A Frustração que Virou Bênção

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Pergunte, porém, aos animais, …, ou às aves …. Quem de todos eles ignora que a mão do Senhor fez isso? Em sua mão está a vida de cada criatura e o fôlego de toda a humanidade.—Jó 12.7-10 (NVI)

O portão se abriu e Isabel guiou o carro até dois rapazes uniformizados, cada um com uma grade nas mãos. Baixou o vidro elétrico. Acionou mais uma vez o interruptor e a janela subiu até fixar a proteção de metal. Ao seu lado, sua amiga Júlia fez o mesmo e entraram no setor dos macacos. Voluntariamente, os ocupantes do carro estavam em um zôo invertido: as pessoas trancafiadas numa jaula motorizada e os animais correndo soltos. Três adultos e três crianças se divertiam com as travessuras dos curiosos habitantes do parque. Riam das cômicas carinhas de macaquinhos que se dependuravam do teto do automóvel, esticando os braços para alcançar os amendoins oferecidos.

Enquanto dirigia, Isabel relembrou os seus planos. Havia saído cedo com seus hóspedes, amigos missionários no Amazonas. Depois de passarem pelo Simba Safari, pretendia deixá-los, juntamente com sua filha, Glorinha, na entrada do Jardim Zoológico, situado num local próximo. Precisava do tempo livre, depois, para outros compromissos.

Aproximaram-se de outro portão. Era hora de tirar as grades. Procurou baixar o vidro – nada acontecia! Júlia tentou o dela, mas sem resultado! Balançou a porta. O vidro não se mexia. As grades continuavam presas.

Os funcionários se afastaram e um falou num rádio. O grupo no carro os observava, preocupado.
—E agora, pai? perguntou o Ricardo.
—É, pai. O que eles falam? Disse Quezinha.
—Deve ser sobre os leões. É a próxima parte. Não podemos passar sem tirar as grades e fechar os vidros totalmente.
Um funcionário se aproximou.
— Não podem continuar. – O escritório vai dizer o que temos de fazer.
— Será que não vocês tem nenhum mecânico-eletricista? perguntou o Jorge.
— Não sei. Temos que esperar. Coloque o carro na sombra.

Mas a sombra estava se acabando e os guardas não pareciam se preocupar com o calor e crescente e a sede dos visitantes. O coração da Isabel se rebelava. — Senhor, estava tudo tão bem planejado! Estou perdendo tempo precioso, aqui!

Uma hora depois chegou um jipe com listras de zebra. Os olhos das crianças se arregalaram com o tamanho do motorista e da arma que carregava. Ninguém discordou quando ordenou que lhe seguissem no carro por uma estradinha lateral. Desapontados, foram conduzidos até a “Auto Elétrica Celestial”, no outro lado da estrada. O eletricista, cheio de serviço, mexia nos fusíveis. Isabel olhou o relógio. Hora de almoço, já?! Estava tudo errado!

Veio a informação que o conserto iria demorar pois outros carros tinham prioridade. —Voltem às cinco da tarde! Agora, não tinha como Isabel seguir seus planos. Num orelhão, desmarcou seus compromissos e chamou um táxi para leva-los para o Jardim Zoológico. Aquietou seu coração, curiosa para verificar o que a providência divina considerava melhor para ela.

Chegando ao parque, logo confirmou que estava tendo o privilégio de gozar de algo que seu coração agitado almejava há muito. Os recintos dos animais estavam inseridos entre uma abundante variedade de árvores que filtravam os raios solares e garantiam sombra. Acima, das copas, emanavam lindos cânticos de diversos e, quase sempre, invisíveis pássaros. Em baixo, ao longo dos caminhos, arbustos, bromélias, samambaias e flores silvestres se multiplicavam num exótico emaranhado de cores e fragrâncias.

Glorinha se aconchegou à Isabel, colocando a sua mãozinha na dela. Andando pelo caminho atapetado por um colorido mosaico de pétalas, ela perguntou – Mamãe, será que o Jardim do Éden foi parecido com este?

Saboreando sorvetes, o grupo rodeou o lago do jardim. Graciosos cisnes nadavam, deslizando na sua direção com cabeças majestosamente erguidas. Ricardo correu para ler as placas identificadoras espetadas na grama. – Os cisnes pretos vêm da Austrália, os brancos da Europa e da Ásia, e os de pescoço preto são da América do Sul. Jorge comentou que os brancos eram mudos.

Em fila indiana, os cisnes impressionavam como modelo de harmonia e sintonia. Isabel cantarolou “Ebony and Ivory” e Júlia a acompanhou. – Por que vocês estão cantando isto? – É que as a beleza e as cores dos cisnes nos lembram esta canção. Seus compositores não eram cristãos mas queriam convencer as pessoas que elas podem se dar bem mesmo sendo diferentes. Nos pianos antigos, as teclas pretas eram feitas de uma madeira africana chamado ébano (ebony). As brancas eram de marfim (ivory), tiradas das presas de elefantes como os que vimos. Juntas, no piano, as teclas de ébano e marfim se complementam e podem transmitir uma perfeita harmonia.

Quezinha ficou pensativa. – Será que os cisnes negros casam com os brancos? Veja aqueles dois, mãe. Eles não parecem você e Papai? Jorge e Júlia se entreolharam, enternecidos. Realmente, o contraste era o mesmo. E a sintonia também. Mas Ricardo fez uma careta. – Sua boba, o branco é bem maior do que o preto, e Mamãe não tem nada de muda!

Glorinha defendeu a amiga. –Quezinha disse uma parábola. Minha professora da Escola Dominical ensinou que não podemos querer que todos os detalhes sejam iguais. As parábolas de Jesus eram assim. Isabel ajudou a filha. – Uma parábola é uma história terrena com um significado celestial. Quezinha quer ilustrar o que Paulo falou na Bíblia, que todos somos um em Cristo Jesus. Jorge complementou , — Ele também disse, ‘enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos…’ Podemos aprender muito do convívio pacífico destes cisnes.

Deixaram o lago e seguiram os caminhos que levavam aos locais onde os animais viviam. Júlia havia trazido um livro e, de vez em quando, identificavam as flores caídas no chão. Logo descobriram ipês rosas e amarelas, quaresmeiras, pau-brasil, flamboyants… – E esta?, perguntou Quezinha, apanhando uma grande, vermelho-alaranjada. – Esta é uma tulipa africana, respondeu a Júlia. – Já a vi em muitos países. Aqui chama-se espatódea ou árvore de bisnaga. – Por quê? quis saber o Ricardo. – É porque a flor fechada esguicha água quando bicada por passarinhos. – Ou se for apertada por meninos chatos! Gritou uma das meninas!

Pararam diante de uma paineira com enormes flores rosadas. Favas em forma de abacates se formavam nos galhos. – Quando maduras, elas pipocam e soltam uma espécie de lã, falou Isabel. Por isto, também chamam ela árvore de lã. Antigamente, as pessoas enchiam colchões e travesseiros com isto. Temos uma no nosso quintal. –Você sabia que elas são polinizadas unicamente por morcegos? perguntou Jorge. – Que legal! disse Ricardo. – Que horror! rebateu Glorinha. – Onde será que eles se escondem?!

—Quando ando pelas ruas, fico fascinada com estas aqui, comentou Isabel, apontando uma árvore em que flores brancas, lilás e roxas se mesclavam. Júlia folheou o livro. — Parece que ela se chama quaresmeira. Ou será que é manacá-da-serra? São da mesma família. E olhe quantas abelhas! Vamos continuar logo.

O grupinho continuou “viajando” pelo mundo, observando tanto as espécies da fauna brasileira quanto as que interagem com pessoas de línguas, costumes e continentes inteiramente diferentes. Ficou bem mais fácil conceber a sensação de espanto que deve surgir quando um africano vê uma girafa pela primeira vez e imaginar o pavor tomando conta de alguém sendo perseguido por um rinoceronte.

Sentados, observaram a fascinação das crianças e, principalmente, dos turistas estrangeiros com a vistosa plumagem e a espontânea personalidade das aves tropicais. Isabel tentava analisar a alegria e o espanto trazidos pela incrível combinação das cores vivas de tucanos, papagaios, araras e periquitos com seus inconfundíveis e estridentes gritos e gargalhadas. Ninguém saía de junto sem sorrir e se divertir. Tudo nelas parecia exagerado—o bico, a cauda, as penas, as cores, a curiosidade, a voz… Era como se Deus houvesse planejado cada um dos seus detalhes e depois multiplicado tudo por dois… De modo inexplicável, a percepção do brilho delas realçava a sensação de tranqüilidade que havia absorvida através das tonalidades pastéis da paisagem ao redor.

Jorge e Júlia contavam histórias ao verem outros bichos que haviam encontrado nas suas andanças amazônicas e internacionais. No local dos dromedários, Isabel perguntou a Júlia, – Você acha que a Sara teve que andar num destes ou que os “camelos” de Abraão tinham duas corcovas? – Não sei, mas fico contente de andar de carro, mesmo com as janelas emperrando…

Nem tudo era perfeito, é claro. Glorinha e Quezinha viraram as costas enojadas ao ver os hipopótamos nadando serenamente entre seus dejetos. Também não se animaram quando Isabel compartilhou que o cheiro dos bisões e da sua ração lembravam seus tempos de menina, na fazenda de seu pai. Preferiam ver bichinhos fofinhos, engraçadinhos, bonitinhos ou coloridos, que não exalavam tanto mau cheiro… Ricardo, por sua vez, procurava os animais ferozes que não havia conseguido ver no Simba Safari. Mas ficou desapontado. No calor do dia os leões estavam apenas roncando, de boca aberta, na entrada das suas tocas. Fez questão, também, de entrar nas Casas das Serpentes e do Sangue Frio e na área dedicada às aves de rapina.

Após o almoço no parque, enquanto as crianças procuraram completar, num caderno, silhuetas de zebras, girafas, leopardos, tigres e outros felinos. Logo descobriram que era muito mais fácil reconhecer estes bichos do que reproduzir o jeito das manchas e listras que carregavam no corpo! Jorge foi explicando que tudo aquilo lhes servia como camuflagem, cada um conforme seu habitat. —Deus é tão criativo, admirou-se Quezinha. Até Ricardo concordou.

Era hora de ir embora. Isabel virou-se e fixou na memória um “cartão postal personalizado” da paisagem do lago. Mesclado com o verde furta-cor da vegetação, o suave tom-sobre-tom das flores de algumas árvóres que eles haviam identificado era realçado pelas cores vibrantes de outras. Glorinha tinha razão, aquilo parecia um pedacinho do paraíso.

Mas a sensação paradisíaca logo ameaçou se dissipar. Isabel se viu diante do mecânico do carro, observando o seu olhar dissimulado enquanto tentava explicar que havia trocado uma peça, mas que, misteriosamente, não tinha a antiga nem a nota para comprovar a compra. Em silêncio, receosa de estragar a beleza daquele dia com uma desavença, pagou o valor exorbitante pedido. Devolveram a grade e voltaram ao mundo de asfalto e concreto, veículos e construções, no qual estavam inseridas as pessoas que Deus queria que servissem.

Ao chegaram na entrada do prédio, os guardas se espantaram com as gargalhadas dos ocupantes do carro quando Isabel, em vão, tentou abaixar a janela para passar o cartão – novamente, o vidro não baixava! – Nem vou ficar com raiva, declarou Isabel. – Sem querer, aquele homem horrível foi um instrumento celestial para me dar um lindo dia. Confessou que o pane me deixou frustrada mas, no fim, tenho que reconhecer que fui superabençoada! Sorrindo, Glorinha aventurou – Mamãe, vamos consertar o vidro perto do Playcenter, amanhã…

Elizabeth Zekveld Portela
Publicado na SAF em Revista, 3º Trimestre / 2003

(Notas de rodapé que não aparecem no texto do site)
1. Simba Safara: hoje Zôo Safari.
2. Ebony e Ivory: Cantado por Paul McCartney e Stevie Wonder, 1982
3. Todos somos um em Cristo Jesus: Gálatas 3.28
4. Enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos: Gálatas 6.10
5. Livro citado: Que Árvore é Aquela? Jean Irwin Smith, Editora Terceiro Nome, 1986, reeditado em 2001.

SUGESTÕES PARA MEDITAÇÃO E/OU ATIVIDADES
1. No livro de Jó, especialmente nos capítulos 12, 40 e 41, Jó e Deus comentam como o poder e grandeza de Deus são refletidas na fauna daquela época. Medite na resposta de Jó no capítulo 42, listando as maneiras em que foi afetado o seu relacionamento com Deus.
2. Leia o que José falou em Gênesis 50.20 (e 45.1-8). Olhando os eventos das últimas semanas, alguma vez você conseguiu descansar na providência de Deus quando as coisas não saíram como planejadas. Qual foi o resultado?
3. Você já visitou o parque botânico ou zoológico na sua cidade, para apreciar o que tem sido preservado da beleza e da diversidade da natureza que nosso Deus criou? Já pensou em acompanhar seus filhos ou netos para conhecê-lo. Ou em fazer um passeio lá com seu grupo de SAF?

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