Empatia Feminina (1) — A Sogra que Chamo de “Mamãe”

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Alguns dias atrás, a minha sogra me contou uma história. Empolgada com aquilo que ela compartilhou, eu me sentei para falar sobre o relato dela, mas enquanto ia escrevendo, comecei a divagar e filosofar sobre nosso relacionamento—eu com ela e ela comigo, continuando para ponderar sobre alguns outros relacionamentos femininos na minha vida. A história inspiradora inicial e as cogitações que vieram junto, ficarão para outra vez…

Falo quase diariamente com “Mamãe”, pelo telefone. A gente conversa bem à vontade—hábito de muitos anos de convívio. Já moramos longe uma da outra há quase 20 anos, mas ambas lembramos com saudades os 13 em que estivemos juntas—11 dos quais com ela e Papai na casa de cima e nós na casa de baixo. Foram anos bem especiais; eles viram nossos quatro filhos nascer e crescer e contribuíram à sua criação, com cuidados para não interferir, mas apenas complementar. Compartilhávamos uma linha de telefone e arrumamos um sino (grande!) que eles tocavam quando as ligações eram para a gente (havia poucas casas naquela rua na época). Às vezes, ela batia o sino para dar um recado e eu saía para o quintal para ouvir o que ela queria dizer da janela de cima. Ainda me vejo em pé naquele lugar, jogando conversa fora por longos períodos, rindo, compartilhando, ouvindo, relutando para voltar ao meu serviço—maravilhada porque era como se fossemos duas amigas, em vez de que apenas “sogra e nora” e, de certo modo, mais de que “mãe e filha”.

Demorou muito pouco para eu me sentir assim com “Mamãe” e o entrosamento entre nós ajudou muito para aliviar as saudades que sentia da minha própria mãe, numa época em que correspondências levavam semanas para atravessar o mar e ligações telefônicas custavam os olhos da cara. Mas tive que deixá-la para trás, com “Papai”, em 1987. Iríamos passar apenas um ano longe; no máximo dois. As coisas, porém, saíram diferentes e nosso contato, desde então, tem se limitado a visitas esporádicas (sempre via avião), telefonemas, cartas e cartões.

Entretanto, até hoje ela continua sendo a minha melhor amiga. Vejo que ela, de certo modo, é o maior complemento ao precioso companheirismo do meu marido. Com ela eu não necessito fingir, não preciso me preocupar que vá se ofender com algo que eu disser ou fizer… O amor dela se aproxima muito àquele descrito em 1 Coríntios 13. Ela não tem ciúme do filho ou dos netos e me ouve, sem censuras, quando fico chateada com algum deles, por qualquer razão. Parece saber, instintivamente, que o processo de me desabafar já basta para me re-colocar no caminho certo, para que eu possa voltar a lidar com o problema de maneira mais equilibrada e edificante para os envolvidos. Ela me ouve quando compartilho as coisas ou as pessoas que estou querendo entender, faz perguntas relevantes que me ajudam a raciocinar, ora por mim e depois lembra de perguntar sobre o resultado. Absorve minhas dores e reforça minhas alegrias.

Tenho que parar para comentar aqui que Papai também é muito especial e que ele constantemente demonstra amar a “galega” dele com fervor incondicional. (Ele vai ver isto quando “tirar” esta postagem do computador deles para Mamãe ler na forma impressa—e ela vai ficar toda encabulada quando souber o que “Betty acaba de aprontar”).

Mas aqui, agora, estou falando de cumplicidade feminina—onde um “parentesco” inicialmente forçado e involuntário (o de sogra com nora, e de nora com sogra) desabrochou em amizade ou irmandade, algo próximo àquilo expresso pelo termo “amiga do peito” ou “alma gêmea”. O que melhor explica este sentimento é o inglês “kindred spirit”—um termo quase intraduzível que configura um espírito que engloba o sentimento de família e parentesco mas também inclui uma aproximação de temperamento, caráter e interesses. E isto não significa que eu seja a mesma coisa para ela—tenho certeza que ela já aprendeu a passar mais tempo conversando com Deus do que comigo. Mas ela gosta de mim e a gente se dá muito bem.

Refletindo, percebo que este “espírito” do qual comungamos depende de alguns fatores, obviamente, em que nós realmente somos próximas. Mas isto não vem tão automática e naturalmente quando duas pessoas de culturas e gerações diferentes precisam aprender a conviver. Creio que seja, em grande parte, conseqüência das atitudes que Mamãe adotou desde o princípio. Deve ter sido um choque para ela quando seu único filho anunciou que iria casar-se com uma “gringa”. Um enorme leque de possíveis problemas e dificuldades deve ter percorrido a sua mente. Devem ter vindo à memória as suas experiências com estrangeiros arrogantes, com relacionamentos transculturais malsucedidos e até desfeitos (numa época quando ainda não existia o divórcio), de outros jovens que acabaram deixando o Brasil para morar na terra das pessoas por quem se apaixonaram…

Mas ela não se opôs; ela não jogou areia em nenhum dos nossos planos; ela nunca trabalhou contra; ela nunca disse—eu já esperava isto, meu filho—venha cá, que mãeinha vai cuidar de você direitinho… Ela optou por interpretar a minha falta de comunicação como natural e as minhas frustrações como legítimas… Escolheu não me enxergar como uma ameaça à felicidade familiar; resolveu, simplesmente, me adotar como filha e esforçar-se para abrir mão de tudo que antes fazia por ele; decidiu ajudar e não atrapalhar. Ela me falou uma vez—quando a gente é crente, a gente não pode ficar de antemão prevenida. A gente tem que se lembrar que Deus está por cima de tudo e entregar as coisas na mão dele. Agora que eu também já sou sogra pela segunda vez (com mais um genro e uma nora a caminho), entendo bem melhor o que isto deve ter significado para ela. Tenho um belo exemplo para me mirar.

Continuando sobre esta “amizade” que temos. De vez em quando, me conscientizo que estou rodeada de pessoas que se sentem solitárias. E que eu, desde que me casei, muito raramente me senti assim. E pode ser até que meu marido se surpreenda com isto, mas isto não se deve apenas ao fato de eu ser bem-casada.

Em primeiro lugar, ele sempre passou muito mais tempo longe de mim do que perto. E quando ele não estava no trabalho, acumulava muitas atividades relacionadas à igreja (não estou me queixando, descobrimos maneiras de conviver com isto, que acabaram enriquecendo o nosso relacionamento…).

Em segundo lugar, acima de tudo, ele é HOMEM. E homens, especialmente aqueles com uma veia teológica, têm que se esforçar muito para encontrar paciência para ouvir aquilo que só pode ser chamado “papo de mulher”—quando passamos horas esmiuçando a decoração e as roupas vistas num casamento; descrevendo o procedimento e o resultado de uma receita culinária, repetindo as conversas (fofocas?) de uma visita feita, ou recebida; compartilhando e analisando as travessuras, problemas ou angústias do filho ou neto (ou de qualquer outra pessoa que apareceu na nossa frente e falou conosco); ou revivendo uma situação em que as emoções tomaram o lugar do juízo.

Por mais que os homens se esforcem, tem coisas que as mulheres apreciam e sentem que eles simplesmente não entendem. É para isto que Deus nos deu avós, mães, irmãs, filhas, primas, sobrinhas, amigas, vizinhas, colegas e sogras. E é por isto, que expresso aqui a minha gratidão a Ele pela Dona Valderez—não apenas pelo esmero na educação do filho que se tornaria meu cônjuge, mas por ter me incluído no seu coração também. E por ter preenchido, e continuar suprindo, a minha necessidade de um ouvido feminino. Em outro(s) blog(s), quero falar de outras mulheres que me abençoaram ou influenciaram, ou que ainda estão sendo usadas por Deus para derramar graça na minha vida.

P.S. Eu já abordei este assunto, de outra maneira, na crônica, Minha Sogra…, Minha Mãe

4 Comentários a “Empatia Feminina (1) — A Sogra que Chamo de “Mamãe””

  1. grace disse:

    Eu espero que eu possa ter um relacionamento tão especial quanto esse com minha futura sogra!

  2. Raquel disse:

    adorei o texto… tenho tb uma ótima sogra… mas com 3 meses de casamento num deu tempo ainda de termos uma relação tão bonita!
    Parabéns por ter vivido uma amizade tão bonita assim!!!
    Abraços

  3. Aguimar disse:

    Li esse texto maravilhoso, dando graças a Deus pelo privilégio de conhecer as duas, e pelo exemplo de amor tão grande! Vocês são maravilhosas!

  4. Martha Senna disse:

    Beth muito lindo o que você escreveu a respeito da Tia Delei isto eu chamo de SABEDORIA ela e muito SABIA pratica o evangelho. Fico muito feliz por ter uma tia assim pena a distancia pois eu também me sinto só e acho se tivesse próximo uma pessoa como ela aprenderia Muito. Aproveite A SABEDORIA foi sua também parabéns . BJs Martha Senna

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