usar suas observações como ponto de partida para testemunhar e também para aprender sobre a arte em si. Mas os filhos de Deus partem do ponto de referencia acima e eles não podem abrir mão disto. Junto com essa diretriz, vem a prescrição de 1 Coríntios 10.31. Assim, quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus.

Por outro lado, já verifiquei que nem tudo que chamam de arte é arte—muito é apenas imitação, gozação, reação… Grande parte é resultado de propaganda e mídia que podem ter propósitos gananciosos ou mal-intencionados. São coisas, cores, estilos e melodias originais que ficam sendo copiadas ad nauseam, pelas quais as pessoas pagam fortunas hoje mas que encontraremos em brechós amanhã ou em exposições retrô sobre modismos do passado.

Mas existe a “boa arte”, a que é construtiva e positiva. Como filha de Deus, eu procuro me aproximar daquilo que penso que agrada a Ele. Às vezes, eu tento imaginar como será a “decoração” e o “ambiente” do céu. Faço isto com música, com pinturas, com esculturas e com a escrita também. Meus filhos já sabem exatamente o que considero hell music – a música barulhenta que, na minha concepção, vai ser tocada no inferno em contraste às melodias entoadas no céu. Olho a vitrine de uma loja Swarovski e imagino Deus meu Pai e Jesus meu Salvador lado a lado, sentados nos seus tronos e com o brilho que emana deles reluzindo assim, refletindo em trilhões de objetos singulares, concebidos e formados por seus anjos ou pela gente mesma—em meio a outras criações de madeira, cerâmica, ouro, prata e pedras preciosas e quem sabe mais que outros incríveis materiais conseguiremos sintetizar.

Enquanto penso neste assunto—tentando definir e exemplificar o que é arte verdadeira—vejo que é algo extremamente complicado. Existem pessoas muito mais qualificadas do que eu para falar desta matéria. Surgem tantas perguntas! O que é beleza? O conceito de beleza sempre é relativo, influenciado por nossas origens e experiências? Imitar bem é arte? A criação de algo belo é necessariamente arte? E se for algo que nos choca ao ponto de nos fazer largar o erro? Se fosse responder a tudo isto, passaria semanas de pesquisas antes de postar este blog…

Enquanto isto, dou graças a Deus pelo privilégio de desfrutar de pequenas e grandes amostras artísticas, começando pelo que vejo da sua própria criação, só no cantinho que habito. No meu terraço, exuberantes rosinhas vermelhas brotam de uma pequena roseira e são frequentemente visitadas por beija-flores que pairam no ar, maravilhosamente sustentados por asas invisíveis. No canto, uns cactos feiosos escondem um segredo que será revelado com a chegada do outono. Das suas pontas, daqui a pouco surgirão dezenas de belas “flores-de-maio”, delicadamente coloridas e em formato de graciosas aves em vôo. O mesmo milagre acontecia nas janelas da minha casa no Canadá no auge do inverno, numa época em que a neve não permitia flor alguma. Apesar de tornar-se previsível, continua sendo algo incrível.

Ao andar na rua, encontro uma pessoa que não vejo há anos. Mas o que me deixa boquiaberta é o fato que eu a reconheço por trás! Pelas costas! Já paramos para pensar na enorme quantidade de características que comprazem um único ser humano? Cabelos, pele, porte, cor, formato, tamanho, maneirismos, peculiaridades—milhares de aspectos, todos interligados de maneira singular… Já paramos para maravilhar com a fascinante capacidade do nosso cérebro de gravar, catalogar e trazer de volta à nossa mente aquela distinta combinação de atributos e, ainda por cima, dar nome e significado àquele conjunto de aspectos? Somos bilhões de pessoas! Todas com cabeça, tronco, braços e pernas. Com olhos e voz. Todas! E ainda assim somos individuais; podemos ouvir uma fala e saber que é a voz do presidente, da prefeita, de uma atriz dos nossos tempos de criança; também reconhecemos vozes de pessoas que nem vivas estão mais, más ou boas, como Hitler, Airton Sena, Juscelino… Tudo obra do Supremo Artista do Universo!

Entro na minha sala e vejo um caminho de mesa tão bem bordado que preciso superar a vontade, toda vez, de guardá-lo para deixar de herança—para que os meus descendentes possam apreciar aquele minúsculo ponto de cruz, tão delicado, tão gracioso! Logo acima, deleito-me olhando dois quadros com flores que me foram presenteados por amigas talentosas—Meire e Vanja. No banheiro, aprecio o elegante bordado de outras amigas, Telma e Sueli, nas toalhas de banho e mão, enquanto um bordado igualmente especial, feito por minha irmã em Cristo, a Minka, está pendurado no hall de entrada. Avisa a todos que Deus é o Senhor da nossa casa, o convidado invisível em cada refeição e o ouvinte silencioso de cada conversa.

Na cama, uma colcha de renda lembra o talento de uma velha senhora que me deu boas-vindas muito especiais quando cheguei neste país, ainda recém-casada. No gabinete, vejo as linhas elegantes do nosso velho computador, o I-Mac, ainda considerado, junto com outras obras de Steve Jobs, uma referência em termos de tecnologia criativa.

Eu, também, posso ser artista nas pequenas coisas da minha vida, arrumando um prato ou uma mesa com capricho, na decoração da minha cama ou no arranjo das plantas no meu terraço, nos enfeites da sala, na combinação dos meus brincos com meus sapatos, batom com esmalte, vestido com bolsa…

Na parede da cozinha, vejo dois pratinhos de cerâmica, pintados e esmaltados por nosso filho caçula. Ele já é universitário, e mora a milhares de quilômetros de distância. Provavelmente nem se lembra da existência destes que, um dia, considerava “obras de arte.” Mas eu os deixo lá, porque simbolizam para mim o entrelaçamento do amor filial com a criatividade. Lembro-me dos olhares dos meus filhos, ainda pequenos, quando me entregavam objetos simplesinhos e até malfeitinhos. O olhar dos mais novos era confiante—certo que a Mamãe iria gostar muito de receber um presente feito pelas mãos deles. O olhar dos mais velhos já era um pouco envergonhado, mas ainda esperançoso. Apesar de cientes que a sua criação estava longe da perfeição do modelo colocado na frente da classe pelo professor, eles esperavam que aqueles objetos passassem por uma espécie de metamorfose, uma transformação invisível a todos fora do âmbito familiar. Aguardavam que o meu olhar de mãe transfigurasse os seus esforços ineptos em realizações de qualidade. Que a beleza do seu intento ornasse o resultado. E eu logo percebi que era com a minha resposta, com a minha reação, que eu estava realizando a minha própria obra de arte, na formação da personalidade e do caráter dos meus filhos…

E não é assim que o nosso Pai celestial interage conosco? As nossas tentativas de fazer algo de valor para agradá-lo são tão pífias quando comparadas com os incríveis talentos do Criador do universo! Ele não precisa de nós mas tem prazer em observar e receber as demonstrações sinceras do nosso amor em louvor e serviço. Ele enxerga beleza em nós e nos ama porque o sangue de Jesus encobre os nossos defeitos. Assim, milagrosamente, ainda que não alcancemos a perfeição do modelo que nos foi posto para imitar—Jesus Cristo —o seu amor observa e acolhe as mínimas evidências do nosso empenho e sinceridade. Desta feita, os nossos esforços também acabam sendo considerados realizações de qualidade (obras de arte) enquanto o nosso intento genuíno contribui para realçar a glória dele—a verdadeira perfeição. Como é bom ser filha amada deste Deus! Preciso cultivar e demonstrar a minha gratidão, desenvolvendo e usando os talentos criativos que Ele me deu enquanto aprecio e incentivo a “boa arte” daqueles que me cercam.

Betty

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