Contratempo ou Providência Divina?

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Na semana passada, recebemos uma longa carta de uma sobrinha, filha da minha irmã, que vive nos Estados Unidos. C… e suas duas irmãs moraram cinco meses conosco, quando tinham uns quinze ou dezesseis anos, em ocasiões diferentes. Naquelas ocasiões aprofundamos os nossos laços afetivos, que continuam até hoje, apesar da distância. Ela é da idade do nosso filho caçula (alguns meses mais velha); é uma jovem bem simpática, alegre e carinhosa, que acaba de fazer 23 anos. Respondi assim:

Querida C…:
Puxa! Que leitura fascinante (e a experiência que você descreveu também o foi, tenho certeza!) A vida pode ser uma aventura quando encarada através da perspectiva certa. Você começou com a percepção de que era uma vítima do destino e acabou se vendo como filha do Soberano Rei! Estamos ansiosas para saber o que vai acontecer agora.
Abs, Tia Betty

P.S. Penso que sua carta poderia encorajar outras pessoas sobre como perceber a providência de Deus, e como lidar com eventos que parecem ser contratempos para nós. Você permite que eu a poste no meu blog?

Ela respondeu dando a sua permissão e assim segue abaixo a carta que recebemos.

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Sei que esse relato está muito longo, mas quero compartilhar o que está acontecendo na minha vida neste ano novo! 🙂 Sei que conversei com alguns de vocês sobre essas coisas e para outros disse apenas algo aqui e ali. Espero que vocês estejam todos bem! Conte-me, também, o que está acontecendo na sua vida….
Com amor,
C……

Muitos são os planos no coração do homem, mas o que prevalece é o propósito do Senhor. –Provérbios 19:21

Fizeram-me recordar este versículo em um acampamento do qual participei neste final de ano, há algumas semanas, quando o tema tratado foi a soberania de Deus. Essa é uma doutrina que leva muitos crentes a relutar, apesar dela ser claramente delineada na Bíblia. Ensina que a vontade de Deus na nossa vida é pré-ordenada e que Ele é poder e autoridade suprema. Normalmente, eu diria que não sou uma daquelas pessoas que sentem dificuldade com este conceito. Claro que Deus tem um plano pré-ordenado para as nossas vidas! Sei que Ele é onisciente e onipresente e onipotente. Portanto, será que eu não deveria saber que Ele tem uma vontade soberana para minha vida? Sim, deveria! Ele tem! Mas, será que eu creio nisto mesmo? A maior parte do tempo? Todo o tempo? Pois é, tive um curso relâmpago em como aplicar isto à minha vida, apenas poucos dias após o meu retorno do acampamento.

Faz quase dois anos que parei meus estudos universitários e quando alguém me perguntava sobre meus planos, eu normalmente respondia—“Não tenho certeza”. Não que eu veja aqueles dois anos como desperdiçados. Fui abençoada com um emprego flexível como “nanny” (acompanhante de crianças—uma espécie de “babá”/tutora, nos Estados Unidos), focando grande parte das minhas energias em dois meninos de uma família evangélica, de sete e nove anos. Aprendi muito trabalhando com os dois e tive tanto alegrias quanto frustrações lidando com eles, mas estou, principalmente, grata pela oportunidade de “ensiná-los no caminho em que devem andar”. (citação de Provérbios 22.6).

Além do tempo gasto trabalhando, estar fora da escola me deu muito mais oportunidade para servir em vários aspectos da igreja e também resultou em mais tempo para construir relacionamentos com muitos amigos. Por algum tempo na minha vida, não precisava me preocupar com deveres de casa e assim pude derramar minhas atenções naqueles que precisavam de uma amiga ou apenas de alguém com quem conversar ou se divertir. Tudo isso foi muito bom, mas, já que eu sabia que não queria ser uma “nanny” pelo restante da minha vida, comecei a pensar seriamente sobre a possibilidade de voltar a estudar.

Orei a respeito disto, pesquisei e resolvi que frequentar a University of Washington em Tacoma (UWT) seria a maneira mais barata e fácil para eu completar os cursos para o diploma em nível de Bacharelado que me ajudaria a arrumar um emprego. Fiz a inscrição para o trimestre do inverno bem cedo, fui aceita de imediato e, depois de falar com uma orientadora, soube que todos os créditos do meu curso anterior poderiam ser transferidos sem problema nenhum e que eu poderia terminar em 6 trimestres (2 anos) com uma carga horária não muito pesada. Eram ótimas notícias! Eu podia aguentar 2 anos! Claro, que podia! ☺ Declarei que iria me especializar em “Estudos Americanos” para poder participar em algumas classes de história que me interessavam e fui embora bem contente.

Estava ficando mais e mais animada para voltar às aulas. A única coisa que ainda precisava fazer antes de poder me matricular era entregar o meu atestado de vacina. Parece fácil, não? Pois foi o que eu pensei, mas foi aí que meus “problemas” começaram. Para se assegurarem que todo o mundo está vacinado (e não infecte a escola inteira com sarampo!), eles não permitem que sejamos matriculados até que este documento seja recebido. Fiz as devidas cópias e as mandei por fax para a escola. Entretanto, alguns dias depois eu ainda não conseguia me matricular nas classes pela Internet e, assim, resolvi enviar a cópia original. Infelizmente, coloquei isto no correio no dia antes da chegada da ENORME TEMPESTADE DE INVERNO que caiu em dezembro de 2008 e assim eles não receberam minha preciosa cartinha porque a cidade de Tacoma e todas as suas escolas foram fechadas por uma semana e meia, por causa de uns 20 cm de neve e pelas estradas cobertas de gelo. O Natal veio em seguida à tempestade e, assim, a escola permaneceu fechada enquanto todas as classes eram preenchidas com os alunos que já podiam se matricular.

No dia depois do Natal, a faculdade finalmente abriu e eu falei com um coitado, que era o único lá no escritório e que tinha montanhas de papeis em cima da sua escrivaninha, depois das duas semanas com a escola fechada. Ele pediu que eu fosse paciente enquanto procurava a minha carta, mas precisei ser paciente por apenas 30 segundos porque eu havia colocado um bright pink sticky note (um “post-it” cor-de-rosa-choque) no meu formulário dizendo que havia enviado o documento por fax, mas que eles não o haviam recebido. Por causa disto, foi possível ele me ajudar bem depressa e, depois de esperar por duas semanas, em apenas cinco minutos já tinha atualizado meus dados nos computadores e me aconselhou a me matricular em algo apesar de quase todas as classes já estarem cheias porque, de outra forma, teria que pagar uma multa por me matricular com atraso no primeiro dia das aulas.

Havia apenas umas 5 classes que me interessavam ou que pertenciam à especialização que eu queria fazer e que também se encaixavam com o meu horário, mas todas estavam cheias. Enviei e-mails para professores para ver se eles permitiam matrículas a mais, mas todos me responderam a mesma coisa: “venha para a classe no primeiro dia para ver se existem ausências”, pois eles não permitiam matrículas em excesso. Assim, um pouco frustrada com o fato de que a universidade não tem listas de espera, me matriculei numa classe qualquer, pensando em abandoná-la já no primeiro dia se eu encontrasse algo melhor. A classe se chamava “Cultura Espanhola Contemporânea” com uma descrição ridícula das aulas e não tinha nada a ver com a minha especialização formalizada, de “Estudos Americanos”. Neste momento, eu já estava frustrada e ansiosa sobre ter que lidar com aquela confusão de classes no primeiro dia de aula e foi com esta preocupação em mente que parti para o acampamento.

Lá, entretanto, fiquei muito grata pelas mensagens no retiro. Todas foram bem apresentadas e falaram claramente sobre o que a Palavra de Deus dizia sobre sua Soberania. Com esses lembretes sendo martelados na minha cabeça por três dias seguidos e com algum tempo dedicado a oração, consegui ter paz a respeito de lidar com a escola na semana seguinte. Afinal, Deus havia ordenado aquela tempestade, não havia? E Ele sabia que meus documentos não chegariam a tempo por alguma razão e que eu não poderia me matricular na hora que eu pretendia. E Ele, também, havia providenciado um meio para que eu conseguisse escolher algumas classes. Não havia sido tão fácil quanto apenas clicar “matricular”, numa tela de computador, mas eu podia lidar com isso, certo?

No dia 05 de janeiro de 2009, acordei cedo, entreguei “meus meninos” na escola deles, e fui para minha primeira tentativa para entrar numa classe na UWT. A classe se chamava “Redação Criativa” e fui logo perguntar à professora se alguém havia desistido para que eu pudesse entrar. Ela me respondeu que havia uma pessoa na minha frente, mas que eu poderia esperar o início da classe para ver se todos os matriculados iriam aparecer. Depois de falar com ela, uma ex-colega do meu irmão me notou do outro lado da sala e me saudou alegremente. Foi bom ver um rosto conhecido e comecei a pensar que seria ótimo entrar nesta classe.

(Apesar de não gostar muito de Redação Criativa, estava tentando me convencer que seria muito bom fazer parte da classe… ☺ É verdade que a classe iria interferir com meu trabalho, mas estava pronta e preparada para mexer com isto, apenas para entrar num curso).

Uma hora depois, falei novamente com a professora. Soube que todos os matriculados haviam se apresentado mas que eu poderia ficar checando na Internet para conferir se alguém havia desistido. Desencorajada, me despedi da moça que conhecia e deixei a classe que parecia perfeita—só faltava eu entrar nela (Não teria sido realmente perfeita para mim, mas estava tentando justificar tudo isso na minha cabeça—especialmente porque eu já conhecia uma das alunas).

Naquela ocasião, ainda havia algumas outras classes que poderia experimentar no próximo dia, mas eu já estava sem esperança que elas iriam dar certo. Assim, fui para a secretaria e falei com o mesmo cara com o qual havia falado por telefone depois do Natal. Ele foi muito prestativo e até se lembrava de mim como a “moça do post-it cor de rosa choque” quando ouviu meu nome. Perguntei a ele se eu poderia adiar minha matrícula até o trimestre da primavera porque não estava conseguindo me matricular em nenhuma classe e ele, muito prestativo, me deu os papéis necessários para adiar a entrada na UWT. Saí sentindo-me bem desencorajada porque havia planejado estudar já durante o inverno, mas estava tentando entender que Deus talvez tivesse outro plano esperando por mim.

Não vou entrar em muitos detalhes do resto da minha tarde, mas para resumir, era simplesmente um daqueles dias quando nada parece dar certo e eu terminei chorando um bocado, orando e suplicando a Deus para me ajudar a entender seu plano e confiar nele.

Naquela noite, voltei para a faculdade para assistir à classe na qual havia me matriculado. Tencionava desistir dela. Encontrei minha amiga A…, alguns minutos antes da classe, (porque ela tem outra na mesma hora) e ela foi muito gentil escutando todas as minhas lamúrias enquanto me queixava das experiências do dia e fui pegar o formulário de cancelamento. Estava pronta para desistir até o trimestre da primavera.

Mas não é estranho quando nos conscientizamos que os planos divinos são, oh, tão melhor do que podemos imaginar? Entrei naquela classe de Cultura Espanhola Contemporânea e me sentei bem atrás. A professora entrou (primeiro pensei que ela era uma aluna porque é muito jovem) e apresentou a si mesma e, depois, os alunos. Ela é da Espanha e a classe é sobre a história da Espanha e como ela se relaciona à cultura atual. Sei muito pouco sobre Espanha além de Colombo ter partido de lá para singrar os mares em 1492.

Nos primeiros 20 minutos de aula, a professora explicou que a classe contava, também, para uma especialização secundária em espanhol. (Nota de Betty: nos EEUU, os cursos universitários são genéricos em grande parte e possuem uma especialização principal (major) e um especialização secundaria (minor), diferentemente dos cursos no Brasil, onde você escolhe cursos específicos desde o vestibular). Ela encorajou os seus alunos a considerar isso porque requeria apenas 25 créditos (10 créditos de linguagem e 15 de cultura). Interessei-me imediatamente porque sempre estive entre os melhores alunos nas aulas de Espanhol e já pratiquei bastante.

Naquele momento, tive que cuidar para não rir e chorar ao mesmo tempo porque estava sentada numa classe que não teria escolhida por conta própria num milhão de anos, e não apenas eu estava interessada nela (muito melhor de que um trimestre inteiro de redação criativa!!), mas, de repente, eu também havia descoberto um possível direcionamento para meus estudos na universidade. E ainda havia outra coisa boa—esta classe não tem prova final, apenas um trabalho por escrito para ser entregue no último dia de aula e assim, vou ter duas semanas de férias na primavera. Eu estava querendo ir para a Europa para visitar uma amiga em março, mas já pensava em desistir porque teria que estudar para alguma prova.

Agora eu ainda não sei exatamente o que Deus tem em mente para o meu futuro, mas estou grata que Ele sabia melhor do que eu, que classe eu deveria pegar neste trimestre. Estou bem animada a respeito dos estudos vindouros e oro para que, pela graça de Deus, possa confiar nele e na sua vontade para a minha vida e não escudar-me no meu próprio entendimento sobre o que é melhor para mim. Ainda estou orando a respeito de Europa, mas, se for a vontade de Deus, estarei viajando para lá em março. Ontem formalizei que minha especialização principal vai ser “Estudos Globais” e a secundária vai ser “Estudos Hispânicos”. Não tenho completa certeza do que está envolvido em tudo isso, mas agora penso que tudo vai se encaixar bem melhor com a pessoa que sou e talvez abrir muito mais portas para eu servir o Senhor em novas e diferentes capacidades. Também estou pesquisando a possibilidade de viajar para México por três semanas, pela universidade, para ganhar 5 créditos. Estou louvando a Deus por este dia santificador que já me deu muitas oportunidades de compartilhar sua grandeza, amor e misericórdia.

Como é confortante para o crente que o que prevalece é o propósito do Senhor!

4 Comentários a “Contratempo ou Providência Divina?”

  1. Soraia disse:

    Olá, “Elizabel”! Acabo de ler seu artigo na revista da SAF do 1º trimestre do ano. Fazia um tempo que não lia esta revista, logo não sabia da existência do site “Crônicas do cotidiano”. Como gostei!!! amo crônicas, e as suas são maravilhosas! gostei muito de saber sobre a sua vida, ver sua foto…antes de eu saber que Izabel era você (só suspeitava), imaginava-a morena, magrinha, baixinha…
    Há uns cinco anos lhe escrevi um e-mail e você me respondeu, fiquei tão feliz! enfim, sou “fã” de seus escritos, que vão além do talento natural, expressam o viver de uma pessoa que tem verdadeira comunhão com Deus.
    Um abraço e que o Senhor continue abençoando sua vida e sua família!
    Soraia
    Parabéns pelo netinho!

  2. Grace disse:

    Oi mãe! Creio que os seus leitores e fãs estão com saudades das suas crônicas– volte para o seu site e o encha novamente com sua sabedoria! um beijo de sua filha!

  3. guiomar barba disse:

    Muito interessante seu blog, pretendo voltar com mais tempo. Vc escreve de uma forma bem especial, parece q estamos conversando com velha conhecida.
    Gostaria muito de poder organizar tbm os temas das postagens do nosso blog como lhe ajudaram nas suas. Mas não tenho ninguém em Bangladesh, rsrsrs seria difícil vc me dar dicas? Se peço muito, não quero incomodá-la.
    Que Deus continue usando sua vida. Abraços.

  4. guiomarbarba disse:

    Por que vc não continua escrevendo suas crônicas? Bjs.

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