Conte Comigo (Resenha)

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Wanda de Assumpção, CONTE COMIGO: O Valor da Mulher como Ajudadora (São Paulo, Editora Mundo Cristão, 1998) 212pp.

(O material grifado faz parte do meu texto original mas não aparece na Publicação)

Wanda de Assumpção atua há muitos anos como uma excelente tradutora —especialmente de livros relacionados com o casamento. Em Conte Comigo ela associa o seu conhecimento acadêmico com uma grande riqueza de experiência em seus mais de quarenta anos de casamento e trabalho de aconselhamento. Este livro segue dois outros sobre a família (…E os Dois Tornam-se Um e …E Deus Fez a Mulher), também publicados pela Editora Mundo Cristão.

Dirigindo-se especificamente às esposas, a autora começa por mostrar a situação caótica da sociedade atual e algumas razões para o crescente número de lares desfeitos no Brasil e no mundo. Nota que os homens estão abandonando suas responsabilidades tradicionais de “construir, economizar, proteger, planejar e prosperar para o bem da família” e estão dispersando seus esforços na gratificação de desejos sensuais. As mulheres, apesar de todas as suas conquistas econômicas, profissionais e legais, se encontram mais infelizes, mais estressadas, menos realizadas… Qual será o problema? Com compaixão, ela convida a mulher que se sente tão freqüentemente “desvalorizada, pouco apreciada e até menosprezada” a voltar aos “padrões de Deus” no seu relacionamento conjugal.

Um dos pontos especiais deste livro é que a Wanda de Assumpção apresenta os mesmos versículos que as mulheres tanto ouvem sobre o seu papel no casamento, mas partindo de uma perspectiva diferente. Em vez de que começar com a queda do ser humano e a condenação e o castigo da mulher, ela volta ao início da humanidade—para a criação de Eva. Deus declarou que não era bom para o homem estar só e então fez-lhe uma ajudadora (ezer) idônea (Gênesis 2.18,21). A tese da autora é que mulher e homem se realizam quando procuram voltar a esta vontade inicial de Deus para eles. Ambos foram criados basicamente dependentes, diferentes e complementares. A mulher foi planejada e criada pelo Deus de amor e compaixão, de maneira toda especial, para desempenhar um ministério especial—o de ajudar ao homem na sua missão de ser fecundo, multiplicar-se, encher a terra e sujeitá-la (Gênesis 1.28). O homem precisava (e precisa) da mulher para ser feliz e para realizar a sua missão na terra. Ao redescobrir e aceitar a “profundidade, abrangência e transcendência do seu papel de ajudadora”, a mulher se liberta e se realiza. Enxerga oportunidade em lugar de obrigação. Deixa de competir para complementar. Ser mulher é um privilégio que pode ser um prazer. É uma nobre missão.

Do capítulo 3 em diante, Assumpção explica o que significava ser ezer na Bíblia e por que o homem continua precisando de uma. Ela então apresenta as principais características deste ser que precisa de ajuda. Trata da sua masculinidade, da sua força física e sexualidade, da sua mentalidade e das suas emoções. Trata também do machismo, que define como o avesso da masculinidade. Ajuda a mulher a entender melhor quais as características do seu marido que foram planejadas por Deus como qualidades masculinas e quais as que são distorções daquilo que Deus pretende. Depois procura ensinar como a mulher pode e deve lidar com ambas. Mostra, utilizando pesquisas de reconhecimento mundial, bem como ilustrações da vida real, quais as áreas nas quais homens e mulheres “percebem a realidade por prismas diferentes”. Destaca especialmente as profundas diferenças nas áreas de realizações (homens) e de relacionamentos (mulheres).

Partindo do conceito que o casamento é um compromisso (um pacto) baseado numa decisão e não em sentimentos frágeis e instáveis, Assumpção volta ao relato da criação para esclarecer normas para o comportamento dos cônjuges, interpretando o deixar pai e mãe em termos de independência física, econômica e emocional de modo consciente e voluntário. O propósito divino é a união (os dois uma só carne—Gênesis 2.24) “onde as diferenças trarão enriquecimento e complementação”.

A autora entrega à leitora “a chave” da mudança da sua realidade sem prometer milagres. Esta se encontra em Efésios 5.33 no respeito que ela deve ao seu marido. O capítulo sobre submissão é escrito com cuidado e compaixão, ciente que, neste mundo de pecado, muitas mulheres terão que perseverar sem receber a contrapartida masculina do amor sacrificial ordenado nos versículos bíblicos que seguem imediatamente à exortação às mulheres. Ela conclama as esposas a uma entrega total à vontade de Deus. O casamento deve melhorar mas, se não, pode-se ter paz e deixar isto aos cuidados do Pai celestial. Ele pode e vai satisfazer as necessidades mais básicas de amor e propósito “mesmo que ainda sintamos o tremendo vazio que fica quando nosso marido não nos amar nem nos apreciar como desejamos, e nossas circunstâncias não forem como gostaríamos que fossem”.

Os últimos capítulos se dedicam inteiramente a áreas específicas em que as esposas podem servir a Deus ajudando a seus maridos—na construção do lar, nas finanças, na comunicação, nos relacionamentos e na vida espiritual. Ela dá exemplos práticos do dia-a-dia conjugal que serão reconhecidos de imediato pelas leitoras como parte da sua própria experiência. Fornece avaliações convincentes da realidade ou da legitimidade das diferenças que podem surgir e outras que devem esperar. De maneira perspicaz e animadora, oferece sugestões para lidar e conviver com essas diferenças, na esperança de poder ajudar a mulher a evitar “confrontos ou desgastes desnecessários no relacionamento conjugal” e a reanimar e revitalizar o casamento para a glória de Deus, a felicidade da família inteira e o bem da sociedade em geral.

O livro enriquece a todas as esposas, até as bem casadas. Para mim, pessoalmente, significou um desejo maior de evitar que o desenvolver dos meus próprios talentos e serviço a Deus (ainda quando estiverem sendo incentivados e apreciados por meu marido) tome precedência sobre o constante apoio que devo a ele, procurando fazer com que os benefícios dos dons dele nunca cheguem a ser prejudicados ou propositadamente ofuscados pelos meus. Também gostei da sugestão de dedicar cinco minutos por dia a oração por ele, utilizando versículos diferentes, começando por Colossenses 1.9-11. Da mesma forma, foi gostoso confirmar e celebrar com ele as diferenças entre nós que Wanda De Assumpção aponta com tanta perspicácia.

Mas é exatamente através dessa minha conscientização maior das diferenças legítimas que existem entre nossa maneira de ser e de perceber, que descubro uma limitação no estilo do livro. Ele foi escrito um pouco demais do modo que meu marido prefere—seus pensamentos saem de maneira lógica, sucinta e concisa, quase sem desperdício de palavras. Como boa didata que é, ela ainda colocou um pequeno resumo no fim de cada capítulo. O meu lado lógico, que tento desenvolver sempre, consegue valorizar este aspecto. Mas não é isto que mais aprecio num livro. Eu gosto mesmo quando ele é permeado de histórias e ilustrações, de exemplos da vida real, que podem me emocionar e com os quais posso me relacionar. São estas que me atraem e prendem, e é através delas que me situo e aprendo. As ilustrações da Wanda são convincentes e relevantes; elas comovem, alertam, inspiram, … Mas são poucas, especialmente na primeira metade do livro e, infelizmente, num país onde ainda são poucas as senhoras evangélicas que apreciam a leitura, temo que muitas possam folhear as páginas e resolver adiar a absorção destes conceitos tão preciosos para uma futura ocasião. As ilustrações, portanto, poderiam ter sido mais abundantes, uma vez que as mulheres são o principal público-alvo.

Conte Comigo é um presente ideal de mulher para mulher. Pode servir também como presente da igreja no casamento de uma jovem, contanto que o noivo venha a receber seu próprio guia de comportamento conjugal (por exemplo, livros como Homem e Mulher de Piper e Grudem, pela Editora Fiel, ou o da própria autora, ….E os Dois Tornam se Um, da Editora Mundo Cristão). O visual de Conte Comigo é atraente, desde a capa até o tipo e o tamanho da letra. Já o presenteei a várias mulheres, por razões diferentes. Uma destas se alegrou muito ao receber um buquê de flores do seu marido pouco demonstrativo (e descrente) no Dia das Mães. Aparentemente, foi resultado da interpretação entusiasmada que lhe havia dado sobre o significado que enxergava na capa enquanto ele a examinava. Para ela parecia uma confirmação divina da validade das suas novas intenções. Sinto também que a aceitação, por parte das senhoras que já leram o livro, dos princípios apresentados pela autora se deve, em grande parte, ao fato de ela mesma ser mulher—alguém que fala daquilo que tem enfrentado e verificado pessoalmente e quem, em vez de beneficiar-se pessoalmente dos conceitos (como um homem poderia fazê-lo), precisou de coragem para re-apresentar princípios atualmente tão estigmatizados e polêmicos.

Os pastores podem, também, encorajar a liderança feminina da igreja a estudar e divulgar o livro. Mas devem evitar, a todo custo, que um homem o dê à sua esposa pessoalmente. Parecerá uma cobrança e ele perderá a grande bênção de um apoio oferecido carinhosa e espontaneamente. Melhor seria ele mesmo ler o livro pois encontrará nele muitos dados e dicas valiosas para si próprio e perceberá melhor o quanto a sua esposa pode sofrer quando ele não cumprir a sua parte do pacto assumido diante de Deus. Assim, o esposo, poderá se conscientizar, igualmente, dos versículos que lhe competem, e reassumir a liderança amorosa do seu lar, fazendo com que a vida da sua mulher seja tão feliz quanto a que a Wanda De Assumpção pretendeu lhe proporcionar com a escrita do livro.

Conte Comigo merece seguir o caminho inverso da maioria dos livros que se encontram nas nossas prateleiras evangélicas. Merece ser traduzido para o inglês e distribuído no exterior.

Elizabeth Zekveld Portela
Resenha publicada em Fides Reformata, Vol IV, Nº 1, Jan-Junho 1999, pp 184-187
(O material grifado faz parte do meu texto original mas não aparece na Publicação)

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