Aprendendo com os Passarinhos

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Tu … fazes sair as fontes nos vales, as quais correm entre os montes…. Junto delas as aves do céu terão a sua habitação, cantando entre os ramos. —Salmo 104.12

É um fim-de-semana, no fim de outubro. Estou numa colônia de férias perto de Campos do Jordão. Participo de um retiro espiritual. Na programação, as duas manhãs começam com um momento devocional individual. Todas são orientadas a procurar um cantinho no lado de fora da casa para passar uma meia hora em comunhão com Deus, lendo a Bíblia e orando na sua presença.

Meditando sobre Deus em Meio à Natureza

Sendo uma das coordenadoras do evento, compartilho com uma colega o dever do preparo do café da manhã e não desfruto desta bênção na correria do primeiro dia, no sábado. Mas, no domingo, pego minha Bíblia e um caderno e saio da casa, encontrando um lugarzinho em meio aos encantos da natureza.

O sol brilha e seus raios realçam a coloração das flores que me cercam. Luminosidade e sombra se alternam no balançar das árvores e araucárias que cobrem as colinas ao meu redor—resultando em um suave efeito furta-cor no verde das suas folhas e ramos.

Sento quietinha, de olhos fechados, tentando acalmar meu espírito, pois minha mente já está querendo se ocupar com os detalhes do dia—planejando, antecipando, prevendo, contornando… Arrumando, supervisionando, fazendo malas, dirigindo de volta…

Uma leve brisa tenta brincar com meus cabelos, e percebo que é uma forma diminuída do vento que ouço sussurrar enquanto faz tremer os galhos na cena que acabo de descrever.

Penso no vento. Ainda se estivesse com os olhos abertos não poderia vê-lo. Enxergaria apenas seus efeitos. De olhos fechados, eu posso sentir e ouvir o impacto que está tendo em tudo pelo que passa. Lembro-me do Senhor Jesus falando com Nicodemus— O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito (João 3.8). E penso—“Sou uma pessoa nascida do Espírito”. Mas antes de penetrar mais neste mistério, o vento sossega, a brisa cessa e o que sobra é o silêncio.

Quanto silêncio! Para quem mora ao lado de uma grande avenida em São Paulo, os momentos sem nenhum ruído causado por seres humanos são extremamente raros, quase inexistentes. Não há como fugir do ronco de máquinas e motores, acompanhado por sirenes, buzinadas e freadas. Nem de noite há escapatória, pois é hora de entregas nos estabelecimentos, coleta de lixo, valas sendo abertas, colocação e conserto de cabos e dutos subterrâneos…

Raramente cessam também as vozes das pessoas, subindo e ecoando das calçadas, da farmácia e do supermercado 24-horas na frente do nosso prédio, ou dos edifícios que cercam o nosso. Vozes de transeuntes, compradores e moradores, e das suas televisões, de dia e de noite, próximo e distante… Conversando, argumentando, rindo, brincando, gritando… Às vezes, brigando ou chorando… Aqui e ali, um cachorro latindo. Quase nem noto mais. Aquilo faz parte da minha realidade. Mas deve afetar a minha capacidade de sentir paz, tranqüilidade, sossego…

Portanto, o silêncio da natureza neste dia impressiona. Entretanto, em pouco tempo, constato que ele, de fato, não é constituído de ausência de sons. Apenas da falta de ruídos mecânicos e de vozes humanas.

Um som repetitivo, como um pequeno lamento, me tira das ponderações sobre vento, Espírito Santo e silêncio. O que será? Minha mente vasculha as recordações dos tempos de menina e moça e já sei. É um pombo… Abro os olhos para ver se consigo encontrá-lo numa protuberância da casa, ou nas árvores próximas, mas ele está bem escondido. Enquanto perscruto os galhos, minha audição também se aguça.

Novamente fecho os olhos. Começo a perceber que o pombo não é o único ser ali. Sei, afinal, que as florestas e as árvores ao meu redor são povoadas por outras criaturas de Deus. Insetos. Animais. Aves. E pássaros. Os pássaros que também cantam na minha cidade mas que poucos conseguem ouvir.

Agora estou conseguindo me sintonizar com o canto de dezenas de pássaros ao meu redor. De repente, Deus permite que eu ouça as suas melodias. Melodias tão complexas que sou incapaz de reproduzi-las. Tão belas que dá vontade de mudar-se para sempre para este lugar. E nunca mais ir embora. Sei que estou experimentando um pequeno reprise de como deve ter sido o Éden. E, ao mesmo tempo, vislumbrando os encantos do céu.

Aí surgem vozes roucas de aves, estridentes, briguentas—de periquitos, papagaios, corvos, dos gansos no lago… Não é mais melodia. É cacofonia! E me pergunto—será que era assim no Éden, também? Havia esta aparente dissonância? Ou suas vozes eram mais suaves, ainda distintas e fortes, mas harmonizando com o canto dos passarinhos? Ou será que a capacidade de audição de Adão e Eva lhes permitia perceber qualidades musicais imperceptíveis para os seres humanos pós-queda? Ou fazia com que não distinguissem sons como irritantes? Ou talvez suas mentes perfeitas mesclassem a sua percepção do visível com o audível de tal modo que a beleza de um aspecto se equilibrava com a estranheza de outro detalhe. O que mudou com a expulsão do Jardim? Ainda bem que Deus deixou a plumagem exótica para algumas espécies enquanto não retirou as vozes melodiosas de outras…

As aves mais próximas silenciam. Devem ter voado para outro local. E a pessoa ou ser que perturbava os gansos também deve ter ido embora. Novamente, os passarinhos se aventuram a cantar. Continuo quieta, de olhos fechados, descansando diante do meu Deus. Se não tiver cuidado, pegarei no sono, aninhada em braços celestiais neste raro clima de paz, harmonia e adoração. De fato, lembro-me que tem um versículo na Bíblia que fala de Deus estendendo seus braços eternos debaixo dos seus amados…

Abro os olhos e pego na minha Bíblia. Procuro “braços” na concordância que fica no fim dela e encontro o que quero. “O Deus eterno é a tua habitação e, por baixo de ti, estende os braços eternos” –Deuteronômio 33.27.

Já que estou com a Bíblia aberta, resolvo localizar outro texto. Pois tem uma música escrita por João Alexandre tocando na minha cabeça e sei que a letra é uma paráfrase de outra passagem bíblica. Também cita a habitação de Deus e fala de dois tipos de pássaros (pardal e andorinha). Logo encontro o que quero—é o Salmo 84. Um salmo dos filhos de Coré.

Leio: … Minha alma suspira e desfalece pelos átrios do Senhor. O meu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo! O pardal encontrou casa e a andorinha, ninho para si, onde acolhe os seus filhotes; eu, os teus altares, Senhor dos Exércitos, Rei meu e Deus meu! (vss 2 e 3)

Depois de refletir um pouco sobre como aplicar o texto aos meus dias, pois não vivo dentro do local que agora substitui o local dos átrios e altares de Deus—a igreja—resolvo ler o capítulo todo. O versículo seis parece pular da página e é com ele que encerro minha meditação.

Os salmistas falam do ser humano cuja força se deriva de Deus e fazem uma declaração surpreendente—o qual passando pelo vale árido, faz dele um manancial. Páro para pensar nisto. Normalmente queremos que Deus nos mostre a sua bondade providenciando alento (água) nos tempos difíceis. Raramente, o nosso pensamento vai além. O texto então diria—o qual passando pelo vale árido, encontrará um manancial (ou uma fonte) para se refrescar.

Percebo que o projeto de Deus para seus filhos (e para mim) é muito maior. Enquanto peregrino nesta terra, os vales áridos (na nota de rodapé, diz que também pode ser traduzido como “lugar de lágrimas ou de desolação”) sempre existirão. Desapontamentos, perdas, doenças, dores, mortes… E é nestas horas que posso ser um manancial—uma fonte na qual outros podem “matar sua sede”—compartilhando do consolo, ânimo, apoio, conforto e amor que eu mesma tenho encontrado na presença de Deus.

Fecho novamente os olhos, absorvendo pela última vez o maravilhoso canto dos pássaros. “Pai”, penso/oro eu, “Sei que tu atentas para mim tanto quanto cuidas dos passarinhos que tanto me alegram hoje. Quero muito ser uma mulher ‘cuja força está em ti’. Quero ir ‘de força em força’—de um momento na tua presença (como este), para outro. Sempre valorizando o tempo gasto na tua casa, na leitura da tua palavra, nos momentos conversando contigo. Não apenas para ser ‘feliz’, eu mesma, mas para que possa ser ‘manancial’ abençoador para outros’. ‘Senhor Deus dos Exércitos, escuta-me a oração.’”  (vss 5, 7, 12, 8).

Está na hora de entrar na casa e re-assumir as minhas obrigações e compromissos. Continuo sendo uma mulher fraca e imperfeita mas sei de onde extrair as “forças” que preciso. Sou filha do “Senhor dos Exércitos” e, um dia, vou aparecer “diante de Deus em Sião” (vs 7). Lá, tenho certeza, aves e passarinhos juntos cantarão suaves e harmoniosas melodias em apenas uma de milhões de demonstrações da grandiosidade do Deus que os criou e quem me adotou como sua filha quando cri em Seu Filho Jesus como meu Salvador.

A Ele toda a glória. Amém. Betty

6 Comentários a “Aprendendo com os Passarinhos”

  1. Isia de Oliveira Gueiros disse:

    Betty
    Muito edificante a sua mensagem.Observando a natureza podemos sentir a grandiosidade de Deus.No corre corre do dia não paramos para meditar.Sua reflexão realmente nos faz crescer e amadurecer.Que Deus continue lhe abençoando.
    Sua irmã em Cristo Isia

  2. Cynthia Campelo Schneider disse:

    Betty (e não Beth),

    Maravilhosa lembrança sua do cuidado de Deus para com os seus filhos.
    Deus te conserve e perfeita paz.

    No amor Dele,
    Cynthia

  3. Fatima Pereira disse:

    Betty,

    Que benção suas palavras, me fez recordar um passado muito distante; onde eu pude desfrutar de momentos exatamente assim, em minha juventude. Lembro-me de alguns retiros feitos, organizados pela igreja da qual fazia parte; não sei se é saudosismo, mas me parecia, haver uma certa poesia naquela época, a qual sinto não presente nos dias de hoje.
    Hoje, diante da atual realidade, envolvidas em tantas tarefas, trabalho, mãe, casa e esposa, as vezes nos falta
    oportunidades de estar assim, num lugar, exclusivamente para buscar a presença do Senhor; a sós com ele. Crêio que diante de nossas realidade precisamos urgente, ter esse tempo reservado à sós com o Amado de nossas almas. E assim poder ouvir, mais aguçadamente a voz de Deus falando conosco no silêncio.

    Deus abençõe sua vida,

    Fatima

  4. leciley souza disse:

    olá amada Bett
    É muito bom e chega a ser maravilhoso ler suas mensagens que tanto me fazem chorar.
    Irmã saiba que a senhora muito me tem ajudado com suas palavras.
    Com certeza quando pararmos para olhar as coisas como senhora fez nesta ocasião teremos também esta maravilhosa experiencia com Deus.
    Espero um dia ter também estes momentos como a senhora tem tido como o Senhor.
    Um grande abraço e Deus nosso pai continue a lhe abençoar
    leciey
    manaus 294\2010

  5. Maria José disse:

    Betty

    É verdade. Só sabe o que é o silencio e a presença de Deus aqui, quem tem a oportunidade de conhecer o lugar. É bom saber que de alguma maneira compartilhei para esse momento, espero que você possa te-lo muitas vezes.
    Umuarama – Campos do Jordão – SP

  6. Mical disse:

    Terminei de ler esse artigo com lagrimas nos olhos, EDIFICADA e FELIZ por tão abençoada meditação para o meu dia.
    Deus nos abençoe!

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