O Casamento do nosso Caçula
(Acontecimentos Periféricos)

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Quando minha sogra se mudou para morarmos juntas, em 2007, uma querida amiga em Recife lhe deu um presente de despedida. Eu já escrevi sobre essa amiga antes em http://www.cronicasdocotidiano.com/?p=169 , num trecho perto do fim do artigo quando comentei como uma boa acolhida pode resultar em amizades duradouras e de efeito permanente. Continuei: Tenho uma amiga muito especial que encontrou abrigo no meu coração há 36 anos quando ela me hospedou na sua casa (então em Sergipe), numa viagem que fiz pelo Brasil com meu noivo (atual marido) e futuros sogros em 1971.

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Esta amiga (V…) perdeu a mãe cedo na vida e Mamãe sempre foi uma das pessoas que lhe servia como referencial, ouvindo, aconselhando e orando por ela. Da minha idade, ela agora já assumiu o mesmo papel para parentes e amigos, e a sua espontaneidade, alegria e entusiasmo servem como fonte de encorajamento para muitos.

Pois é, minha amiga tem o dom de se colocar no lugar dos outros e está sempre tentando imaginar como melhorar e animar a sua vida. Assim, há alguns anos, ela comprou um caderno de Sudoku para meu sogro (ela mesmo joga sempre no nível “difícil”), pensando que ele fosse gostar e aguçar a mente com este joguinho de lógica numérica. Ele, entretanto, não se entusiasmou muito com esta atividade em si, mas voltou a fazer palavras cruzadas e domina também múltiplas versões do jogo de paciência no computador (quem aprendeu a gostar do Sudoku fui eu, pois me serve de lazer sem, entretanto, me seduzir demais a deixar outras tarefas de lado).

Mas voltemos ao presente recebido. A V… deu uma linda caixa, cheia de flores e formas recortadas, de papel colorido, típicas de scrapbooking. Mamãe admirou tudo aquilo e se sentiu amada. Tenho certeza que ajudou a suavizar a transição e se o efeito fosse apenas esse, já teria valido a pena.

Os recortes passaram alguns meses dentro da caixa – o que em si já era um objeto de enfeite. Um dia, encontrei Mamãe dividindo todos aqueles recortes por formato e por cor. Depois dobrou um pedaço de papel-cartão colorido e começou a formar um desenho para fazer um cartão com aqueles recortes colados. Ficou muito bonito. Sem querer gastar dinheiro e sem as ferramentas adequadas, ela começou a procurar adaptar aquilo que já tinha em casa para fazer mais cartões.

Logo me vi tirando todas as folhas grossas e coloridas das capas e páginas das revistas da nossa casa. E das propagandas que chegavam. E as ilustrações floridas…. Quase diariamente, deposito algo na sua mesa para ela juntar à sua coleção. Todos na casa já ficamos espertos e logo percebemos quando algo vai servir para a nova atividade de Mamãe/Vovó/Dona Valderez. Por exemplo, quando comprei uns chocolates da Toblerone com a embalagem direcionada ao dia dos namorados (para meu marido no nosso aniversário do casamento), imediatamente vi que as rosas vermelhas poderiam ser aproveitadas por Mamãe na sua confecção (assim compensando ainda mais o custo!) Neste caso, seria uma questão apenas de recortar e colar—já um desafio para as suas mãos que sofrem com a artrite. Eis aqui o belo resultado.

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Os nossos filhos também se interessaram por essa atividade da avó. A Grace comentou com a professora de uma classe de scrapbooking na sua escola e logo chegou com muitas figuras pequenas, coloridas e brilhantes, de variadas texturas, mais os papeis vazados de onde haviam sida tiradas. Darius, lá nos Estados Unidos, (primeiro a pedido da Grace e depois por conta própria) já mandou várias maquininhas para recortar formatos, inclusive um para enfeitar os cantos. Uma delas corta flores bem miúdas. Veja o resultado em cartões que ela fez recentemente com estas florezinhas.

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Já existem uns pacotinhos esperando o aniversário dela no dia 02 de agosto, com mais ferramentas e mais itens úteis, encontrados e comprados por minha irmã e eu, nos Estados Unidos… E Grace acaba de me dizer que está trazendo mais da Alemanha, onde está fazendo o mestrado…

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Estes cartões têm sido enviados para parentes e amigos. Mas o que mais vale à pena é o que vai escrito à mão, nas folhas de papel branco que acompanham os trabalhos manuais. Palavras de ânimo e consolo, relatos engraçados ou interessantes da vida atual, respostas aos pensamentos e perguntas daqueles que lhes escrevem ou telefonam. Sempre com a Bíblia ao lado ela vai, dessa fonte, derivando suas palavras e conselhos. Ontem ela transcreveu o meu esboço do sermão do nosso pastor para uma querida amiga sofrida, completando com explicações e percepções próprias, porque achava que aquilo falaria ao coração de uma senhora idosa e doente.

Esta atividade é quase diária. Mamãe tem escrivaninha própria, mas a luz no quarto de hóspedes é melhor e, todo dia, quando não abrigamos alguém, ela vai para lá e “trabalha”. Quando tem visita, volta à própria mesa ou senta na sua cama em meio às dezenas de caixinhas onde divide e guarda os recortes conforme seus formatos e cores.

A razão que estou contando isto é que hoje ela recebeu um cartão “de volta” da filha da nossa secretária doméstica. Valiosos, nesse cartão também, são tanto o lado de fora como o lado de dentro… Quando cheguei à mesa, pela manhã, Mamãe me mostrou o que havia recebido, dizendo-se tão emocionada que não estava nem conseguindo servir o café direito para Papai…

A menina, de dez anos, passou três semanas morando aqui, juntamente com sua mãe, enquanto viajamos para o casamento do nosso filho nos Estados Unidos, para fazer companhia a Papai e a Mamãe. Tornou-se a sombra de Mamãe, ouvindo as suas histórias e acompanhando e ajudando-a com seus cartões.

Este relacionamento, de carinho mútuo, já havia se formado anteriormente, mas agora ficou fortalecido mais ainda. Durante meses já, Dona Valderez tem compartilhado com ela, nos feriados escolares, como transformar muito daquilo que, à primeira vista, parece lixo, em objetos bonitos e úteis para brincar com suas bonecas ou enfeitar um ambiente. De vez em quando, a sua mãe tem levado coisinhas para casa, enviadas por Mamãe, com explicações e orientações—re-aproveitando recipientes, caixinhas, tampas, laços, papel de presente… Num mundo em que o criativo e inventivo é pouco valorizado, especialmente no ambiente em que ela vive e estuda, Mamãe conseguiu motivar e incentivar esta menina. E hoje chegou mais uma comprovação de que ela entendeu que a ausência de recursos não precisa significar monotonia, feiúra, ou falta de esperança. Que ela é capaz de ir além, sendo transformadora, e transformada.

Mamãe vê nela uma menina talentosa. Admira o modo com que ela desenha. Diz que ela tem um traço livre, não forçado… Que, com orientação, pode ser uma artista, pois tem idéias e talento…

Dentro do cartão, ao lado de sol, lua e estrelas por cima de um morro florido, tem a seguinte mensagem, escrita com muito cuidado.

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Oi, Dona Valderez, muito obrigado pelos presentes que me deu.
Além da minha mamãe, eu nunca conheci alguém tão querida e especial como a Senhora.
Quando estou aí, adoro quando conta suas histórias. Acho muito legal e interessante, e gosto principalmente quando a Senhora me ensina a fazer cartões e ler a Bíblia.

Quando eu vi a primeira vez um cartão da Senhora, eu sinceramente não pensava em um jeito de fazer um cartão, mas agora consegui fazer um, e eu aprendi com a Senhora. Espero que a Senhora goste do cartão.
Desejo uma bela vida para a Senhora e para todos que moram em seu coração. Beijos e abraços de S… e V….

Que Deus possa conceder que a S… seja uma menina, moça e mulher que tenha não apenas o “traço firme”, mas também o caminhar reto, enquanto continua desenvolvendo as suas habilidades e alcançando as suas possibilidades. Que ela possa permanecer, também, sempre atenta aos princípios (extraídos da Bíblia, que está aprendendo a ler) que Dona Valderez tem demonstrado, na sua vida, valorizar e seguir.

Abs, Betty

3 Comentários a “O Casamento do nosso Caçula
(Acontecimentos Periféricos)”

  1. Norma disse:

    Querida Betty,

    Que grande descoberta: seu blog é uma delícia! Preciso tomar cuidado ao vir aqui, pois sinto que poderia ficar horas lendo, sem sentir o tempo passar… 🙂

    Parabéns pelos belos textos, que mostram não só uma infinita delicadeza de alma, mas sobretudo uma sensibilidade toda especial para com as pessoas – algo que só pode vir das mãos amorosas de nosso Deus.

    Grande beijo a você e a sua família!

  2. Maria Alice disse:

    Olá, Betty!

    Encanta-me o diálogo entre duas gerações tão distintas! Em três semanas, Dona Valderez foi sábia em incutir no coração de uma menina, lições de sabedoria: – aproveitar o tempo – valorizar aquilo que tem em mãos – respeitar os mais velhos – amar a vida… Também, essa mesma menina, com a boa educação que recebeu de sua mãe, soube valorizar a doce companhia e toda a bagagem vinda com ela.
    A vida é bela! Cheios do Espírito Santo podemos frutificar, semear e fazer diferença onde quer que estejamos.
    Um abraço carinhoso, a todos os personagens desse texto: ” O Casamento do nosso Caçula ( Acontecimentos Periféricos ),

    Maria Alice

  3. Isia Gueiros disse:

    Betty e Valderez
    Foi com muito carinho e saudade que lí o seu comentário sobre os cartões floridos de Valderez.Eu mesma recebí um quando aí estive em maio e o conservo bem guardado na gaveta do meu criado mudo.Que bom ela está transmitindo esse seu dom para a sua amiguinha.Tenho caminhado online pelo seu site e aprendido muito.Lí tudo sobre o casamento, viagem,etc
    Espero está aí em novembro para acompanhar Adriana e a chegada dos meus netinhos.Até agora tudo está correndo normalmente.Continuem orando.Bjs Isinha

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