Uma “Torre” para a Glória de Deus

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Mais bem-aventurado é dar, do que receber.—Atos 20.35
Torre

O telefone tocou. Era sábado, mas o marido de Isabel tivera que ir ao trabalho. Neto andava cansado e triste. Na firma, os proprietários estavam brigando entre si. Relacionamentos estavam sendo irremediavelmente rompidos. Num clima de medo e ódio, Neto procurava manter seu testemunho enquanto lidava com traição e corrupção, com as demandas dos chefes, e com a insegurança dos funcionários.Mas, agora, Neto pensava em outra coisa.
– E aí, ‘Bel. Como foi hoje? Foi como você esperava?
– Ah, foi maravilhoso. O pão caseiro de Naná fez sucesso, e nossos bolos de banana e abobrinha também. Mirtes fez bolo de fubá. Colocamos trinta pessoas na sala, mais algumas crianças. Timóteo e Emilda tiraram fotos. Até Mikako conseguiu vir, com a família, e animou tudo com suas brincadeiras. Fabiana chorou, eu chorei, chorou meio mundo… De alegria, é claro…

Neto riu. —Você ficou vermelha?
– Hmmm… Só você acha isto bonito! Fiquei, é claro! Era uma responsabilidade muito grande fechar o projeto da “torre” com chave de ouro. Quem tinha que ser glorificado hoje era Deus e ninguém mais. Ao mesmo tempo, eu queria que todos pudessem visualizar e sentir a extensão da bênção que haviam ajudado a proporcionar à nossa irmãzinha e suas filhas.
– Sentimos a sua falta. Estava, agorinha, refletindo como a nossa experiência aqui, em meio ao povo de Deus, contrasta com aquilo que você está passando no emprego. Sacrifício em vez de sabotagem. Generosidade no lugar de ganância. Uma verdadeira família! E Isabel continuou falando do encontro, em sua casa. Era o passo mais recente do projeto sobre o qual falaram, diariamente, nos últimos dois meses.

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No início, Isabel não tinha noção das bênçãos que Deus haveria de trazer, com sua idéia. Tudo começou com um gesto de carinho da Fabiana, sua filha na fé, que vinha ajudar com a faxina, uma vez por semana.
– A senhora vai sair depois das quatro?
– Acho que não, por que?
– Então vamos cuidar das suas mãos antes de eu sair.
– Ah, é?
– É! E a senhora não vai me pagar. É presente de Natal antecipado.
Na opinião da Fabiana, a Dona ‘Bel precisava cuidar mais da aparência. Então, enquanto um par de mãos calejadas e cansadas lixava e pintava o outro par, conversaram.

– Conte-me sobre a construção da sua casa, Fabiana. Quando vai terminar?
– Ah, Dona “Bel. Não vamos terminar, não. Vou ter que despedir o pedreiro já já, porque o dinheiro está acabando. Parece que não calculei bem a despesa da minha “torre”.[1]
– É mesmo! Que pena! E o que falta fazer?
Isabel ouviu o relato com atenção.
– O mais difícil é para as meninas. Elas estavam tão animadas. Mas estou mostrando a elas como Deus nos ajudou até aqui e que temos que confiar que tudo tem seu tempo certo.
Isabel sentiu-se envergonhada. Perguntou-se como teria sido a sua reação numa semelhante situação. Na despedida, abraçou Fabiana. – Vamos orar sobre isto, amiga.

E ela orou mesmo. Refletiu que eles mesmos poderiam ajudar um pouco, e talvez emprestar. Mas não seria o suficiente. Continuou pensando, na presença de Deus.
– E se outras pessoas souberem da situação da Fabiana? Ela é reservada, nunca reclama, sempre tem algo para agradecer. Poucas pessoas na igreja sabem das lutas dela. Mas, Senhor, ela pode pensar que traí a sua confiança. Afinal, tem as suas razões para manter silêncio sobre suas dificuldades e até humilhações. Também não posso pedir a permissão dela, pois aí darei esperança. Nem sei se vou ter coragem.
– Ainda por cima, é dezembro. Todo mundo está comprando presentes. Muitos irão viajar. Já estão ajudando àqueles que Deus colocou em seus caminhos. Vão dizer que não vai dar. Podem ficar chateados e eu vou me expor por nada. É, Senhor, é esta a palavra que me veio à mente. Expor! Realmente, sou orgulhosa e covarde! Mas vou falar com Neto e ver o que ele acha.

No domingo seguinte, Isabel abordou o Presbítero Laerte e sua esposa, Suzete.
– Têm alguns minutos?
– Pois não.
Isabel então compartilhou detalhes da vida de Fabiana que eles não conheciam. Como, por exemplo, que seu marido havia abandonado a família e depois vendido a casa, ficando com todo o dinheiro para si. Que os seus móveis estavam guardados na casa de Neto e Isabel há mais de um ano, enquanto ela e suas filhas de 11 e 15 anos dormiam numa mesma cama na casa da mãe. Que Fabiana fazia faxinas de segunda a sexta e que, ao longo dos meses, havia economizado duro para poder construir um novo lar.
– A sua mãe cedeu um pedaço do terreno, no lado onde a prefeitura cobriu o córrego. Bem pequenino. Sozinha, ela fez a planta, contratou um pedreiro e comprou o material. Depois descobriu por que ele era tão barateiro. Fez as colunas sem sapatas! Haja lágrimas! Chamei outra pessoa para quem ela trabalhava, que é arquiteta. A coitada da Mirtes olhou sem saber como opinar. Não tinha experiência em construções deste tipo, em aterros. Aí recorremos ao diácono Anderson. Ele já construiu em local parecido. No fim, deram um jeito e a construção continuou com um novo pedreiro. A casa é bem pequena mas tem TRÊS andares! Por isto, a chamamos de “torre da Fabiana”. O problema é que o dinheiro acabou bem antes do fim e ela nem cobriu a casa.

Para seu espanto, Presbítero Laerte nem piscou. Ponderado, como sempre, falou. – Por que você não pede para ela fazer um orçamento daquilo que está faltando? Aí vamos ver como ajudar.
Isabel disse a Fabiana. – Não dispense o pedreiro!
– Dona ‘Bel. O que a senhora está aprontando?
– Nem eu sei! Mas ore!
Em poucos dias, Isabel enviou um e-mail com a lista dos itens principais que faltavam (telhas, janelas, portas, caixa de água, louça sanitária, cerâmica,…), junto com os preços. O total de R$ 2.488,00 não incluía canos, registro, tomadas, luminárias…. Nem tinta. A resposta não tardou. O valor do piso e dos azulejos, mais um empréstimo para pagar com calma no futuro, foi depositado na conta da Fabiana.

Isabel continuou em oração. Só lhe restava o domingo de manhã para fazer mais contatos, pois iriam viajar naquela noite. Imprimiu o orçamento e os dados da conta da Fabiana, junto com o próprio e-mail. Depois da Escola Dominical, foi falar com outros presbíteros e suas esposas, como também com alguém para quem Fabiana já havia trabalhado. Todos ouviram com simpatia e levaram a folha para casa.

Durante as próximas semanas, Isabel e Neto mantiveram contato com São Paulo. Neto passava horas falando no telefone com seus chefes e escrevendo e-mails complicados. Isabel usava os mesmos meios para manter contato com a Fabiana e seus generosos irmãos em Cristo. Por fone, Fabiana relatava o andamento da obra e compartilhava outras bênçãos. Uma grande amiga na igreja lhe derá várias caixas de piso. Falava dos descontos conseguidos. Por e-mail, Isabel comunicava-se, maravilhada, com aqueles a quem Deus estava tocando para contribuir. 200 reais para as telhas, 300 reais para o banheiro, mais 300, mais 250… A sua irmã enviou cem dólares dos EEUU. E a construção continuou… Mas ainda faltava…

De volta a São Paulo, Isabel encontrou mais pessoas que conheciam a Fabiana e compartilhou o que estava acontecendo. Outras vieram falar com ela. – Soubemos do “projeto da torre”. Queremos participar também. Mais 50, 70, 100, 200 entraram, junto com uma cesta básica. Um diácono pagou pela tinta. Uma amiga mandou um cheque pelo correio. A arquiteta emprestou a última parcela do pedreiro. Vários que deram antes, quiseram dar de novo… Alguns com poucos recursos cuidaram das instalações elétricas e hidráulicas. Um cunhado fez o corrimão da escada. Alguém pagou pela caçamba do entulho. Quase diariamente, enquanto Fabiana trabalhava para se manter e Isabel continuava com os afazeres normais, Deus revelava o seu poder, incentivando a generosidade e criatividade dos irmãos.

Finalmente, chegou o dia da mudança. Um amigo da igreja e alguns parentes da Fabiana juntaram-se a Gabriel,[2] carregando e descarregando móveis e caixas, suando muito para levar tudo escada(s) acima. – Parece que estou vivendo um sonho, a Fabiana falou para Gabriel quando ele se despediu.

Quando soube dos planos para fazer um culto de ação de graças, Naná falou – Já que estamos com “a mão na massa”, poderíamos fazer um tipo de chá de cozinha para elas. Mikako entusiasmou-se. – ‘Bel. O que falta para ajeitar a casa? Assim circulou uma outra lista e Fabiana recebeu a ordem de não comprar nada para dentro de casa.
– Mas Dona ‘Bel. Ela tem que ser bonita para receber o pessoal.
– Não precisa. Confie em mim! E me diga logo a cor favorita de cada uma de vocês.

Assim, num sábado de manhã, quase todos que haviam contribuído para a construção da casa, encontraram-se na casa de Isabel e Neto. Depois do café de manhã, sentaram ao redor de uma pilha de presentes. Após o anúncio que um beliche novo para as mocinhas ainda estaria chegando, elas desembrulharam colchas, lençóis, luminárias, prateleiras, despertadores e um quadro de avisos para complementá-lo, como também toalhas, cortinas, tapetes, quadros, ventilador e outros objetos para o restante da casa.

Com lágrimas nos olhos, Fabiana agradeceu a todos.
–Hoje me lembro da história de Jó. Teve momentos em que me sentia como ele. Exceto as feridas. Perdi tanta coisa. Até a minha família, de certa forma. Mas Deus está restaurando cada detalhe. No fim do livro, Deus deu o dobro a Jó. E seus amigos vieram lhe visitar. Trazendo presentes, como vocês hoje. Cada um está deixando um pedaço de si em minha casa.
– Até banquete teve! observou Mikako.
Fabiana concluiu – Sou uma privilegiada do Senhor. Não apenas Jesus veio no meu lugar, mas Ele me colocou numa família de irmãos e irmãs muito especiais. Eu já oro por cada um e vou prosseguir com isto—de forma mais carinhosa ainda. Orem por nós também, para que nossa casa seja uma “torre” para a glória de Deus e não como a torre de Babel, trazendo confusão ao mundo em que foi construída.

Todos entraram nos carros e foram conhecer a casa, algumas ruas adiante, onde os parentes de Fabiana esperavam. Acompanhados no violão pela esposa do pastor, cantaram louvores a Deus, Outro amigo pastor fez uma meditação evangelística.[3] Cantaram “Graças te Dou”[4] e Presbítero Laerte orou. Os irmãos se despediram, relutantes. Fabiana, Lia e Jasmim não tinham sido as únicas pessoas abençoadas. Lá, num bairro pobre, todos haviam visto um pedacinho do céu. O seu desprendimento havia resultado em enriquecimento. Deles próprios e do reino de Deus. E tudo começou quando uma pequena senhora, sabendo que mais bem-aventurado é dar que receber, resolveu esticar seu dia um pouco mais e DAR uma ajeitada nas mãos da pessoa para quem trabalhava.

Elizabeth Zekveld Portela
Publicado na SAF em Revista, 3º Trimestre / 2004 Baseado em eventos que ocorreram em 2003/2004 Os nomes dos participantes foram modificados

[1] Lucas 14.28
[2] Filho de Isabel e Neto
[3] Baseado em Jeremias 29.13-14 “Buscar-me-eis… Serei achado… e farei mudar a vossa sorte.”
[4] Hino 62 do Cantor Crisão, escolhido pela Fabiana porque agradece pelos amigos.

SUGESTÕES PARA MEDITAÇÃO E/OU ATIVIDADES

1. Deus nos fala sobre o amor fraternal—o amor entre irmãos, filhos do Pai celestial. Leiam as seguintes passagens e conversem no grupo sobre como elas se aplicam à história da Fabiana e à vida de cada uma de nós: 1 Tessalonicenses 4.9-12; Romanos 12.10-16; 1 Pedro 4.8-10; Hebreus 13.1-5. Qual a diferença entre amor fraternal e assistência social?

2. Se a Fabiana não estivesse empenhada em trabalhar e cuidar da família, os seus irmãos deveriam ter ajudado desta forma, ou de que outra maneira? Ver 2 Tessalonicenses 3.8-12.

3. Deus usou o Presbítero Laerte, com sua experiência empresarial. Quando ele identificou o orçamento como algo necessário, garantiu uma visão geral do tamanho do projeto. Também fez com que cada irmão pudesse escolher a sua parte e depois verificar, na sua visita, como havia sido empregado seu “investimento” fraternal. Também possibilitou a prestação de contas de Isabel. Qual a importância disto? Será que é possível prestar contas de algo não planejado e especificado?

4. Se Deus der saúde à Fabiana, qual a probabilidade dela precisar de ajuda diaconal no futuro, já que ela sabe economizar e trabalhar e agora tem a sua moradia garantida?

Um Comentário a “Uma “Torre” para a Glória de Deus”

  1. Mical disse:

    Como é bom relembrar os feitos do Senhor no meio do seu povo!!
    Saudades desse dia.
    Parabens Betty!!
    Fomos cooperadores de um projeto que Deus tocou no seu coração para liderar e deu tudo tão certo. Deus seja Louvado!!
    Abçs

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