Eu, Escritora? – Resgatando a memória de como me tornei o pesadelo de editores…

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Nunca pensei em ser escritora (pelo menos como pessoa adulta—me vem à memória agora um romance inacabado no qual gastei algumas semanas de férias enquanto mocinha). Nunca me passou pela cabeça oferecer algo que havia escrito a uma editora. Nunca sonhei em ver meu nome postado junto a um artigo numa revista. Até hoje, sou o pesadelo dos editores que me pedem uma contribuição, pois os fluidos criativos só parecem correr no meu cérebro quando todos os prazos estão prestes a estourar. É só nestes momentos que consigo me sentar e me dedicar ao acabamento (e enxugamento!) daquilo que já rascunhei.

Minha vida, de fato, é cheia de outras atividades. Muitas vezes, isto me frustra porque adoro o processo de escrever—tanto criando quanto aperfeiçoando. Por outro lado, creio que a interação mental e emocional com aquilo que acontece no meu dia-a-dia é o que alimenta esta veia criativa. Se não estivesse trabalhando e lutando, não teria do que falar. Talvez seja um problema de muitos escritores. Quando finalmente conseguirmos tempo e sossego, não temos mais nada a dizer. Assim, continuarei “roubando” minutos e horas preciosas de outras coisas que também são prioritárias.

Mas como aconteceu então? Como foi que iniciou-se minha “carreira” como “escritora”? Bem, no passado, escrevia muitas cartas. Foi assim, creio eu, que realmente aprendi a prestar atenção aos detalhes da minha vida e comunicar meus pensamentos por escrito. Morando longe da minha família desde os dezessete anos de idade (numa época pré-Internet e na qual telefonemas eram caríssimos), era a única maneira que tinha de ficar “próxima” dos meus pais. Compartilhava os eventos do dia-a-dia na faculdade com minha mãe e filosofava sobre o impacto e conseqüências destes com meu pai, intercalando com coisas que poderiam interessar meus quatro irmãos menores.

Fazia isto regularmente nos domingos. Na sua compreensão do quarto mandamento os holandeses crentes não trabalhavam (fora do essencial) neste dia, nem estudavam. Mas o descanso obrigatório não incluía abstenção do ler e do escrever. De fato, escrever cartas para minha família se tornou parte daquilo que considerava meu dever espiritual, durante muitos anos. E, lá no Canadá, meus pais cultivavam o mesmo hábito. Semanalmente, as suas cartas cruzavam com as minhas, primeiro para Nova Jersey, depois Flórida, Filadélfia, Recife, Manaus, São Paulo… Com o passar do tempo, enquanto deixávamos mais e mais amigos e parentes para trás, outras cartas começaram a atravessar o mundo, não tão regularmente, mas mais conforme a necessidade—um problema, uma alegria, uma notícia, uma dúvida, uma viagem……. Pelo tamanho dos meus relatos, meus familiares frequentemente se referiam a eles como “as epístolas de Betty”.

Agora, não preciso mais me comunicar com meus pais pois eles já partiram para estar junto com Deus. E quase não mando mais cartas escritas em papel, “envelopadas” e seladas. O contato com meus sogros em Recife consiste de longos telefonemas que são muito importantes e prazerosos, mas que não deixam vestígios concretos dos pensamentos que compartilhei, para que possam ser transmitidos facilmente para outra pessoa. Só de vez em quando, meus e-mails se aproximam da profundidade (e prolixidade) das minhas cartas de outrora (quando tenho tempo e vontade de responder a algum ponto ou compartilhar algo que me impressionou).

A comunicação com meus irmãos e filhos distantes se faz mais através do telefone e do MSN. São conversas espontâneas, normalmente sem grande reflexão e pouca elegância. Uso “vc”, “pq” e “tv” e dezenas de siglas em inglês (como btw, b4, bc, u 2, e aí vai)… (Nosso filho caçula uma vez me disse que eu parecia “zangada” quando colocava pontos depois das frases no chat. Aí parei de colocar os pontos!!! Por enquanto, ninguém se incomodou com as letras maiúsculas no início…)

Conto este histórico porque foi por causa de uma carta que surgiu a oportunidade de tornar-me escritora publicada. Havia enviado resposta à pergunta de uma amiga. (O marido dela, até então descrente, havia se convertido e queria que ela parasse de gerenciar uma firma de cosméticos porque estava sendo ensinado que usar maquiagem e adornos era pecado. Ela me telefonou chorando e eu, para ajudá-la, fui atrás de saber o que a Bíblia realmente falava sobre o adorno feminino.)

Algum tempo depois, recebemos a visita de um amigo, editor da SAF em Revista, publicação feminina da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) e a conversa tocou neste assunto. Solano me pediu para mostrar-lhe a cópia de papel carbono da carta que havia escrito (quem tem saudades dos tempos de papel carbono?!) Ao lê-la, este sugeriu que a transformasse para publicação na revista. Hesitei, mas tentei e, alguns meses depois, saiu o meu primeiro artigo em 1996—foi uma sensação muito estranha.

Depois, um editor da Revista Fides Reformata, sabendo que eu gostava de estudar e pesquisar, me convidou para fazer uma versão mais abrangente pois achava que havia lidado com o assunto de maneira original e bíblica. Passei meses nesta tarefa, vasculhando bibliotecas reais e virtuais (já era o início da era Internet mas havia muito menos fontes disponíveis). O resultado se encontra aqui no Volume 3/2 (Julho-Dezembro 1998 — O “Adorno” da Mulher Cristã: proibição ou privilégio?) Adorei “montar” aquele estudo—por mim, eu gostaria de me entregar para sempre a este tipo de trabalho—pesquisando e unindo os dados encontrados em algo original e relevante. Mas Deus tinha outros planos e me vi envolvida (novamente sem planejar) em atividades muito preciosas que resultaram em conversões e amizades que perduram até hoje. Muitas foram descritas em cartas para parentes (falarei mais disso daqui a pouco).

Enquanto isto, me perguntaram se havia escrito outras coisas que poderiam ser publicadas na revista das senhoras. Adaptei uma meditação em forma de oração sobre como os filmes e noticiários violentos que via estavam tirando a minha sensibilidade ao sofrimento do meu Salvador quando participava da Santa Ceia. Saiu no segundo trimestre de 1998.

Uns tempos depois, Mathilde Meyer, então Secretária de Comunicação e Imprensa, me convidou a contribuir regularmente. Foi então que a Isabel surgiu, em 1999 (num artigo que agora descubro que ainda não postei Eu me Pouparei, ou me ‘Gastarei?) Daquele tempo em diante, ela compareceu em muitas revistas. Pela minha própria experiência, havia notado que eu sempre procurava histórias nos periódicos que lia. Quando tivesse, eu as devorava de imediato, deixando as outras leituras para um “depois” que poderia vir, ou não… Assim, acreditava que a maioria das mulheres (apesar de capaz de ler e criar textos analíticos e profundos) era parecida comigo neste aspecto. Vibramos quando os princípios divinos para a vida são ilustrados por pessoas de carne e osso.

Como já falei no Eu, Blogando?, uma vez que resolvi escrever histórias, eu também decidi que seriam na terceira pessoa e escolhi usar o nome Isabel para a personagem principal. Na época, não achava apropriado escrever na primeira pessoa apesar de estar contando eventos da minha própria vida. Isabel me permitiu liberdade de fazer adaptações que protegiam a identidade de parentes e amigos e de simplificar, encurtar e até mudar alguns detalhes. Afinal, poucas pessoas conheciam Elizabeth Zekveld Portela e ninguém precisava conhecê-la para tirar proveito das coisas que ela esteve aprendendo diante de Deus em meio século de vida.

Tenho tentado evitar fazer de Isabel uma supermulher, porque eu mesma não sou, disto podem ter certeza. O que a mantém de pé não são qualidades inatas ou deslumbrantes. É a convicção que ela precisa andar com Deus, confiar nele e cooperar com Ele, em todas as circunstâncias da sua vida. E isto nem sempre acontece de imediato. Isabel erra mas depois acerta, duvida mas tenta confiar, reluta mas acaba se entregando, sofre mas encontra ânimo e conforto e (até agora) sobrevive. Sempre através da ação do Espírito Santo por meio da Palavra, da oração, da obediência e do convívio com seus irmãos (o chamado “comunhão dos santos”).

Na providência de Deus, durante este período, recebi alguns incentivos para continuar através de dois eventos. Um foi um seminário para escritores promovido pela Editora Mundo Cristão em São Paulo em 1997. Registrei minhas impressões deste encontro, e o desejo que foi despertado em mim, numa poesia.

O outro foi um curso pago para escritores iniciantes, que se reunia semanalmente na casa de uma autora estrangeira casada com um brasileiro, como eu. Para dizer a verdade, eu nem sei como me atrevi a entrar naqueles grupos. Creio que foi mais para agradar o meu amado marido, pois ele sempre vislumbrava horizontes mais largos para mim do que os do nosso próprio lar ou da profissão de tradutora.

No curso, a minha professora sugeriu que escrevêssemos sempre sobre algo que conhecíamos. Entendi, então, que a credibilidade e autenticidade do meu trabalho viriam da atenção que daria aos pequenos detalhes que cercavam o evento maior. O meu conto A Frustração que Virou Bênção é uma adaptação daquilo que escrevi, como dever de casa, naquela época (curso que nunca completei porque precisei viajar antes do fim). Para publicá-lo na SAF em Revista, fui novamente para o Jardim Zoológico de São Paulo e iniciei um estudo intenso das plantas e árvores desta cidade. Ninguém que lê aquilo tem noção da multidão de horas que entraram naquelas três páginas de texto. (Por isto, desconfio que só pareço escritora. Uma verdadeira escritora escreveria aquilo numa sentada só, e melhor!)

Seguindo o ensino do curso, comecei a referir-me a cartas que eu havia escrito, sobre o trabalho involuntário desenvolvido com “minhas moças” (citado acima), para resgatar os detalhes que depois deram vida às personagens de crônicas como De Deus somos Cooperadores, Uma Torre para a Glória de Deus, Uma Rua Iluminada pelo Amor e Uma Carta de Natal. Outros artigos e escritos surgiram de correspondências anteriores (como Minha sogra… Minha Mãe, O Homem que não Sentava, Não Batam no meu Ladrão) e do meu hábito de registrar pensamentos, reações, angústias, dúvidas, eventos comoventes…

Tem dias em que estas acabam sendo rascunhadas num caderno – ás vezes, enquanto estou meditando. Outras vezes, no meio da noite quando não consigo dormir… Podem, também, ser rabiscadas num papelzinho qualquer quando estiver fora de casa. As muitas viagens de avião têm servido como momentos para registrar impressões e avaliações dos eventos que acabei de presenciar, e estas normalmente acabam sendo enviadas para minha irmã Nellie nos EEUU (a Nelita das minhas crônicas) — agora em e-mails com cópias para nossos filhos.

Ainda tenho caixas inteiras com cartas e diários, como também arquivos de e-mails sobre assuntos variados. Vamos ver se, um dia, servirão como ponto de partida para mais crônicas ou meditações ou, agora, para meu blog ☺. Betty

A graça, a misericórdia e a paz, da parte de Deus Pai e da parte de Jesus Cristo, o Filho do Pai, serão conosco em verdade e amor.—2 João 1.3

4 Comentários a “Eu, Escritora? – Resgatando a memória de como me tornei o pesadelo de editores…”

  1. betty disse:

    Hoje saiu no jornal que faleceu o autor Sidney Sheldon–de muitos livros e também do seriado “Jeannie é um Gênio”. Estava lendo sobre a vida dele no CNN e o relato diz que ele se orgulhava da autenticidade das suas novelas, tendo dito em 1987: “Se eu escrever a respeito de um lugar, eu já estive lá. Se eu escrever sobre uma refeição na Indonésia, eu já comi lá, naquele restaurante. Não penso ser possível enganar o leitor”. Isto me fez lembrar da sugestão da minha professora no cursinho para escritores e, portanto, serve como reforço do conceito.

    É óbvio que isto não pode se aplicar a escritores de fantasias tipo os que escreveram o “Senhor dos Aneis” ou “Harry Potter”… Ou pode? Será que a descrição das diferenças nos detalhes que tanto nos fascinam no mundo paralelo, não são baseadas numa acurada atenção dada à maneira em que elas se apresentam no mundo real?

  2. grace disse:

    Nunca tinha ouvido essa historia por completo! Muito bom ver como Deus tem usado pequenas coisas na sua vida para lhe tornar uma otima escritora! A coisa que eu mais admiro é que vc escreve em uma língua que não é a sua língua materna. Puxa, espero que um dia eu tambem possa abraçar a língua e cultura da Índia como vc abraçou a Brasileira.

  3. Jaqueline disse:

    Cumpri 50 anos ontem.Nestes 45,canetas e papeis estao por todos lados,preciso deles por perto.Nem que seja para morder um e amassar o outro,como catalizadores de reflexoes.Para os cristaos,existe uma dinamica motivadora e inspiradora em todas as coisas.Que alegria identificarme contigo,a cada palavra me invadia de certeza e sorrisos de cumplicidade. Sempre penso que comecarei escrevendo e dizendo” Nao sou escritora” Se venho a escrever sera pela vontade do Pai,pela sua graca,movida pelo Espirito Santo.Agora se voce permitir acrescentarei que voce colocou rodas nos meus sonhos.Gloria a Deus aquele que escreveu as nossas historias e nos tem gravadas nas palmas de suas maos.

  4. betty disse:

    Olá, Jaqueline:
    Gostei de receber sua cartinha. E achei muito bonita a sua conclusão! Vá em frente. Escreva. Mas não coloque metas muito grandes para não ficar desapontada. Permita que a resposta dos outros àquilo que vc escreveu lhe mostrar a direção e o caminho a seguir. E nunca deixe de gastar tempo na presença de Deus para ter a base e a força para tudo que falar e fizer.

    Faz tempo que não posto no meu blog. Parece que estou gastando todo meu tempo respondendo a cartas e dando apoio a outros escritores, sejam de livros ou artigos. E respondendo a comentários sobre meus posts falando de cirurgia de tireoide… De qualquer jeito, continuo manuseando as palavras. E isto é gostoso.

    Que Deus a abençoe ricamente. Abs, Betty

    E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por Ele graças a Deus Pai. –Colossenses 3.17

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