Pensando Alto – Sobre um Senhor Chamado Jean-Jacques Rousseau

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Ontem foi domingo e, como sempre, fomos para a nossa igreja e a escola dominical de manhã e participamos do culto à noite. Já que sou do tipo que procura fazer duas coisas ao mesmo tempo, peguei na nova Revista VEJA e fui folheando-a enquanto secava e ajeitava os cabelos. Deparei-me com um artigo por Anna Paula Buchalla chamado “Salvos pela ‘roda’”. O subtítulo diz “Hospitais europeus instalam uma versão moderna da ‘roda dos enjeitados’, para receber bebês abandonados”. Segue uma descrição de um berço aquecido no lado externo de hospitais, com sensores que alertam quando alguém deposita uma criança nela. Fui passando os olhos pelo relato que explica como hospitais na Suíça, Áustria, Alemanha e Itália atualmente recebem estes bebês sem identificar quem os está abandonando. Volta então a fornecer uma descrição dos primeiros “berços” deste tipo (cilindros de madeira giratórios) que ficavam em portas de conventos e igrejas nos tempos medievais. Depois a autora insere, “Um dos mais famosos usuários da “roda” foi o filosofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que abandonou os cinco filhos que teve com a serviçal Thérèse le Vasseur” .

O secador tremeu na minha mão e berrei para meu marido que estava se arrumando no quarto, “Escute isto sobre Jean-Jacques Rousseau!…” Estava horrorizada! Que tipo de monstro era aquele que abandonara não um, nem dois, mas cinco filhos! Cinco preciosos bebês! Quarenta-e-tantos meses acompanhando a gravidez da amante… Imaginava as crianças nascendo uma por uma e a mãe, toda vez, já sabendo o que ele iria exigir… E me perguntava qual teria sido o destino de cada um e que tipo de ética e moral poderia ter um homem capaz de abandonar (palavra usada pela autora que expressa o sentimento de repulso de seres humanos normais até hoje) seus filhos a um destino que notoriamente acabava sendo cruel. Termos como “sem-vergonha” e “canalha” imediatamente brotaram na minha mente!

Solano ouviu um pedaço do texto e conversamos sobre este senhor. Se fôssemos nos comparar com livros, eu seria um pequeno dicionário de bolso — guardando bem pouquinha informação sobre uma série de assuntos — e meu companheiro seria uma enciclopédia. Assim eu já reconhecia o nome deste senhor (fiz curso sobre a “história européia” na faculdade, entre outras coisas) e achava que ele havia sido ligado a conceitos de governo e sociedade e à revolução francesa de algum modo. Solano sabia que ele havia escrito o “Contrato Social” e asseverou que ele contribuira com alguns pensamentos valiosos e corretos. Que ele tinha influenciado tanto a Revolução Americana (com resultados que foram para o bem de muitas pessoas e dos quais muitos se encaixam com o ensino das Escrituras) quanto a Revolução Francesa (com resultados muito mais tristes e, frequentemente, não-bíblicos). Eu, entretanto, estava pronta para descartar qualquer coisa que aquele senhor tivesse dito ou escrito. Que hipócrita! Saímos para a igreja com a nossa filha e as conversas focaram em outros assuntos. Rousseau saiu do meu pensamento—era apenas um entre vários tópicos da revista que havia examinado.

À noite, fui guardar o jornal do dia. De manhã, já havia comentado para Solano que uma inteira seção lidava com o tema “pena de morte”. Vi, novamente, o chamado da capa e resolvi separar os ensaios para os arquivos dele (já que é um assunto que lhe interessa bastante). Sabendo que as páginas eram uma resposta a um debate surgido por causa de algumas declarações do colunista Renato Janine Ribeiro logo depois da morte brutal do menino João Hélio no Rio, resolvi dar uma olhadela. Fui lendo, lendo e então cruzei com a seguinte afirmação deste mesmo senhor: “Palavras são poucas para enunciar os casos em que falha o grande projeto de Rousseau, a compaixão, a piedade: o padecer junto com qualquer ser vivo que sofra. O horrível dos infanticidas é a extinção cabal da compaixão. ‘Não sei, não tenho filho’, disse um dos assassinos, ao lhe perguntarem o que imaginava sentirem os pais de João Helio…. Admirando Rousseau, talvez o filósofo moral de maior grandeza, penso porém que a compaixão é uma construção laboriosa feita em sociedade. Divide o humano do bestial…” O Sr. Renato continua e tem conclusões até interessantes mas o meu ponto agora é o fato de ter me deparado com o Rousseau pela segunda vez no mesmo dia. E o que me intriga é que as referências a este senhor ocorrem em contextos inteiramente opostos. O Sr. Renato usa este filosofo para combater o infanticida enquanto a Sra. Anna lhe oferece como exemplo daquilo que muito nos choca—um ser que abandona um infante.

“Googlando” o Rousseau pela Internet, outras lembranças dos meus dias de estudante vieram à tona como o fato que seu livro “Emile” foi usado por gerações como modelo de criação de filhos e educação de crianças!!! Apesar de gostar de ter tempo de pesquisar as obras de Rousseau e estudar mais sobre ele, não pretendo entrar no mérito de suas proposições para a sociedade agora. Quero apenas refletir sobre as implicações para mim deste confronto entre esses dois rápidos registros daquilo que este senhor deixou para a posteridade; sobre o contraste entre o meu repúdio à maneira em que ele viveu e a minha possível apreciação por algumas coisas que ele escreveu sobre governos. Se fosse estudá-lo e tivesse que avaliá-lo, teria que levar em conta os dois aspectos.

Entretanto, tenho certeza de algumas coisas. Eu, sendo crente, filha chamada para agradar e honrar meu Pai celestial, não posso ter dois pesos e duas medidas como Rousseau claramente manifestou na sua vida. Por mais que minha vida seja difícil, tenho a obrigação (e privilégio) de cumprir, custe o que custar, o que Deus delineou para mim na minha Bíblia. Nesta parte da sua vida particular, Rousseau acabou sendo um monstro igual, ou pior, àqueles que tanto desprezava no âmbito social e político.

Por outro lado, vivemos numa época em que foi implementada uma versão do contrato social, entre povo e governantes, que Rousseau tentou detalhar numa era de tirania e despotismo. De certo modo é graças a ele (e a outras pessoas que também não foram necessariamente exemplares) que podemos, portanto, cobrar dos nossos governantes, eleitos por nós, atitudes que garantem o cumprimento do mandato que receberam das nossas mãos, protegendo a nossa liberdade, garantindo a nossa dignidade e punindo os malfeitores, entre outras coisas.

E, por último, mais um pensamento—já que percebo que o nosso Rousseau acertou bem menos nas suas teorias pedagógicas do que nas políticas (ainda que continue sendo muito citado). Antes de a gente começar a valorizar por demais os best-sellers sobre criação e educação de filhos que atualmente quase pulam das prateleiras das nossas livrarias, creio que é válido darmos uma boa olhada nas vidas e experiências dos seus autores. Só porque eles sabem falar bonito ou têm um bocado de mestrados e doutorados, ou porque se citam mutuamente e tem a mídia por trás deles, isto não significa que o que alguns deles têm para dizer não passe de um monte de besteira glorificada, de reflexões utópicas sobre algo que nunca experimentaram… Podem até ser reações legítimas a coisas erradas, mas a sua avaliação daquilo que interpretam como sendo inapropriado, não necessariamente valida o que postulam como a solução ou resposta. Alguns podem até ser sinceros, mas é bem possível que poucos realmente conseguiram colocar em prática aquilo que sugerem. E, se eles declaram que algo pode ter funcionado, mas quando o que advogam é observado mais de perto, notemos que vai contra o claro ensino da Palavra de Deus, pode-se ter certeza do seguinte: ou eles mentiram propositadamente, ou foram enganados pelos participantes no seu experimento, ou omitiram / não perceberam alguns detalhes críticos.

Os princípios divinos—do Maravilhoso Ser que nos criou e nos conhece a fundo—são os únicos confiáveis e eles realmente funcionam quando interpretados e aplicados adequadamente… Saibamos que popularidade não é credencial (Rousseau até disse algo neste sentido quando aventurou que a vontade da maioria não era necessariamente o melhor para uma sociedade…). Portanto, não vamos correr cegamente atrás deles. Sejamos seres pensantes e responsáveis. Se não, no fim, tarde demais, podemos descobrir que a pessoa que colocamos no pedestal nos levou, tragicamente, a abandonar em vez de proteger os nossos bebês…

Betty

10 Comentários a “Pensando Alto – Sobre um Senhor Chamado Jean-Jacques Rousseau”

  1. leni moraes disse:

    Betty
    Gostei muito das suas crônicas.
    Continue fluindo suas idéias, como uma fonte que abençoa…
    E engrandeça ao nosso Amado Pai Celeste!
    Deus te dê sabedoria para influenciar vidas que têm sede dEle.
    Deus te abençoe…

  2. Joao Soares disse:

    Li o seu comentário e o achei razoável, embora Rousseau tenha feito grandes bobagens na vida ele não soube administrar o lado familiar,
    que é muito mais sagrado que qualquer coisa na vida, mas em contra partida deixou muita coisa boa, a começar pela independência dos povos, a liberdade, onde ele diz que nenhum homem tem o direito de ser proprietário de outro homem, o homem nasce perfeito, o meio é que o transforma no bem ou no pior, ele mostrou que acima de tudo esta o ser humano, que tem por dever de ser limpo, amigo, fraterno e responsável, começando a respeitar o ambiente em que se vive e as pessoas que estão a seu lado, queira sim queira não, quantos filhos ele e Therese adotaram na vida???

  3. vania disse:

    Realmente sabem o que aconteceu para que Jean JACQUES ROUSSEAU abandonassem os seus filhos?
    Qual foi o princípio que nosso instrutor JESUS CRISTO deixou mesmo?

    NÃO JULGUE PARA NÃO SER JULGADO, POIS COM A MESMA MEDIDA QUE JULGAS, SERÁS JULGADOS.

    Falam de DEUS mas, não são coerentes com os seus princípios.Fica o alerta.

  4. vania disse:

    Outra covardia da sua parte nobre cristã(ironia)porque de verdadeira cristã,não tem nada.Onde está o amor ao próximo,nesse seu discurso moralista.Covarde mais uma vez,ele nem pode se defender,talvez nem precisa-se mesmo.

  5. Daniel Santa Rosa disse:

    Realmente a situação do Rousseau quanto aos fihos tem sido visto a grosso modo, agora, não se espera que exista uma justificativa para tal -comportamento! Não é de se esperar que alguém possa se arrogar alguma coisa depois de tais atos, os por menores do caso podem até explicar mas nunca justificar Rousseau. Temos valorizado o fim independente dos meios e todos sabemos que isso não é bom.

  6. Alexnaldo Silva disse:

    Parabéns pelo ótimo texto. Muito equilibrado, e corajoso pois vc trouxe o seu próprio relato. Aprendi muito. Quanto aos comentários negativos da Vânia, não ligue, pois ela parece que nem leu o texto e o significado real daquilo que vc trouxe, pois dizer que vc julgou o Rosseau só confirma o que eu disse.

  7. Rosana disse:

    Achei que não deveria falar sobre religião, biblia, essas coisas…. acho que o contexto era outro…

  8. betty disse:

    Rosana, creio que o blog é meu e ninguém é obrigado a olhar ou ler. A minha fé é a coisa mais importante na minha vida e a constituição brasileira me permite liberdade para expressa-la. Trato de muitos outros assuntos no blog e procuro falar de maneira educada, suave e bonita. Talvez você possa encontrar algo no índice que goste mais. Que Deus a abençoe, permitindo alegria e paz. Abs,

  9. luciana disse:

    Olá gostei muito do seu texto, é bom conhecer outro ponto e vista, também sou cristã e aprendi que a melhor herança que podemos deixar para nossos filhos é o nosso exemplo. Como poderemos ensiná-los a serem bons e afetivos se o abandonarmos à sua própria sorte.

  10. betty disse:

    Que Deus a abençoe nesta missão, Luciana! Ande com ele diariamente, procurando conhecê-lo mais e melhor, meditando na sua revelação na Bíblia e aplicando os seus preceitos, para poder transmitir para seus filhos como é bom servir o nosso Salvador e Senhor.

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