Reflexões sobre Hospitalidade e Fraternidade (7)

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Hoje vou tocar num assunto mais ou menos tabu entre os pregadores e palestrantes que conheço. Podem até comentar entre si, brincando ou comiserando-se mutuamente, conforme for o caso, mas eles procuram ser cuidadosos no que falam aos outros porque é melhor “sofrer o dano” do que ser “causa de tropeço” por parecer ganancioso, mercenário ou mal-agradecido. Eu, entretanto, tenho observado os efeitos negativos de falta de cuidados nesta área, não tanto nos preletores em si, mas nas suas famílias.

Pretendo tocar aqui na questão de cobrir as despesas daqueles que vêm ministrar ou servir à sua comunidade. Estou falando das pessoas que, de boa vontade, se prontificam para ir além das suas funções normais (como pastores, ou professores de seminários, ou oficiais de igreja com profissões em outras áreas). Assim, em noites, fins-de-semana ou feriados (às vezes, cedidos por suas igrejas ou ministérios), ofertam gratuitamente seus talentos e seu tempo para ajudar uma igreja ou organização a fortalecer-se em alguma área específica. Missionários e evangelistas itinerantes também podem sofrer nesta área, mas, creio eu, com menos freqüência, pelo menos nas igrejas sérias, porque as pessoas que lhes chamam e recebem estão mais cientes que estes têm pouca renda e agem de acordo.

Conheço esposas de pastores e preletores “viajantes” que estão constantemente tendo que lidar com uma vida financeira instável porque nunca sabem se vão ter mais dinheiro na conta (e louvar a Deus espontaneamente) ou menos (e implorar a misericórdia de Deus). Afinal, todo mundo espera que seu pastor ou seu palestrante seja exemplar na sua vida financeira, mas poucos param para pensar em quantas coisas a mais entram nos gastos mensais da família pastoral, mesmo que a igreja lhes conceda um salário razoável, moradia, carro, gasolina e outros benefícios.

Hoje não vou focar nas despesas extras que acompanham o cargo pastoral. Mas vou ousar rapidamente a mencionar algumas. Temos, por exemplo, o custo de vestuário (mesmo quando recebem camisas e gravatas em alguns dias especiais e aniversários), despesas com o ministério de hospedagem, participação em congressos para líderes (que as igrejas deveriam se antecipar e custear, mas nem sempre têm essa disposição), presentinhos para alegrar membros nos seus dias especiais. Pense, também, nos custos de viagens planejadas e emergenciais nas visitas que precisam fazer a familiares distantes em cumprimento ao mandamento de honrar o pai e a mãe. Afinal, a maioria dos pastores mora longe dos familiares. (Tente, por exemplo, descobrir o custo de uma passagem aérea ou rodoviária entre a sua cidade e a da família do seu pastor e multiplique pelo número de membros da família! E se a esposa for de outra região do país, faça a mesma coisa e some as duas contas… E se uma irmã ou filho deles se casar ou formar ou morrer em outro parte do país ou do mundo, some isto!…) Nossos pastores, mesmo se forem bem-pagos, muitas vezes, já têm que lidar com estes “extras” que passam despercebidos pela maioria das pessoas do seu rebanho.

A minha tese desta vez, para as igrejas que convidam, é a seguinte. Certifique-se que as despesas da viagem do seu palestrante estão cobertas, DESDE A SUA CASA! Quando um palestrante não pede remuneração (alguns, que dependem do ministério itinerante para sobreviver, informam algum valor prévio) isto não significa que a igreja ou organização que o convidou está certa em mandá-lo de volta com as mãos abanando. Lembre-se que já é uma grande bênção ele não cobrar por seu tempo e esforço. Entretanto, quase sempre, há gastos envolvidos além da passagem aérea.

Eu me preocupo com aqueles pastores que já vivem de salários reduzidos pois estas despesas frequentemente podem ultrapassar cem ou duzentos reais por vez, especialmente quando não há alguém disponível para levar e buscar nos aeroportos ou rodoviárias. Muitas vezes há a utilização de um “ministério correlato”, prestado pela esposa do preletor servindo de motorista! Esta “carona conjugal” pode tirar duas horas ou até mais do tempo da sua mulher, na nossa cidade, cada vez que vai.

Apesar da bênção de ficar alguns momentos a sós com seu marido e de poder conversar prazerosamente com ele sem que sejam interrompidos, nem sempre a esposa tem condições de prestar este serviço. Portanto, observo situações onde o único deslocamento possível, por exemplo aqui em São Paulo, é de táxi. Isso varia entre 50 e 90 reais, dependendo do aeroporto, e pode ser ida e volta.

Ainda não falamos dos custos dos “extras” (lanches ou refeições nos hotéis para aqueles que chegam sem ter comido, acesso à Internet, gorjetas, água mineral, ligações DDD de e para casa via telefone celular para avisar da chegada e lidar com assuntos familiares, ligações DDD do celular para as pessoas na igreja que convidou para acertar detalhes, gastos com excesso de bagagem porque pediram para levar um monte de livros pesados…). Ou sobre as pressões para comprar o livro ou produto de algum irmão na igreja que convidou, ou pedidos para contribuir para alguma causa nobre…. Tem vez que, além de deixar o palestrante dirigir dezenas ou centenas de quilômetros, pagando (ou não) pelo combustível e pedágios e sofrendo um pouco mais de desgaste no carro e no corpo, ninguém se lembra de pedir o papelzinho do estacionamento… Parecem pequenas coisas, mas elas vão se somando…

No nosso caso, meu marido simplesmente se recusa a ficar chateado quando as suas despesas não são cobertas. Deus proverá—é o lema dele. E Deus sempre proveu. (Às vezes, com ajuda perceptível; às vezes, permitindo ou possibilitando algum endividamento, quando existem compromissos paralelos …). Mas, como já disse, eu me preocupo com as famílias pastorais que vivem com uma renda limitada…

Corre uma teoria entre “preletores que não cobram” que, mais rica a igreja, menos preocupação com estes detalhes; quanto menor a igreja, mais generosa a oferta… E aí oram para que esta negligência não seja indicativa de faltas em outras áreas. E dão graças por aquelas que são “fieis no pouco”, porque isto pode ser refletido no “muito” também.

Creio que essas situações de falta de atenção para com as despesas do preletor raramente ocorrem por má vontade da parte dos lideres que convidam ou dos tesoureiros que são encarregados de entregar os “envelopezinhos” aos preletores. É, simplesmente, por falta de parar para averiguar todo o custo envolvido e de perceber que este custo se estende, por vezes, aos seus familiares também. E, por favor, algo que acho nunca deveria ser perguntado, por ser constrangedor, é: “o irmão teve alguma despesa”? Pois é óbvio que ela existiu e essa pergunta indica falta de sensibilidade e ausência de se fazer o dever de casa. Afinal, esses cálculos não são tão difíceis assim de serem realizados.

Meus irmãos, dar um presente ao seu convidado também é algo muito precioso. Nós mesmos temos objetos na nossa casa que nos trazem boas lembranças de igrejas, momentos e pessoas especiais. É saudável sempre quando os membros de uma igreja se unem para demonstrar carinho e apreço a alguém, compartilhando algo com o palestrante convocado.

Entretanto, por mais que seu conferencista tenha demonstrado apreciação ao receber um belo suvenir da cidade ou estado que acaba de conhecer; por mais largo que tenha sido o sorriso do pastor visitante ao receber um livro teológico ou uma cópia grátis de uma obra literária de alguém na congregação; por mais bonita que seja a obra artística oferecida por um artesão da igreja; por mais elegante que seja a peça de roupa escolhida pelas senhoras auxiliadoras; ou por mais chique ou útil que seja o objeto dado pelo generoso comerciante que ajudou a organizar o “evento”—estas coisas não conseguem ter valor prático nenhum na hora da esposa do pastor tentar fechar as contas no fim do mês. Por mais que ela queira compartilhar do prazer e apreciação do seu marido, ela não pode usar o objeto quando chega o momento de pagar a dívida acumulada.

Portanto, é admirável (mas não obrigatório) demonstrar seu carinho ao convidado nas formas citadas acima. Mas não sucumba à tentação de pensar que um belo presente-surpresa cancela a outra necessidade de entrar no mês seguinte sem a sombra de mais juros no cartão ou de um saldo negativo de cheque especial pairando por cima da cabeça do pastor e da sua família.

Talvez ajudaria se pensassem na sensação de alívio da mulher ou dos filhos deles, ao perceberem, na sua volta, que seu sacrifício em emprestar o marido/pai para abençoar outros não requer algo que vai além da ausência: o acréscimo de ter cinqüenta, cem, duzentos reais a menos para gastar até o fim do mês —muitas vezes, num salário já apertado. Afinal, eles não participaram da confraternização, nem viram a bênção que foi a interação entre o pregador e seus ouvintes… A única lembrança que eles terão da sua igreja é que esta foi a causa deles apertarem os cintos MAIS UMA VEZ! Pior, ainda, é quando algo importante para os filhos não pode ser realizado (e muitos preletores, por ficarem ausentes nos finais de semana, já deixam de participar, como pais, em eventos escolares ou esportivos que envolvem os seus filhos). Aí sua igreja pode ser indiretamente responsável por dificultar ainda mais a apreciação dos filhos pelo ministério do pai.

Por outro lado, existem muitas igrejas que, ainda que não perguntam pelas despesas envolvidas, dão uma oferta. Ao saber dela, a mulher do preletor tende a fazer um cálculo rápido na cabeça para ver se cobriu tudo. Nem todos os maridos entendem isto, porque, para eles, “ministério é ministério” e qualquer coisa já ajuda. E elas, normalmente, só confessam a angústia com que têm que lidar às suas mães ou em conversas com outras esposas que lidam com os mesmos desafios. Procuram nem ficar esperançosas, nem ansiosas. Procuram crescer espiritualmente, lutam contra a amargura… Muitas vezes, são vencedoras; outras vezes, não são…

Mas como é bom quando elas sentem o amor recíproco dos irmãos, fazendo com que seu sacrifício em abrir mão do marido não se estenda além do período da ausência. Portanto, irmãos, pensem nelas e nos seus filhos, da próxima vez que chamar alguém para ministrar na sua igreja ou em algum projeto especial…

Abraços, da irmã, Betty

3 Comentários a “Reflexões sobre Hospitalidade e Fraternidade (7)”

  1. Olá, Betty!
    É um grande prazer voltar a comentar no seu blog.
    Durante grande parte da minha vida, não tive muita experiência em ter hóspedes em casa. Com exceção de algum parente que vinha nos visitar esporadicamente, sempre foi um fardo pesado demais para minha mãe ter hóspedes conosco. Em minha adolescência e juventude raras foram as vezes em que levei amigas em casa, especialmente para dormir, pois sabia que mamãe não gostava e não dispensaria a elas os cuidados e agrados que mereciam.
    Depois de casada comecei a exercitar a hospitalidade na minha própria casa. Como é maravilhoso receber! Como é gostoso preparar o lar, um quarto aconchegante, uma comida saborosa para abençoar as pessoas! Mas a falta de costume me fez muito receosa ao receber alguém. Tudo tem que estar na mais perfeita ordem ou eu chego a ter dores de cabeça de preocupação se minhas visitas se sentirão bem recebidas. Mas tenho conseguido superar isso a cada nova experiência.
    Hoje me sinto muito feliz em poder servir as pessoas com minha casa e meu tempo.
    Um abraço!

  2. Vanina Dalto disse:

    Boa noite,
    estou escrevendo uma monografia sobre hospitalidade na perspectiva biblica e gostei de seu texto. Suas reflexões são muito profundas e práticas.
    parabéns,

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