Uma Carta de Natal

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Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é mister socorrer aos necessitados,e recordar as palavras do próprio Senhor Jesus: Mais bem-aventurado é dar que receber. –Atos 20:35
Carta de Natal

São Paulo, 29 de dezembro de 2000

Amada Família:
Mais dois dias e o ano acabou. Antes que os detalhes fujam, preciso contar como foi a nossa programação de Natal, conforme lhes escrevi anteriormente. Vou recapitular o que aconteceu, porque não sei se escrevi tudo para todos.

O começo foi assim. Uma amiga americana me ligou, em setembro, e perguntou se eu conhecia algum orfanato que teria interesse em participar do ministério Shoebox. Isso quer dizer caixas de sapatos vazias, que uns americanos enchem com objetos para crianças pobres, no Natal. Descobri que os orfanatos que eu conhecia ou não estavam mais funcionando ou achavam que já tinham apoio suficiente. Uma pessoa até me falou que tais caixas continham apenas materiais escolares e coisas que crianças não valorizavam (lápis, cadernos simples, meias…)

Desanimei e telefonei à amiga dizendo que não havia encontrado nenhum orfanato. Pronto… Assunto encerrado… Foi o que pensei… Mas, naquele mesmo dia, recebi uma visita desesperada do marido de uma moça que conhecemos há uns sete anos. Lúcio não consegue se manter em nenhum emprego. A conseqüência é que Rosa e os seus três filhos pequenos ficam tendo que mudar de casa (muitas vezes é só um quarto) e passam necessidades. Comecei a pensar naqueles menininhos de olhos grandes, ainda inocentes, e como eles brilhariam se tivessem um Natal especial. Será que Deus poderia estar indicando outro alvo para a boa vontade daqueles americanos?

Também lembrei das necessidades de famílias que moram na vila que beira o córrego perto da nossa casa. Quatro delas já são da nossa igreja e, como vocês sabem, temos participado do seu discipulado e acompanhado as suas lutas. Uma família juntava dinheiro para construir a sua casa. Uma mãe tentava sustentar as filhas sozinha. Duas outras esperavam bebê e não podiam mais trabalhar fora. Eu tinha certeza que todas estas famílias iriam ficar contentes, mesmo que fosse somente com materiais escolares.

Perguntei a Neto[*] se ele concordava que eu fosse “mediadora” entre os doadores americanos e as famílias que nós conhecíamos. Ele achou que era uma boa idéia. Dentro de poucos dias, o contato havia sido estabelecido com uma família cristã no estado de Texas (mãe e duas filhas adultas). Preparei uma lista com os nomes e idades dos 3 filhos da Rosa, dos oito filhos das quatro famílias mencionadas e de mais nove crianças de pessoas sendo evangelizadas por estas, da mesma rua. Mencionei ainda os dois bebês que iriam nascer e fiz algumas sugestões.

Um casal, amigo da família do Texas, visitou São Paulo e esvaziou, bem no meio da nossa sala, duas malas enormes com sacos plásticos cheios, todos já com os nomes das crianças. Nao tiveram problemas na alfândega e nem pagaram excesso de bagagem! Eu estava sozinha com o Timóteo [**]. Abrimos cada saco e imaginamos, entre risos, elogios e lágrimas, a reação do futuro dono daqueles objetos. Ficamos super alegres com a quantidade e a qualidade dos presentes—novos e modernos. Cada saco continha várias roupas (“da hora”—disse Timóteo), 3 ou 4 brinquedos, meias, balas, chicletes e adesivos, além do já esperado material escolar… Também vieram duas sacolas cheias de coisas fofinhas para os futuros bebês.

Agora era a nossa vez de planejar. Chamei as quatro mães cristãs e discutimos qual seria a melhor maneira de entregar os presentes. Elas ficaram encantadas e, daí em diante, aquilo tornou-se um maravilhoso projeto conjunto para evangelizar parentes e vizinhos. Resolvemos que a entrega dos presentes seria na conclusão de uma programação especial no quintal da nossa casa na sexta-feira à noite, dia 22 de dezembro. Convidaríamos as crianças, bem como os pais e avós.

Desde então, comecei a dormir e acordar pensando neste evento. Ouvi o coral de sinos da classe de Timóteo tocando no programa da sua escola, criei coragem e perguntei à líder se eles poderiam tocar na nossa programação. Ela topou! Quando minha amiga Mikako soube que eu planejava pedir caixas de sapato vazias, ela me trouxe caixas novinhas da sua fábrica de chocolate com brilhantes folhas de papel! Dois problemas a menos!

Convidei os filhos mais velhos das “moças” [***] para ajudarem. Lia e Jasmin, Douglas e Tanya vinham quase diariamente trabalhar com Timóteo. Creio que a participação nestas preparações valeu muito para eles. Juntos, criaram convites para 18 famílias, recortando e colando coisas guardadas há anos—papel vermelho, cartões de Natal antigos. Com entusiasmo, fizeram a decoração da casa toda, penduraram luzes nas árvores e nas janelas do quintal, arrancaram o mato da grama, enfileiraram umas plantas de Natal na entrada da casa, lavaram as cadeiras e mesas externas… O que mais gostaram foi ajudar a colocar os presentes nas caixas e a embrulhá-las (não deixei que fizessem os próprios pacotes, é claro). Eu descobri que existiam três crianças nas famílias convidadas que não estavam na lista. Seria uma grande tragédia se elas fossem omitidas e, assim, fizemos uma redistribuição das coisas mais simples e comprei algumas coisas que ainda faltavam.

No dia do evento, pegamos 50 cadeiras emprestadas, colocamos os sofás da sala na garagem e abrimos um espaço maior num dos quartos. Era uma espécie de “Plano B”—se caísse a chuva de sempre. Lá para as quatro horas da tarde, tudo escureceu. Ficamos bem tristes. Mas apenas alguns pingos caíram, e O SOL VOLTOU! Timóteo e os jovens arrumaram as cadeiras e empilharam os presentes numa mesa em forma de árvore de Natal. Dentro de casa, outras mesas ficaram repletas. Tínhamos bolinhos e biscoitos natalinos feitos pelas crianças e por suas mães nos dias anteriores. Haviam também preparado sanduíches e brigadeiros. O refresco vermelho seria misturado com soda limonada, tudo guarnecido com pratos e copos verdes e vermelhos. Mikako também havia mandado trufas embrulhadas nas cores de Natal.

Timóteo imprimiu e pendurou as fotos das senhoras do Texas (recebidas por e-mail). Preparamos os programas com os hinos. Alguns do coral arrumaram a mesa com os lindos sinos dourados sobre uma toalha vermelha. Me refugiei no quarto para reler a palestra que havia preparado para os adultos, sentindo a grande responsabilidade. As moças e eu havíamos orado para que a mensagem da vinda de Cristo e da necessidade de todos os presentes de reconhecê-lo como Salvador sobressaísse claramente em meio à beleza e alegria que estávamos tentando criar e transmitir.

Primeiro parecia que poucos viriam mas, finalmente, começaram a chegar em grupos. As crianças sentaram no chão, curiosas e alegres, de olho naquele monte de caixas coloridas no canto do cenário. Brasileiramente, começamos com uma hora de atraso. Uma flauta acompanhou o coral de sinos—era algo que poucos haviam visto. Cantamos com esse acompanhamento. Contei a história da queda de Adão e um vizinho leu a história de Natal diretamente da Bíblia enquanto eu mudava os cartazes com as cenas (uma das “minhas moças” havia me falado que elas adoraram quando fiz a mesma coisa no primeiro Natal do seu discipulado. “D. Isabel,” ela me explicou, “A senhora tem que contar isso de maneira bem simples—como se fossem crianças.”) Concluí descrevendo a vida perfeita, a morte e a ressurreição de Cristo por sua igreja, por aqueles que viriam a crer nele. Enquanto isso, as crianças ficaram na garagem do outro lado da casa com uma amiga, missionária da APEC, que havia enfrentado um trânsito horroroso. Dois amigos filmaram e fotografaram tudo.

Anderson, um dos pais (já é diácono na nossa igreja) encerrou o culto com oração. Foi bonito. Meus assistentes jovens distribuíram um panetone e a revista Lar Cristão para cada família. As mães organizadoras resolveram que o lanche seria antes dos presentes e fizeram a distribuição. Depois instruíram as crianças pequenas a ficarem junto dos pais (ou avós) para receberem os presentes. Foi uma festa! Alguns rasgaram até a caixa na ansiedade de ver o conteúdo. Os pré-adolescentes também sorriram quando finalmente receberam suas caixas e, especialmente, os lindos relógios de pulso que também continham. Todos estavam muito gratos e demonstraram isso.

E aqueles 3 irmãozinhos do começo do meu relato? Rosa ligou durante o programa para avisar que seu esposo havia sido atropelado e estava no hospital. Insisti, mesmo assim, que ela viesse de taxi e nós pagaríamos. Os menininhos ficaram deslumbrados com tantas coisas, só para eles. Depois Neto e eu fomos levá-los em casa. Dirigimos por quase uma hora—em ruas esburacadas e sombrias—até o lugar em que estavam morando, nos fundos de uma casa. A descida era tão escura e íngreme que não tive coragem de acompanhá-la para ver sua moradia. Voltei de lá triste, sabendo que, humanamente falando, as chances são poucas de que aqueles meninos tenham uma vida feliz. Mas sabemos que o nosso Deus é poderoso e peço que esta demonstração de amor possa servir como um dos passos no plano dele para redimir aquela família.

Ao chegar, encontramos a casa toda arrumada—as famílias já transformadas por Cristo tinham colocado tudo de volta nos seus lugares. Fui dormir, agradecida a Deus e àquelas três senhoras do Texas pela iniciativa que havia resultado em bênçãos, tanto para as famílias que vieram até a nossa casa, como para nós.

E assim foi essa nossa experiência. Vou parar por aqui… Um Feliz Ano Novo para todos!

Beijos da sua irmã, tia, mãe e filha
Isabel

Elizabeth Zekveld Portela
Publicado na SAF em Revista, 4º Trimestre / 2001

*Neto—marido de Isabel
**Timóteo—filho caçula da família
***moças—as jovens senhoras discipuladas por Isabel

Um Comentário a “Uma Carta de Natal”

  1. rosangela /rosa disse:

    EU sou a Rosa da história,meu marido saiu bem do hospital…somos evangélicos tivemos mais uma Filha e lutamos POR nossos tres filhos de olhos grandes e brilhantes q estao afastados dos caminhos do Senhor…mas cremos na palavra q diz:EU e minha casa serviremos AO Senhor…obrigada!

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