Empatia Feminina (3) – Minha Avó Paterna – Segunda Parte

Crônicas do Cotidiano > Empatia Feminina (3) – Minha Avó Paterna – Segunda Parte

Na semana passada, postei a primeira de uma série de reflexões sobre o impacto que minha avó paterna teve na minha vida. Pensei que seriam apenas duas, entretanto novas recordações e ponderações continuam surgindo…

No meu próximo conjunto de lembranças, Opoe (ôpú) já havia saído da fazenda Ebenézer. Ela não quis ir morar com nenhum dos seus cinco filhos fazendeiros—era praxe entre pessoas do seu nível na Holanda vender a fazenda para algum filho e ir viver das economias numa cidade próxima ao aposentar-se. Foi, portanto, residir com a família da sua filha mais velha, a minha Tia Patrícia, na cidadezinha de Bowmanville (com uns dez mil habitantes, na época). Meu tio era muito jeitoso e modificou a parte da frente da casa para ser um apartamento com acesso separado. Depois, ele foi adaptando tudo para que Opoe pudesse ser independente dentro das suas crescentes limitações. Meus parentes falavam que ele deveria patentear as engenhocas e dispositivos que inventava. Eu tinha pouco com que comparar a sua habilidade e, para mim, isto só comprovava o ditado que “a necessidade é a mãe da invenção” e que a criatividade de algumas pessoas permitia que elas melhorassem situações sem sempre depender de ajuda externa.

Por ser a mais velha entre seus 30 e poucos netos, quando cheguei a uns 12 anos, fui escolhida para cuidar de Opoe anualmente nas duas semanas em que meus tios saíam de férias. Este continuou sendo meu dever até partir para a faculdade, com 17 anos.

Assim, uma vez por ano, saía do meu mundo e entrava em outro. Este ficava a apenas 40 km de distância, mas era inteiramente diferente—e o contraste ia bem além do fato de um ser rural e o outro, urbano. Duas semanas depois, voltava para o anterior, com impressões e experiências para digerir e compartilhar com meus pais e irmãos.

Quando penso naqueles quinze dias (que se repetiram por umas cinco ou seis vezes) em que convivia com aquela séria senhora da qual descendi, percebo que serviram para me ensinar uma série de coisas valiosas. Entretanto, sempre acabo peneirando as suas boas qualidades pela filtro da sua incapacidade (ou recusa) de comunicar seus sentimentos e reflexões comigo. Não me lembro de nenhuma conversa em que ela procurou conhecer ou estimular os meus pensamentos. Nem me recordo dela verbalizando emoções a respeito de eventos passados, preocupações com o presente ou temores pelos futuro.

Por outro lado, nunca a vi reclamando das suas dores ou demonstrando descontentamento. Seus sentimentos eram simplesmente impenetráveis para mim. Ela me orientava em todos as etapas das tarefas do dia-a-dia, e não hesitava em apontar maneiras mais eficazes ou melhores de fazer o trabalho. Nunca recebi um elogio explícito dela mas ela também nunca levantou a voz para mim ou me humilhou em público. Solano, quando ele a conheceu alguns anos mais tarde, observou de imediato que ela tinha “olhos benevolentes”. Fiquei surpresa, mas prestei atenção e vi que era verdade. Da sua maneira, creio que ela gostava de mim, porque realmente me empenhava em agir como uma pessoa adulta e responsável na sua presença. Entretanto, o que se sobressai nas minhas memórias são as suas excentricidades e, desta vez pelo menos, vou tocar em mais uma.

Quando ia para a casa de Opoe, me via forçada (na maior parte de modo inconsciente) a lidar com duas maneiras distintas de avaliar o valor e importância de objetos e de pessoas. O apartamento de Opoe era um lugar chique, onde tudo combinava. Os móveis eram todos da mesma madeira maciça e a decoração consistia de quadros e enfeites que eram pequenas obras de arte. Juntamente com o relógio de pêndulo, alguns eram peças de família que haviam vindo da Holanda. Cortinas e panos de renda brancos ou floridos realçavam e embelezavam a madeira escura e altamente polida dos móveis. A disposição e colocação de cada peça demonstrava bom gosto. As roupas de cama, mesa e banho eram todas bordadas com bicos de crochê e eram guardadas em meio a sachês perfumados. A louça era de porcelana com detalhes delicados e elegantes. Cada coisa tinha o seu lugar.

Em contraste, na fazenda dos meus pais, os móveis eram utilitários e a decoração era “eventual”—um mesclado de itens de serventia herdados, presenteados ou comprados em liquidações, leilões ou brechós. Fora de algumas coisas na sala de estar (um ambiente usado unicamente para visitas), muito pouco combinava. Minha mãe reconhecia e conhecia os princípios da estética, mas havia aprendido a satisfazer-se com muito menos. Acima de tudo, pendurava e posicionava as muitas “obras-de-arte” que os cinco filhos traziam da escola e da igreja em pontos de destaque nas paredes, portas e prateleiras, onde algumas perduravam ano após ano. Lembro-me de, já adulta, ter-lhe convencido a retirar um acróstico com a palavra “mother” (feito por mim quando estava com uns dez anos).

Eu percebia, entretanto, que Opoe não ostentava nenhum cartão ou desenho enviado por seus netos—inclusive por mim. Nem ficavam expostas amostras de pequenas peças de bordado ou crochê feitas por suas netas numa tentativa de demonstrar as suas habilidades nesta área que ela tanto apreciava. Ninguém via os objetos de cerâmica ou de madeira (tipo porta-guardanapo ou caneta), feitos pelos seus netinhos e dedicados a ela, tendo sido inspirados ou motivados por professores escolares empenhados em ensinar crianças a valorizar e agradar os mais velhos. Era tudo guardado numa gaveta na sala e não me lembro de ter visto ou ouvido qualquer esboço de apreciação deles por parte dela. Algo nela parecia reconhecer que eram valiosos como demonstração de carinho (portanto os guardava), entretanto o seu senso de estética não permitia que invadissem permanentemente o ambiente que usava para viver e para conviver.

Numa próxima vez, quero contar mais sobre as minhas atividades e experiências durante aquelas semanas. Hoje só pretendo comentar este “efeito-Opoe” sobre a decoração das “casas” em que já vivi, desde que me casei.

Naquela época, eu voltava para casa, alegre pela oportunidade de ter saído um pouco e pelas coisas novas e interessantes que havia visto e experimentado. Ao mesmo tempo, estava aliviada por estar em casa novamente, onde eu me sentia apreciada e muito menos cobrada. Mas, enquanto ficava feliz em fugir de uma vida em que era valorizada apenas a aproximação à perfeição, tanto nos objetos quanto nas pessoas, eu, ao mesmo tempo, estava aprendendo a reconhecer e apreciar o que era belo, bem-feito e bem-apresentado. Adquiri, até, uma certa vergonha da simplicidade da casa dos meus pais.

Quando Solano e eu começamos a montar o nosso próprio lar (melhor dizer “nossos próprios lares”, no plural, pois foram dez, dos quais alguns foram próprios e outros foram alugados), fui aprendendo que precisava encontrar um meio-termo entre estes dois modos de ser. Pois faço a conexão, apenas agora, entre a atração que existe em mim pelo bom gosto na arrumação do lar e o zelo neste sentido exibido pela minha avó. Tem sido preciso repetido esforço da minha parte para abrir mão das aparências concedidas pelos objetos e ambientes elegantes e harmoniosos que poderiam povoar a minha residência, para valorizar ou acolher o bem-estar das pessoas que nela habitam ou por ela circulam.

Uma coisa com a qual tive que lidar foi como valorizar as múltiplas criações e presentinhos dos nossos quatro filhos sem cair no exagero da minha avó em escondê-los da vista de todos. Ao mesmo tempo, não queria me render ao proceder da minha mãe, e ao desejo das próprias crianças, em “enfeitar” o visual de qualquer local da casa com “obras de arte” que precisavam de um olhar carinhoso e um opinar caridoso para serem apreciadas e assim consideradas. Isto foi relativamente fácil conseguir, apesar de experimentar situações diferentes de uma casa para outra. Peguei a dica da minha outra avó que tinha um painel e algumas prateleiras na cozinha e nos corredores dos dois andares da casa. Estas ficavam cheias das criações e presentinhos dos netos, os quais eram cercados por fotos deles. Sempre tivemos lugares, como a cozinha, alguns quadros de aviso, as paredes ou prateleiras de corredores ou dos quartos dos nossos filhos em que suas criações ficavam visíveis. E cada criança tinha uma caixa de memórias, para onde os itens mais velhos iam quando os novos chegavam.

Na nossa primeira casa própria, ainda com poucos filhos e recursos adequados, Opoe teria aprovado o meu empenho de fazer tudo combinar na residência que compramos ainda sem acabamento. Entretanto, depois de dez anos de colocação de belos armários, guarda-roupas, lustres, pisos, tapetes, grades, jardins, etc., Deus nos tirou de lá e começamos a passar por uma série de casas alugadas. Quem já experimentou isto—que deve ser a maioria dos meus leitores—sabe que não é possível fazer os móveis “projetados” para os diversos ambientes de uma casa darem totalmente certo em outra moradia completamente diferente. Com o aumento das despesas para educar os filhos, das viagens para ver os parentes—todos distantes, e o nosso crescente empenho em trabalhos sociais e espirituais—tive que aprender, repetidamente, a abrir mão da estética e optar pela utilidade. Agora, novamente num lar alugado, pareço muito mais a minha mãe do que a minha avó, mas em grau menor. Entretanto, dentro das minhas gavetas e armários podem ser encontrados alguns objetos dos quais ainda não consegui abrir mão. Como, por exemplo, minha coleção de miniaturas de cristal que cederam o seu lugar para DVDs e livros. Ou as lindas toalhas que pertenciam à grande mesa da sala de jantar— a que retiramos na penúltima casa por sugestão do meu marido. Aos poucos, a nossa casa virou uma biblioteca e uma sala de informática—contei as prateleiras das estantes e são 93, com mais de 3.000 livros!

Com o passar do tempo, fui entendendo que o acesso aos nossos livros (e a inclusão daqueles que constantemente recebemos ou compramos) é mais importante que ter (todos) os enfeites arrumados e à vista por cima de lindos móveis. Fui compreendendo que ter a família brincando, estudando ou trabalhando nos computadores num ambiente acessível a todos era mais vital do que manter aquela enorme mesa que só era usada poucas vezes por ano. Já vi que nossos hospedes não se importam em comer na cozinha conosco e já aprendi que meu marido gosta de levar os nossos convidados para conhecer os bons restaurantes que nos cercam. Assim, pode ser que nunca mais usarei as minhas toalhas. Pode ser que terei sempre que abrir meus armários para compartilhar meus lindos cristais com meus futuros netos, se Deus assim permitir. Tenho sentido uma certa tristeza por isto, mas apenas quando paro para pensar, que não é muito. Normalmente, tenho podido ter prazer em ir para as casas dos nossos amigos ou conhecidos e apreciar os ambientes de elegância e bom gosto que conseguiram montar, sem sentir muita inveja. De fato, achava que havia me tornado uma pessoa serena e satisfeita em abrir mão da perfeição em prol do que é útil.

Meu pai celestial, entretanto, está sacudindo meu mundo de novo. O dono do nosso apartamento quer voltar a morar nele. A minha insatisfação com isto me surpreende. De repente, percebo que, ainda que o jeito e a arrumação dos nossos móveis e objetos não se aproxima daquilo que pode ser considerado de bom gosto, o apartamento em si é muito bem acabado. O bizarro mosaico formado por nossos pertences é emoldurado por ambientes inteiramente reformados pelos donos—piso, paredes, portas, teto, luminárias, armários, guarda-roupas, espelhos—existe muito pouco que eu mudaria se esta moradia fosse minha. A lista de coisas que aprecio nela é tão grande que me dá desânimo toda vez que saio para ver as opções que aparecem. Novamente sinto que vou ter que aprender a abrir mão de coisas que se tornaram belas e preciosas para mim. Eu, portanto, preciso me lembrar das bênçãos e felicidade que Deus tem nos concedido em cada casa, em cada vizinhança, em cada cidade e em cada país, até agora. Muito, muito mais do que merecemos! Assim terei que continuar tentando valorizar o útil acima do agradável, como minha mãe tentava fazer, e fugir deste exemplo da minha avó de considerar a perfeita aparência e elegância do seu lar necessárias ao bem-estar e contentamento.

Meu alvo deve ser viver na prática, aquilo que Paulo declarou—aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado, como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstancias já tenho experiência, tanto de fartura, como de fome; assim de abundancia, como de escassez; (tanto de morar num lugar belo e chique, quanto de habitar uma moradia com poucos atrativos ou, até, sem beleza nenhuma…). Tudo posso, naquele que me fortalece. – Filipenses 4.11-13.

Mas você pode perguntar, o nosso senso estético não é algo que vem do divino? Não é um dom que devemos cultivar? Sim, concordo com você. Um senso acurado do belo pode nos levar a apreciar e adorar mais a Deus quando nós nos vemos na presença de coisas que se aproximam da perfeição e do incomparável. Entretanto, existe uma enorme diferença entre recebê-las com gratidão (e depois torná-las em bênção) e a atitude de exigi-las como essencial para a nossa felicidade e para a nossa utilidade no reino.

A nossa legítima apreciação não deve permitir a construção de barreiras entre seres humanos (nem desprezando aqueles que não foram agraciados com a moradia dos seus sonhos, nem excluindo aqueles que podem perturbar a estética do habitat que criamos com tanto esforço). Os netos de Opõe raramente iam visitá-la, porque meus pais e tios temiam que eles quebrassem ou danificassem algo. Deste modo, parece-me que ela perdeu uma grande chance de ter um impacto positivo nestas crianças que eram sangue do seu sangue, descendentes do marido que tanto amava, filhos daqueles por quem havia se comprometido a orar e zelar desde seu batismo nas primeiras semanas da sua vida. E assim ela se viu, mais e mais, na companhia de belos mais silenciosos objetos numa tremenda e contínua solidão.

Que nós, você e eu, possamos ser diferentes. Que possamos ficar deslumbrados até pelo desabrochar de uma pequenina violeta no canto de um quintal, ainda quando tudo que lhe cerque seja feio ou gasto. Que possamos nos mostrar fascinados e orgulhosos com cada demonstração de progresso no desenvolvimento das habilidades daqueles que devemos amar, abrindo espaço nos nossos corações e nas nossas paredes e prateleiras para demonstrar que o amor ou o esforço por trás da sua criatividade tem um valor inestimável. Quem sabe? Pode ser que, por meio do nosso encorajamento, um dia, o “artista” cujas obras nos davam arrepios, pode alcançar um merecido lugar de destaque nas paredes ou prateleiras, não apenas dos seus pais ou avós, mas de pessoas com gosto ainda mais apurado do que o da minha avó….

Ah, minha avó! Como eu gostaria de tê-la conhecido melhor! De ter lembranças de uma conversa, um conselho dado após me ouvir…. Ainda assim, eu sei que ela foi uma pessoa jóia, cheia de virtudes – honesta, perseverante, fiel, confiável, íntegra… Uma mulher como existem poucas hoje em dia… Espero que nas próximas postagens, eu consiga desenterrar das memórias alguns aspectos que contribuíram positivamente para o meu desenvolvimento e não apenas coisas que Deus usou para me fazer crescer apesar ou através das dificuldades enfrentadas.

Betty

Deixe o seu comentário

Crônicas do Cotidiano > Empatia Feminina (3) – Minha Avó Paterna – Segunda Parte