Minha Filha Quer Casar (2) – Refletindo sobre o Primeiro “Casamento”

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Quando comecei esta série estava pensando em usar os eventos preparatórios para o casamento da nossa filha como pontos de partida para postagens. Deus permitindo, isto vai acontecer, pois ainda faltam quatro meses para o grande dia. Mas hoje vamos filosofar um pouco sobre o que a Bíblia nos conta sobre o primeiro “casamento”.

Sendo uma pessoa feliz no meu próprio matrimônio, já há quase 34 anos, sei como é especial ter, e ser, uma pessoa companheira—alguém com quem dividir impressões e reflexões, confidências e sonhos, cargas e responsabilidades, dúvidas, temores e dores. Entretanto, reconheço que existem muitos verdadeiros filhos de Deus que são solteiros, viúvos, abandonados ou descasados (e até pessoas casadas) e que não experimentam tal companheirismo. Para alguns a solidão é algo bem presente e real.

Pela maior parte da minha vida, eu achava que as pessoas solitárias poderiam ter as suas necessidades emocionais preenchidas ao relacionar-se adequadamente com Deus. E posso ter até sugerido isso como solução para algumas pessoas. A Bíblia tem versículos sobre viúvas e pessoas solitárias, como 1 Tm 5.5, Sl 68.5,6 e 146.9, e isto me levava à conclusão que uma vida de meditação na palavra e obediência a ela, acompanhada por oração, deveriam “bastar” para quem estivesse “só”.

Mas, como acontece com tantas doutrinas e convicções que valorizamos, estou descobrindo que existe uma perspectiva que vai além disso. Não é que a comunhão com Deus não ajuda ou alivia… Ela é essencial. Ela traz satisfação. E muita! Mas, recentemente, enquanto lia a história da criação pela enésima vez, percebi, de repente, que está registrado que Deus disse: Não é bom que o homem esteja (Gn 2.18).

E eu me perguntei—como “só”? Afinal, Adão tinha comunhão com Deus, de um modo que nem podemos imaginar. O Criador estava bem aí, presente no jardim, conversando e compartilhando, cercando aquele ser que coroava a sua criação, com bondade e beleza. Tenho certeza que Adão, como ser perfeito que era, dava o devido valor a esta comunhão. Que os intervalos que ele passava na presença de Deus durante aquele período ultrapassavam qualquer gozo que nós podemos experimentar nos momentos mais felizes da nossa vida. Ainda assim, as pessoas da Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo—que experimentavam perfeita comunhão entre si) perceberam e declararam que o homem estava . Faltava lhe algo. Na realidade, algo não! Faltava lhe alguém, alguém de carne e osso para fazer-lhe companhia, complementá-lo e ajudá-lo nas tarefas que Deus lhe dava. É isto que o texto nos diz no versículo 20. Foi então que Deus criou Eva.

Notei também que, naquele mesmo instante, parece que Adão reconheceu que lhe faltava alguém, até então. Ele exclama; na realidade, exulta! “Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne!” É como se estivesse concordando com Deus que até aquele momento o companheirismo verdadeiro não havia sido possível, apesar de toda a intensa comunhão com Deus e apesar dele se considerar feliz e, em nenhum momento, ter sentido falta do que lhe faltava.

Vou fazer um (não tão) pequeno aparte aqui. Filosoficamente falando, isto nos deixa intrigados sobre como a “perfeição” pode ser “melhorada”; mas foi exatamente isto que aconteceu. Creio que os animais do jardim do Éden já tinham seus parceiros, e que Adão percebia a diferença sem, entretanto, ressentir-se dela. Quando Eva apareceu, Adão entendeu que o que já era “bom” havia ficado “melhor”.

Sei que no relato de Gênesis, Deus, ser divino infinito, está revelando (tornando mais compreensível) os acontecimentos da milagrosa e maravilhosa criação a seres humanos finitos em palavras que eles podem entender. Assim, de algum modo, aquilo que já era “bom” ainda não era “bom” (Solano diz que a palavra nos vários textos, deste trecho bíblico, é a mesma, no original hebraico).

Continue raciocinando comigo. Deus colocou Adão no Jardim do Éden. Depois criou Eva para ser a sua auxiliadora (2.18). A palavra em si implica claramente que os dois não ficavam apenas se balançando em redes de fibras penduradas entre árvores, absorvendo a natureza idílica que lhes cercava, e louvando a Deus por ela. Eles eram seres pensantes, observadores, analíticos e criativos. Trabalhavam, faziam coisas significativas e importantes naquele jardim que, entretanto, já era perfeito (além de tirar o alimento das ervas e árvores—1.29, estavam dominando os animais—1.28, e cultivando e guardando o jardim—2.15. O processo de dar nomes provavelmente já havia se concluído quando Eva surgiu—2.19). Depois da queda, continuaram fazendo coisas semelhantes, criando e trabalhando, mas num mundo onde tudo era afetado e destorcido pelo mal, em grau menor ou maior.

Aí fico conjeturando sobre como será a nossa eternidade onde o mal vai desaparecer e tudo será “perfeito” novamente. Uma comparação com o primeiro jardim leva a crer que não vamos ficar parados no novo céu ou na nova terra, só cantando e tocando harpas enquanto flutuamos em nuvens, numa perfeição imutável e estanque. Imagino que estaremos novamente sendo produtivos, continuamente inventando, criando, construindo e organizando, sempre redesenhando e re-alinhando de maneiras novas as cores, tecidos, palavras, e elementos que Deus nos dará. A variedade e beleza das nossas “criações” alegrarão e honrarão o nosso Criador e Salvador. Cantaremos sim, mas seremos capazes de criar novas melodias, harmonizando instrumentos, letras, notas e acordes em combinações sempre diferentes. Compartilharemos e apreciaremos o multiforme “trabalho” uns dos outros, neste novo contexto, sempre alegres e gratos a Deus por ter restaurado a sua imagem em nós. Olharemos aquilo que já é “bom” e saberemos que Deus nos permitiu usar os dons que Ele nos deu para construir algo novo, de certa forma “mais bom” ou “melhor” no contexto em que estaremos inseridos… Eternamente!

Mas voltemos ao assunto inicial. Foi de propósito que Deus iniciou a formação da humanidade com a relação entre um homem e uma mulher, num perfeito mesclar do prazer da união física com a satisfação do entrosamento emocional e a gratificação da afinidade intelectual. Tudo isso em sintonia espiritual com o seu Criador! Eventualmente, esta maravilhosa união (em que Eva completava Adão e vice versa) veio a ser o modo pelo qual outros seres humanos seriam gerados—nascendo, crescendo e desenvolvendo-se até os homens, por sua vez, iniciarem um novo ciclo—deixando pai e mãe para se unir à sua mulher e mais uma vez, tornarem-se os dois uma só carne.

Infelizmente, quando isto aconteceu e os filhos vieram, Adão e Eva já haviam sido expulsos do Jardim do Éden e os novos casais começaram a experimentar dificuldades no relacionamento. Notemos, entretanto, que foi Moisés, a mando de Deus, que inseriu a ordem sobre deixar pai e mãe, quando ele escreveu o Pentateuco. Deus continuava dando diretrizes para que o relacionamento fosse o mais feliz possível. Quando um homem e uma mulher se unem, um novo lar tem que ser estabelecido. Os novos casados não respondem mais aos seus pais pelos seus atos. Juntos eles formam um novo núcleo, uma nova célula da humanidade descrita como uma só carne. Uma só pessoa mais uma só outra pessoa, do sexo oposto, que se completam, se unem e têm oportunidade de minimizar a solidão e realizar-se.

Mas creio que, quando Deus disse que não era bom que o homem estivesse só, não era apenas o casamento que ele tinha em mente como solução. Certamente esse é o modelo para a vida e para a formação da família, mas o tema da solidão tem outros aspectos. Quando os filhos começaram a nascer e famílias e comunidades foram se formando, abriu-se um enorme leque de possibilidades para relacionamentos humanos importantes. A tão temida solidão pode ser aliviada por laços de família (como o paternal, maternal, filial, fraternal…) e os extra família (como entre amigos ou colegas). Por muitos textos bíblicos, sabemos que todos se complementam para o bem-estar do homem, quando se aproximam dos princípios divinos para o convívio – sempre sob a pureza e determinações contidas na Lei Moral de Deus especificada nas Escrituras.

O Novo Testamento contribui muito mais à nossa compreensão da importância e significado destes relacionamentos humanos, que transcendem o relacionamento conjugal. Em nenhum lugar, Deus declara que o matrimônio é essencial para a felicidade do ser humano. Entretanto, ele usa a relação mais especial, aquela entre Cristo e a igreja, como aquilo que os casais (maridos e esposas) devem tanto imitar quanto exemplificar. Assim, o compromisso duradouro entre um homem e uma mulher continua sendo fonte da mais profunda alegria. Mas esta postagem já está ficando muito longa! Vamos parar por aqui, por enquanto… Betty

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