A Minha Vida Ficou mais Florida (2)

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Na minha última postagem (aqui) escrevi como a percepção da minha sogra, sobre as belezas da natureza ao longo da sua vida, tem colorido as suas lembranças (e enriquecido a nossa vida também). Em resposta à insistência dos netos para registrar suas memórias, Vovó Valderez (ou Delei, como é chamada carinhosamente), entregou-lhes um livro que intitulou “Memórias de uma Anciã”, no fim de 2004.

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(Detalhe de Quadro Pintado por Meire Santos)

Hoje estou compartilhando com você uma das suas recordações. Preste atenção à maneira em que os aspectos da natureza embalam os lugares e os eventos. Vou deixar os nomes das pessoas e dos locais como estão, pois pode haver algum descendente ou remanescente deste período, ou morador destas regiões, que irá gostar de poder revisitar o passado através dos olhos dela… (não há, obviamente, garantia de 100% de exatidão, já que ela nunca se propôs ser uma biógrafa ou historiadora…)

O SÍTIO SERRA VERDE
Região da Caatinga, na Paraíba

Aos cinco ou seis anos de idade guarda-se no coração e conserva-se na memória, pelos anos afora, aquilo que mais admiramos, ou o que nos agradou, nos deslumbrou…

A nossa família veio da cidade de Jaboatão – PE (hoje Jaboatão dos Guararapes), para morar em Serra Verde. Meu Pai foi enviado para pastorear a Igreja Congregacional de Campina Grande, PB, não deixando, porém, a sua igreja em Jaboatão, onde residia, até o Rev. João Ximenes recuperar-se. Era então Pastor da Igreja de Serra Verde o Rev. Júlio Leitão de Melo, conceituado Ministro do Evangelho. A prole deste servo de Deus era grande e já necessitava de escolas melhores. Assim ele teria de ir para outro campo onde seus filhos pudessem estudar em bons colégios. Os filhos de meu pai eram menores em idade e número e poderiam esperar mais um pouco para cursarem um colégio. Assim meu pai deixou tudo em Jaboatão e veio assumir uma igreja na zona rural.

Nada me recordo da viagem, de Jaboatão até Serra Verde, mas lembro-me que havia homens esperando por nós, com alguns cavalos selados e outros com cangalhas, prontos para carregarem cargas pesadas. Tudo era um pouco estranho para mim. Talvez eu tivesse dormido, no trem que nos trouxera, e acordado afim de ser levada nos cavalos. Não me lembro. Sei, porém, que até hoje há uma pequena cidade chamada Mogeiro e mais adiante uma cidade maior chamada Ingá, na Paraíba (e os trens passam por lá).

Aqueles homens, altos, brancos, com rostos tostados de sol, alguns com chapéus de couro, eram autênticos vaqueiros… Eles eram crentes e vieram esperar e ajudar o Pastor, na sua mudança.

Rumamos para a nossa nova morada: “Serra Verde”. A estrada era larga, empoeirada. O sol estava forte, andamos a cavalo por muito tempo até chegarmos num caminho ladeiroso, em direção àquela colina que avistamos ainda distante. De longe víamos o telhado de uma grande casa e, por trás da mesma, uma enorme pedra, um lajedo, cobrindo a montanha…

Aquela vista, aos meus olhos infantis, era como uma coisa misteriosa… Subimos a ladeira aos poucos, naquele largo caminho ladeado de pés de buganvílias cobertos de flores vermelhas, quase nos ofuscando a vista, com um sol tão forte brilhando, naquela exuberância de luz e cor, um verde do capim e das ervas alastrando-se ao longo do caminho, cobrindo a terra vermelha que o circundava… Era uma paisagem lindíssima! Não somente embelezava aquela grande casa branca, com janelas verdes, mas deu, àquela menina magrinha e sonhadora, a idéia exata do que era beleza e do que lhe agradava… Meu coração batia forte e feliz!

Toda área, ao redor da casa, era de chão batido, espraiando-se, convidativamente, a mim e aos que ali chegassem cansados de suas longas viagens, a um descanso bem merecido e, às crianças, a uma boa brincadeira em lugar tão aprazível. Dias felizes passamos naquela acolhedora morada. Quantas aventuras os meus irmãos meninos gozaram ali!

Todos que chegavam à nossa casa eram muito bem-vindos. Subiam os degraus do alpendre até a larga porta e meus pais os recebiam com abraços sinceros e minha mãe com muita alegria. Ela levava as crianças recomendando não fazer muito barulho, em suas brincadeiras, para não atrapalharem a conversa dos adultos que ficavam na sala de visitas com meu Pai que, aos colegas e irmãos na fé, ele os chamava de “meu Mano”… Éramos pobres, mas ricos…

Minha mãe ia cuidar de lhes oferecer um lanchinho de frutas, doces e bolos… “até sair o almoço”. Água fria, doce…. doce… vinda do tanque lá da serra… (esqueci-me de dizer: a colina rebrilhava ao sol, pois era coberta de pedra. Em cima da pedra havia tanques naturais, onde a água da chuva caía, Uns tanques eram grandes, outros menores, alguns redondos, com variedade de profundidade, outros retangulares, com um metro, oitenta, cinqüenta centímetros. Alguns pareciam panelas. Ali naquela grande pedra com suas grandes e pequenas “tigelas”, “panelas”, ou “tanques”, estava o nosso reservatório de água potável (água de chuva), limpa, “doce”, e bem cuidada… era o nosso armazenamento de águas vivas de um inverno até o outro. Antes das chuvas caírem limpavam-se os tanques, cobriam-se com tampas de madeira. Varria-se a pedra toda, com muito zelo e cuidado. Chamavam-nos também de “caldeirão”).

Aos hospedes eram oferecidos banhos com aquela água fresquinha, vinda dos tanques e colocadas nos banheiros ao lado da casa e, depois, as redes eram armadas no alpendre para uma soneca…

Olhava-se de cima e via-se, naquele quase sertão, as árvores floridas e frutíferas — mamoeiros, abacateiros, laranjeiras, goiabeiras, cajueiros, melancieiras, cajazeiros, pitangueiras, pinheiros, jaboticabeiras, umbuzeiros, jaqueiras, melões, romães, e até canaviais… Um hóspede gaiato perguntou, depois de tirar uma soneca, olhando do alpendre, ao redor: “estou sonhando, ou estou deveras no Jardim do Éden”?

A água naquela região do agreste, quase sertão, era uma preciosidade, pois água por aquelas paragens só a do rio Paraíba, que ficava a léguas de distância, ou nas cisternas. Assim a chegada do inverno era sempre bem-vinda. Era o poder e bênção de Deus, naquela região seca, haver um oásis… daí vir o nome apropriado: “Serra Verde”.

13 Comentários a “A Minha Vida Ficou mais Florida (2)”

  1. Cilene Mendes Reges disse:

    olá,

    fiquei muito interessada nos relatos de sua sogra. Que belas crônicas ela escreveu. Meu avô que chamava-se Manoel Inacio de Araújo morou em Serra Verde e também era da igreja congregacional e encontrei este site em pesquisa que estou realizando tentando resgatar um pouco de nossa história. Lembro-me de minha mãe falar sobre a familia Muniz, aqui citada. Acho que a fazenda de meu avô era vizinha. Será possível obter mais relatos de sua sogra?

  2. Moacir Mendes disse:

    Fiquei emocionado com a crônica pois quando criança vivi na Serra Verde, tenho muitas lembranças, conheci seu Antonio Muiniz, sua esposa Mercês, o lugar era lindo mesmo, ainda hoje lembro do cheiro da resinas das árvores, frutas e os sons do pássaros e micos, dos açudes transbordando, também estou tentando retomar (relembrar) aquele éden, que como o éden acabou

  3. Moacir Mendes disse:

    Fiquei emocionado com a crônica pois quando criança vivi na Serra Verde, tenho muitas lembranças, conheci seu Antonio Muiniz, sua esposa Mercês, o lugar era lindo mesmo, ainda hoje lembro do cheiro da resinas das árvores, frutas e os sons do pássaros e micos, dos açudes transbordando, também estou tentando retomar (relembrar) aquele éden, que como o éden acabou

  4. Genival Quirino Seabra disse:

    Sou cristao congregacional. Nasci cresci e resido em Joao Pessoa;sou formado em teologia pelo S T C N- Extensão na minha cidade. Me deleito em conhecer a história da denominação, da qual sou membro. Tive o privilégio de conhecer alguns membros das familias citadas pela comentarista Cilene Mendes Reges: Pb Josué Inácio de Araújo, Pr Genival Muniz e outros. Depois de ler a crônica, a minha vida também ficou mais florida.

  5. betty disse:

    Olá, Genival:
    Mamãe e eu ficamos contentes que você gostou.
    Que Deus abençoe a você e à sua denominação, para que ambos continuem sempre nos caminhos dele, conforme explicitados na Bíblia.
    Abs, das irmãs, Betty e Valderez

  6. LIGEIRA APRECIAÇÃO
    Conhecemos a distinta irmã D. Valderez, através de constantes referências a seu respeito, transmitidas pelo meu pai, Rev. Edgard Leitão, atualmente com 84 anos de idade e 58 de ministério ativo. O Rev. Hermenegildo Sena
    iniciou o trabalho congregacional em Campina Grande, orientado pelo Rev. J. Haldane, pastor da Ig. Pernambucana e auxiliado pelo Rev. Júlio Leitão, então residente em Monte Alegre (hoje Pirauá), em torno de 1915. Em 1924, transferiu-se para o campo paraibano, morando em Serra Verde e Guarabira. Visitou Caruaru, residiu em Pirauá e, no começo da década de quarenta, ingressou no ministério presbiteriano, estabelecendo-se em Angelim.
    A Igreja de Pirauá se prepara para o seu Centenário de organização, este ano. Instalada em 04 de agosto de 1912, com a presença dos Revs. Pedro Campelo (que se transferira para o Rio de Janeiro), James Haldane (recém chegado ao Recife, como novo pastor da Ig. Pernambucana) e Hermenegildo Sena (pastor em Jaboatão). Naquela ocasião, houve a ordenação do Rev. Júlio Leitão de Melo. Ao longo dos anos, muitos obreiros serviram naquele campo, entre eles Antonio de Carvalho, Luiz de França e Hermenegildo Sena.
    Meus avós maternos, da primeira geração de presbiterianos da Região Sul de Pernambuco, conviveram com esses ministros, de maneira que os seus nomes são relembrados com gratidão e respeito, ao lado dos Revs. Benjamin Marinho, Antonio Gueiros, Helon Dinoá de Araújo e outros “Campeões da Peleja Sagrada”, como cantamos num dos nossos hinos.
    Apreciamos esses depoimentos e parabenizamos a sua ilustre autora.
    Residimos em Campina Grande (Rua Francisco Ernesto do Rêgo, 2429 – Jardim Paulistano – 58.415-285 Campina Grande, PB) e dirigimos uma Igreja Congregacional neste município. Uma das nossas congregações, em Salgado de S. Felix, fica próxima de Serra Verde, Mogeiro e Juá…
    Um fraterno abraço
    Júlio Leitão de Melo Neto

  7. Prezada irmã D. Valderez:

    Há exatamente 50 anos, hoje, 15.Outubro.2012, faleceu o meu avô, Rev. Júlio Leitão de Melo, repentinamente. Meu pai, Rev. Edgard, escreveu um comovente texto, recordando esse infausto acontecimento e, se desejar, mande-nos o seu e-mail, a fim de que o repassemos, para sua apreciação pessoal.
    Recomendações à sua família.
    Abraços fraternais do conservo em Cristo
    Júlio Leitão de Melo Neto,
    pastor congregacional em Campina Grande, PB. jlmeloneto@hotmail.com

  8. Moacir Mendes disse:

    Fico feliz em ler os comentários do Pr. Julio Neto, pois resgata na minha memória em Serra Verde, onde aprendi a amar o Nosso Senhor Jesus Cristo.

  9. A Igreja Evangélica Congregacional de Serra Verde, município de Mogeiro, PB, comemorou, no final de ano último (2012), 92 anos de organização eclesiástica, pois fora instalada em 28 de janeiro de 1921, com a honrosa presença do Rev. Francisco Antonio de Souza, pastor da Igreja Evangélica Fluminense, no Rio de Janeiro, e presidente da Junta Geral de igrejas congregacionais, ladeado pelos Revs. Hermenegildo Sena, Júlio Leitão e Antonio Carvalho.
    Como fruto do seu esforço missionário, nasceram as igrejas de João Pessoa, Mamanguape, Areia, Ingá e Juá. No seu seio, converteram-se inúmeras famílias, cujos descendentes continuam ativos na causa evangélica, espalhados em todas as regiões do nosso vasto país.

  10. JOSUÉ INÁCIO DE ARAÚJO, descendente dos pioneiros evangélicos em Serra Verde, faleceu, hoje, 23 de junho de 2013, com 90 anos de idade. Batizado pelo Rev. João Clímaco Ximenes, muito jovem ainda, na sua igreja de origem. Consagrado diácono da IEC de Campina Grande, nos meados do século passado, tornou-se presbítero da IEC do Marinho, em 1966. Presidiu a Missão Evangelizadora do Nordeste, ocupou a Secretaria de Missões da Junta Regional e fundou a Visão Evangelizadora da Paraíba.

    Deixou viúva a irmã Maria José de Souza Araújo e quatro filhos :
    Ivonete, Ivonildo, Ivonise e Ivoneide, todos integrados em igrejas.

  11. Júlio Leitão disse:

    Estivemos, ontem, em Caruaru, visitando o meu Pai, Rev. Edgard Leitão,
    e ele deseja receber notícias de D. Valderez.

  12. betty disse:

    Respondi via e-mail, Rev. Julio. Recebeu?

  13. Júlio Leitão disse:

    Com o novo e-email, reiniciemos os nossos contatos.

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