Pescando onde os Peixes Estão (1)

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Desde então começou Jesus a pregar, e a dizer: Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus. E Jesus, andando junto ao mar da Galiléia, viu a dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, os quais lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores; E disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens. Então eles, deixando logo as redes, seguiram-no.—Mateus 4.17-20

Alguns dias atrás, desci a rua em direção ao supermercado pertinho da minha casa. Precisava de alguns ingredientes para fazer um “bolo de frutas cristalizadas” (com nozes, cerejas, etc.) para a reunião de encerramento, no dia seguinte, do grupo de esposas de seminaristas do qual participo como uma das coordenadoras.

Quando cheguei em frente à entrada da loja, tinha uma mocinha encostada na grade que cerca os carrinhos e o balcão de flores. É freqüente ter pedintes naquele local e quando ela falou, sacudi a cabeça para indicar que não iria lhe dar dinheiro, sem fazer contato visual. Entrei, fiz as compras e saí, novamente evitando olhar diretamente para ela e sinalizando que “não tinha” quando ela insistiu. Mas fiquei pensando sobre ela—sobre onde ela morava, e o que ela faria com o dinheiro se eu lho tivesse dado.

Já que não havia encontrado açúcar de confeiteiro, subi a rua até meu prédio, deixei os pacotes na portaria e saí a pé de novo em direção a um supermercado além do primeiro. Enquanto ia, vi de longe a moça, ainda sentada no mesmo lugar. Desta vez, encostei num prédio, olhei p’ros lados, abri a bolsa e tirei duas moedas de um real. Atravessei a rua e fui direto para ela, sorri e coloquei as duas moedas na mão dela. Vi que ela ficou surpresa. E eu voltei a andar. Missão cumprida… Ou assim eu pensei.

Não achei o açúcar que eu queria no outro estabelecimento, mas vi promoções em leite e amaciante de roupas e comecei a voltar ladeira acima com quatro sacolas pesadas em ambas as mãos. Enquanto subia a rua, pensando sobre outras coisas, de repente a mocinha estava na minha frente. Alta, magra, com roupas escuras, séria…  Parei, ela olhou para mim e perguntou—a senhora quer ajuda com as sacolas? E agora? Ela seria uma ladra? Pensei em recusar. Quase recusei… Seria muito ingênuo da minha parte pensar que ela poderia estar querendo devolver o favor? Afinal, não havia lhe dado muito. Mas era assim que parecia…   Olhei nos seus olhos e resolvi ser franca. —Se prometer não correr com elas…

Ela não disse nada, mas estendeu as mãos e lá fomos nós, lado a lado, eu apenas com a minha bolsa no lado mais afastado, e ela com todas as sacolas. Mil pensamentos corriam pela minha cabeça… O que Deus estava querendo de mim? Aí lembrei-me de um dos sermões que ouvi na conferência (da qual acabara de voltar) em Manaus, baseado em Mateus 4, onde o pastor nos exortou que quem quer ser “pescador” tem que ir para onde estão os peixes. Temos que ir ao rio para pescar—os “peixes” não vão aparecer em nosso banheiro. Eu concordei com isto, e podia até pensar em alguns momentos em que fiz isto mesmo. Mas, depois, a esposa daquele pregador compartilhou comigo sobre o trabalho que ela tem feito com mais cinco mulheres na terra dela, numa zona de prostituição em Lusaka, Zâmbia. Já tem três mulheres convertidas, membros da sua igreja, e agora são nove que saem juntas uma vez por mês para evangelizar. Fiquei admirando a sua coragem e lembrando de outra amiga na Índia com um trabalho parecido. Concluí que me falta muito para ser assim.

Agora lá estava eu—tinha dado apenas uns poucos trêmulos passos em direção ao “rio” e Deus já parecia estar colocando o “peixe” perto de uma rede que nem havia pensado em jogar! Que nem queria jogar! Não queria enfrentar os desconfortos desconhecidos deste tipo de “pescaria”!  O que ela estaria pensando? O que ela estava querendo? Como poderia me aproximar dela sem me expor demais, ou a minha família?

E assim perguntei-lhe o nome. Ela me respondeu. E queria saber o meu. Elizabeth. Foi-se mais uma barreira. Acabara-se o meu anonimato.
Ela me disse. —Eu só peço. Eu não roubo.
O que se responde a uma revelação desta?
Muito bem! Você estuda?
Não. Moro na rua.
Faz tempo?
Faz bastante tempo.
Não dá para voltar, não? Fugiu de casa?
Minha mãe me expulsou. Ela não me quer.

Compaixão e cautela lutavam no meu interior. Quanto disto seria verdade? Será que ela sempre tenta se aproximar das pessoas assim? Perguntei se ela já tinha tentado obter ajuda pela prefeitura.
Não dão não.
Mesmo?
Não.

Vendo que estávamos nos aproximando do meu prédio e que tinha uma brecha no trânsito para atravessar a rua, parei. Sorri para ela.
—Olhe. Eu vou atravessar a rua aqui. Muito obrigada, viu.
Ela me deu as sacolas e disse.
—Fico sempre aí.

Será mesmo? Sou freguesa quase diária deste supermercado—me exercito pegando e carregando algumas das coisas mais necessárias para cada dia… Não me lembrava dela. Mas já fazia uns dez dias que não havia ido… Podia ser que o “sempre” dela fosse apenas uma semana inteira—um longo período para quem vive sem eira nem beira.

Fiquei curiosa. E também um pouco temerosa. Será que a mocinha vai estar lá, no mesmo lugar, na próxima vez que eu for comprar leite ou suco ou sabão? O que diremos ou faremos? Que Deus me dê sabedoria!  (Continua?)

5 Comentários a “Pescando onde os Peixes Estão (1)”

  1. Mirciloni disse:

    Betty, Betty
    Como entendo você. Sei que eu pensaria as mesmas coisas que você pensou. E a vontade é de dizer: cuidado, não confie nela. Mas, tendo ouvido a mesma mensagem que você ouviu, só posso dizer: vá atrás do peixe e lance sua rede. Vamos ser aquilo para o qual fomos chamadas e que o nosso mundo, atividades e mente tendem a querer distorcer… ainda que diga… com cuidado!
    Te amo.

  2. beta disse:

    hojé ta cada véz mais dificil confiar nas pessoas, mais os peixes estão ai, precisamos sair enxergar com os olhos do maior pescado lança a rede e deixar Espirito santo nós ajudar a sermos cada véz ousados e corajosos… Deus te abençoe amada.

  3. Tuka disse:

    Olá Betti, a paz!
    Estive lendo alguns artigos de sua página e tenho sido muito tocada, que Deus possa continuar usando sua vida para pescar muitos corações tristonhos como o meu.
    Quantas vezes me peguei diante de situações embaraçosas como essa….!!!
    Um grande e carinhoso beijo.
    Você é uma benção!

  4. Mical disse:

    Nos ultimos dias tenho lido diariamente uma de suas crônicas que para mim é como uma pequena devocional, vou meditando e SEMPRE TIRANDO LIÇÕES para minha vida. Deus continue te abençoando nesse ministério tão lindo de escrever e aconselhar, creio que é essa é sua praia aonde sem voce perceber ja apanhou muitos peixes, viu? Um abraço

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