A Minha Vida Ficou mais Florida (7)

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Nesta postagem, transcrevo novamente uma parte do texto que minha sogra escreveu para os netos e intitulou “Memórias de uma Anciã”. Na narrativa de hoje, há uma enorme descrição dos jardins que encontrou na fazenda de membros de uma igreja pastoreada pelo pai. Nem sei se meus filhos chegaram a ler cada nome na relação das plantas que enfeitam as lembranças da sua avó até hoje, pois não reconhecem grande parte delas. Mas, de certo, eles estão bem convencidos que a beleza da natureza é um presente de Deus para nós. É necessário, apenas, que abramos os olhos para percebermos os multiformes aspectos e nuances desse mundo maravilhoso. Eis o texto dela:

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Fazenda Fandango

Talvez eu já tenha falado da família de um dos presbíteros da Igreja Congregacional de Pirauá — O Sr Manoel Gomes de Andrade (“Seu” Neco). Este era um homem calmo, casado com D. Júlia Araújo de Andrade, (…). A fazenda pertencente ao Sr. Neco, chamava-se “Fandango” (a palavra fandango significa dança alegre e sapateado; baile popular, ao som da viola, folia). Era fazenda de café, muito grande (….).

Na Fazenda Fandango o mundo parecia diferente: as flores eram cultivadas, por toda parte…

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Roseiras de todo tipo e espécie, dálias, trepadeiras — madressilva, jasmins São José, cera e laranja; resedás, sorriso dos anjos, orquídeas, lírios, avencas, bambus, sorriso de Maria, bolsa de pastor, trepadeiras as mais variadas — estrelinhas, flor da noite, boas-noites e bons dias, beijos, sapatinhos de princesa, etc, etc. “entrada-de-baile”, araras, “parece-mas-não-é”, açucenas, saudades, crisântemos, cravos, cravinas, violetas, “amor-de-homem”, “eu-e-tu”, “copos-de-leite”, e folhagens especiais, além das grandes árvores floridas, na época do Natal — “paus-d’arcos”, roxos e amarelos, que “incendiavam” o mundo com o seu odor… Jasmins “a vapor”, “rainha-dos-prados” ou primaveras “buganvilles”, etc, etc, etc.

Se juntarmos a isso tudo as mangueiras em flor, os cajueiros, os girassóis, as begônias, as laranjeiras e o cafezal em flor! Que lindeza de cores tão variadas e perfumes fortes e suaves que, numa mistura quase insana, porém deslumbrante, tomavam conta dos nossos sentidos, enchendo-nos de admiração e emoção e alegria, prazer! Cantávamos hinos, corríamos, brincávamos, riamos e agradecíamos a Deus por tanta bondade, por ter feito árvores e flores tão belas… Eu ficava estonteada com a beleza das flores delicadas e perfumadas, com a diferença do verde, do azul, do roxo; com o dourado dos “botões-de-ouro”, ou com o vermelho aveludado das “cristas-de-galo”…

E a paisagem que nos oferecia aquela fazenda? A Casa Grande ficava no alto. A entrada, na frente, era ladeada de “flores nobres”, cujos nomes já nem me lembro agora. Eram do tamanho de arbustos, brancas, sem cheiro. As folhas eram verde-escuras, grossas. Dois tipos de flores: umas pareciam feitas de cambraia, quase transparentes, as pétalas sobrepostas, como se fosse, cada pétala, franzida — ficava uma flor frocada, meio transparente.

A outra planta era também um arbusto, que se cobria de uma florzinha simples, de cinco pétalas brancas, lisas sem odor, mas era também bonita. E as folhagens que chamam de “arara” ou “tapete” (são folhas coloridas de cada cor — vermelhas, amarelas, roxas, marrons, mescladas, verdes etc, etc: são muito bonitas)! Enchiam os canteiros.

O aspecto da entrada era esplêndido! Uma trepadeira especial, a madre-silva — a sua cor é creme, pétalas, compridas, estreitas, simples, mas muito perfumadas, ela ia por todos os lados da casa, ao longo dos largos alpendres. Nos alpendres havia cadeiras e bancos para terraço.

Alí, nós crianças (já éramos, então, adolescentes) brincávamos jogando dominó, “ruck”, baralhos, etc. Riamos muito, contávamos nossas confidências uma às outras, as nossas aventuras, andando no meio do mato, com cobras, com ovelhas bravas ou com patos correndo atrás de nós… (Valderez)

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Ao ler estes trechos, você pode talvez pensar que Dona Valderez sempre viveu num mundo idílico, paradisíaco, em meio a paisagens exuberantes e frutíferas… A realidade era outra! Os lugares que se destacam nestes escritos eram exceções. Constituíam-se pontos altos na sua vida. Mamãe cresceu no nordeste brasileiro, em meio a terras áridas, a secas, fomes, pragas e pestes. Ver sofrimento e enterrar gente fazia parte do seu dia-a-dia… Não eram realidades que apareciam apenas de vez em quando, ou com as quais ela tomava contato através de noticiários ou nos livros…

Creio que foi por esta razão que as belezas naturais que observava (e, às vezes, desfrutava) ficaram tão gravadas na sua memória; pois havia um grande contraste entre os dois mundos em que ela se movia. No primeiro, representado por parentes e amigos dos seus pais, havia pessoas instruídas e cultas, que podiam pagar para encher e cercar seus lares com objetos e invenções bonitas, artísticas, interessantes e úteis e, também, com belos jardins. No outro, predominavam ignorância, pobreza, fome e feiúra e as pessoas raramente sabiam aproveitar ou cultivar de maneira criativa os materiais e as plantas que poderiam até ter à mão.

“Mamãe” fez parte de uma família com muitos filhos onde sobravam poucos recursos, pois grande parte do ministério dos pais era o de aliviar a fome e a miséria das pessoas que lhes cercavam—tanto a material quanto a espiritual. Eles viam as pessoas como seres integrais e não podiam cuidar do destino das suas almas sem preocupar-se também com as suas carências físicas. No caso da jovem Valderez, ela soube apreciar e respeitar a decisão do pai para viver onde havia necessidade. Nem todos os irmãos tiveram a mesma reação. Nem sempre é fácil os pais passarem o seu senso de missão para os filhos—especialmente quando isto implica em certas privações.

Percebo que “Mamãe” logo aprendeu a apreciar e valorizar cada momento, evento ou objeto especial como um presente de Deus. Tornou-se capaz de gostar de ver (ou de ter visto), sem precisar de ter para ser feliz—algo que lhe beneficiou durante o restante da sua vida.

Betty

3 Comentários a “A Minha Vida Ficou mais Florida (7)”

  1. Denise kuhlmann disse:

    Querida prima Betty:
    Quedé muy emocionada de esta publicación ya que mamá siempre me hablo de “Seu Neco” y “Dona Julia”, de Mario, Donzinha, Natalia…y otros hermanos, de la Fazenda Fandango, donde ella iba a pasar las vacaciones al volver del colegio Agnés. Me contaba tambien del “Azude” donde había peces para pescar, de los cafesales, de los “cangaceiros” que pasaban en caravanas por ahí, también de las madreselvas en flor. En casa de mamá tabién había madreselvas y cada vez que estaban en flor mamá me decía que se acordaba de “Na Julia” como ella la llamaba. Si puedes enviarme mas de esas reflexiones de Tia Valderéz me hacen recordar mi niñés y las historias que mamá me contaba.

    Con mucho cariño Denise

  2. Betty Portela disse:

    Querida prima Denise:

    Que bom ver que você conseguiu acessar o blog! Mamãe ficou contente de falar com vocês no aniversário de Tia Abigail. 95 anos! Aqui ela vai fazer 85 em agosto, o Senhor Deus permitindo, e já acha que é muito. É pena que as duas nunca mais puderam se ver. Creio que já vai para 70 anos de comunicação por escrita ou telefônica. Ainda assim, todos nós lhes consideramos “família”, especialmente desde que seu primo e eu pudemos lhes visitar. Ainda mais gostoso é saber que somos irmãs no Senhor, nós, você, sua mamá e suas quatro filhas.

    Li sua carta com Mamãe. Ela ficou bem contente. E complementou que “Abigail foi professora lá”, dizendo que a família construíu uma escolinha para ela ensinar aos meninos e aos vizinhos da fazenda para prepará-los para ir para os Colégios Quinze e Agnes. Ela também ficou entusiasmada com a lembrança das madresilvas. São flores muito “feínhas” mas muitíssimo cheirosas, de acordo com ela. Trepadeiras que se penduravam no alpendre ao redor da casa. E, sim, Abigail chamava “Na Julia” com Dona Julia.

    Falaremos mais, depois.
    Abs da prima, Betty

  3. OUTRA APRECIAÇÃO

    Manoel Gomes de Andrade foi uma das colunas fortes na longa história da centenária Igreja Evangélica Congregacional de Pirauá. Presbítero dedicado, zeloso tesoureiro e prestativo superidentente da Escola Bíblica Dominical, deixou, juntamente com a sua esposa, Dona Júlia, um exemplo de fé e coragem para as novas gerações. Amigo dos pastores, hospedava em sua casa, “num quartinho reservado para os profetas”, quantos ali chegassem para cooperar com o serviço evangélico. Uma de suas filhas, Dra. Donina Amélia Pereira de Andrade, fundou e dirigiu, por muito tempo, duas importantes revistas evangélicas: VIDA CRISTÃ, periódico das mulheres congregacionais do Brasil e RAIO DE LUZ, em propaganda do avivamento espiritual. Faleceu, há poucos anos, nas dependências do Instituto Bíblico Betel Brasileiro, em João Pessoa, com a idade avançada.
    No ano em que se festeja o primeiro século de organização da Igreja Evangélica de Monte Alegre, depois transferida para Pirauá, a nossa homenagem a essa ilustre família!
    Júlio Leitão de Melo Neto, pastor residente em Campina Grande, PB.

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