Reflexões sobre Hospitalidade e Fraternidade (6)

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Agora mudarei de “tom” e, como prometi, escrever partindo do ponto de vista da esposa de um preletor que viaja frequentemente. Há alguns meses, Rev. Augustus Nicodemus postou algumas reflexões sobre hospedagem de preletores. Se você estiver pensando em convidar e abrigar algum pregador, palestrante, missionário ou conferencista, visite os seus pensamentos aqui e depois, se quiser, pode voltar para ver os meus.

Vou falar deste assunto, meio cheia de dedos neste teclado, talvez mudando alguns detalhes aqui e ali, na esperança que ninguém se magoe com minhas observações. Nem quero assustar ou desanimar alguém. Gostaria muito que você continuasse (ou começasse) a abrir o seu lar para os servos de Deus chamados para ministrar à sua comunidade. Bom também seria se os ministros convidados sentissem desejo e até necessidade de conhecer outros irmãos na intimidade do seu lar, como seus hóspedes.

Creio que tanto o hospedar quanto o permitir-se ser hospedado são aspectos importantes na confraternização e ministério de irmãos cristãos. E há lugar para aprendermos a lidar com ambos de maneira que possamos gerar situações benéficas e abençoadoras para todos os envolvidos.
Conheço vários palestrantes cristãos e sei que existe um misto de opiniões sobre se é melhor ir para a casa de alguém ligado à igreja ou à organização promotora do evento, ou para um quarto de hotel. O último tem a vantagem de normalmente garantir uma cama confortável, ar condicionado e um ambiente silencioso e propício para que aquele que vai apresentar a mensagem (ou várias mensagens) possa descansar, escrever e meditar. Especialmente levando em conta que o preparo prévio de uma série de estudos (em meio a muitas outras tarefas), e a viagem em si, já pode ter deixado um palestrante à beira de exaustão…. E considerando que ele talvez ainda precise completar o esboço da terceira ou quarta preleção, bem como meditar nas mensagens que já preparou…. E sabendo que a responsabilidade de transmitir uma mensagem condizente com os princípios divinos tende a ser algo bastante extenuante…

Normalmente, quando uma igreja se dispõe a pagar a passagem aérea de um preletor, ela programa pelo menos três palestras/sermões e, às vezes, cinco ou seis (muitas vezes, num único fim-de-semana!) E isto para uma diversidade de ouvintes. À situação do evento específico, some-se a lição da Escola Dominical, a reunião da mocidade e/ou da sociedade das mulheres (às vezes a esposa do preletor é também cooptada para palestrar) ou dos homens, mais o culto matutino e vespertino. É natural isto: o querer aproveitar ao máximo a presença da pessoa convidada. Entretanto, por mais energia, saúde e boa vontade que o pregador trouxe consigo na sua bagagem, por mais unção que ele receba do Espírito Santo, por mais preparo e experiência que ele tenha, o esgotamento vai ser grande… Bons hospedeiros irão querer fazer de tudo para criar e resguardar um ambiente onde ele possa trabalhar e descansar em paz.

Pois é. Existem momentos em que a hospedagem num lar pode ser fisicamente desgastante. Às vezes, o palestrante convidado enfrenta um colchão duro (ou curto), poucos travesseiros (por incrível que pareça, algumas pessoas se acostumam a dormir com mais de um travesseiro!), falta de espaço para abrir a mala ou para pendurar qualquer coisa….

Pode ver-se suportando calor ou frio, barulho de rua, crianças que não sossegam, um gato que suscita alergias, um cachorro mimado que não pára de rosnar, pular ou lamber, um louro falante cujo poleiro está bem ao lado do seu quarto, pernilongos (carapanãs ou muriçocas – dependendo da região) capazes de carregar elefantes, pulgas, um chuveiro frio (ou que dá choque), cheiro de mofo ou naftalina no quarto…

Pode sofrer da luz que entra por janelas descortinadas às 5:30 da manhã, de relógios que cantam de quinze em quinze minutos ou com tique-taque bem alto, ventiladores que parecem que vão levantar vôo, FALTA DE ACESSO À INTERNET (o crime do século 21) …

Pode ter que lidar com comidas que não condizem com sua dieta ou regime, ou ver-se relutante a recusar aquelas que se chocam com seu olfato ou paladar (alguns não suportam peixe; outros não comem galinha, de jeito nenhum). Pode se incomodar com indícios de desentendimentos na família hospedeira, ou ter a nítida percepção que está sendo um peso para a dona da casa… Para alguns palestrantes, o mero fato de estar dando trabalho a pessoas ocupadas já é algo preocupante e a percepção de ter causado o deslocamento do(s) dono(s) do quarto oferecido, por melhor que tenha sido a intenção, pode deixar o palestrante chateado.

Sei que eu mesmo já, inadvertidamente, deixei alguns destes incômodos afetarem pessoas que vieram ficar com nossa família. Não vou nem confessar quais e quem foram! (Pelo menos, não desta vez…).

Então, não seria mais fácil e sábio, nunca mais hospedar alguém para não se arriscar a oferecer um “serviço imperfeito” e por não poder se igualar a certos aspectos de um hotel? Ou, se você for a pessoa chamada a pregar, ensinar ou ministrar uma conferência ou curso, exigir sempre uma estadia num hotel?

Não! Mil vezes não!

Primeiro lembramos os ensinos divinos e aos relatos bíblicos. Quando Deus nos ensina sobre hospitalidade na Bíblia, tanto a individual quanto a coletiva (ou sobre ser hospitaleiro), Ele nunca se refere ao pagamento da conta de uma pousada, pensão ou hotel (ou de uma hospedaria – e mesmo naquela época, elas existiam!). A Palavra está falando da casa mesmo, dos lares dos irmãos. É verdade que os tempos são outros. Existem hotéis bons e baratos e há palestrantes que nem cogitariam ficar na casa de uma pessoa estranha ou pouco conhecida. Pode ser, até, que alguns têm razões válidas para isto. Penso, especialmente, naqueles que podem estar sofrendo silenciosamente de problemas de saúde seríssimos. (Existem fases em nossas vidas em que precisamos procurar ou evitar certos fatores para chegarmos ao sono e termos um bom descanso). Entretanto, creio que, via de regra, os “não hospedados” realmente e verdadeiramente acabam sendo prejudicados. Não são apenas os hospedeiros que saem perdendo. Se você ainda não leu a minha postagem sobre Filemom, clique aqui, leia até a conclusão e depois volte para cá.

Pelas minhas observações, uma estadia num hotel tende a deixar o preletor muito mais alheio à vida e às necessidades daqueles a quem pretende ministrar. Acaba convivendo em um clima estéril. Pois percebo que meu marido, apesar de apreciar as garantias básicas de conforto de um quarto de hotel (por estar numa fase da vida em que já luta com crescentes problemas de saúde), sempre volta muito mais apegado ao povo de um lugar quando ele fica na casa de alguém, ainda que passando por um ou outro desconfortozinho. Não são raras as amizades duradouras que têm sido formadas durante estes (relativamente curtos) convívios. Isto porque, normalmente, há tempo para conversar, compartilhar e consultar em maneiras que não ocorreriam depois de um culto ou palestra, na balbúrdia de um restaurante ou na confusão de uma atividade em grupo. São momentos em que o preletor literalmente sai do pedestal para relacionar-se com quem estiver por perto.

Tem vezes que meu esposo ouve uma notícia e diz “Fulano é de lá. Será que a família está bem?” Ou que ele me mostra um e-mail recebido de um conhecido desta natureza em que a pessoa não apenas comunica ou pergunta algo, ou abre seu coração sobre alguma coisa que está lhe incomodando, mas demonstra carinho, quer saber detalhes da sua saúde, garante estar lembrando dele (ou de nós) nas suas orações… Isto é muito precioso! Para ambas as partes…

No meu post sobre Filemom mencionei e-mails especiais trocados com hóspedes e hospedeiros. Esqueci-me de um telefonema recebido de um casal de missionários já aposentados, que começou a ser hospedado por meus sogros em Recife nos anos sessenta (se o caminho para o céu fosse pavimentado pela hospitalidade, Papai e Mamãe estariam muito bem encaminhados! Deus poupou meu marido, filho único, de ser mimado porque sempre teve que compartilhar cama, comida e recursos com aqueles que continuamente buscavam e encontravam “pousada” no seu lar – este é mais um benefício adicional).

Construiu-se um relacionamento de carinho mútuo com M.E. e A—com cartas indo e voltando, muitas vezes compartilhando dados além das informações oficiais dos circulares enviados regularmente. As visitas são raras, por causa da distância, mas eles ainda escrevem e até telefonam—felizes em ouvirem as vozes um do outro para alegrar, encorajar ou condoer-se conjuntamente. E a bênção se estende para os descendentes, pois eu também tive uma prazerosa conversa com aquela senhora, enquanto compartilhava seu entusiasmo com os novos desafios e surpreendentes vitórias na evangelização das pessoas ao seu redor, no ambiente em que agora vive como “aposentada”.

Gente, quero que vocês entendam que pode formar-se um elo quase mágico (surreal ou místico, se preferirem) entre hospedeiros e hóspedes, quando estes se encontram a serviço de Deus—cada um conforme seu dom. E apesar das imperfeições… E de ambas as partes…

Aquela observação em Hebreus, sobre a possibilidade de hospedar um anjo sem saber, adiciona um toque de aventura ao mandamento de perseguir a hospitalidade. Oferece esperança de que poderá acontecer algo fora do ordinário, algo especial… Algo que transcende insetos, indigestão, insônia e indisposição e até cansaço…

Naquele dia, eu me peguei num bate-papo tão gostoso com aquela senhora, pensando alto, filosofando, ouvindo e respondendo de um modo inusitado para mim. Isto não significa que somos ou seremos amigas do peito. De fato, a nossa capacidade de dar-se tão bem pode ter sido possibilitado ou facilitado pela ausência de convívio regular. Mas creio que percebo uma “receita” que se repete nestas ocasiões. A gratidão da sua parte (pela hospedagem e apoio da nossa família), ao unir-se com a apreciação da minha (conhecendo o ministério e fidelidade deles), transforma-se num intenso querer-bem, e num compartilhar benéfico e agradável para ambas.

Ainda pretendo dar algumas dicas (ou alertas) sobre recebimento e tratamento de preletores, baseadas em experiências próprias e alheias. Até lá, Betty

(As Reflexões continuam aqui)

3 Comentários a “Reflexões sobre Hospitalidade e Fraternidade (6)”

  1. Darice disse:

    Ah, Betty,
    que trabalho lindo! Este é um assunto muito palpitante para mim. A hospitalidade, além de ser uma recomendação bíblica, torna-se um ministério na vida do crente. Desde a minha infância, mesmo morando no interior, em ambiente quase inóspito, sempre era prazeiroso ter algum pregador em casa, oferecer-lhe o melhor que podíamos, sempre tivemos oportunidade de oferecer, a estudandos em Institutos Bíblicos, em Seminários, pastores que visitavam nossa Igreja ( e ela era uma Igreja conhecida no interior na qual o avô do seu marido foi pastor e tive o privilégio de ao nascer, ser por ele medicada e apresentada a Deus, com menos de um mês de vida).
    Cresci nessa esfera de hospitalidade que era exercida tanto por meus pais, como por outros membros da Igreja, inclusive eu era também convidada para acompanhar moças estudantes nalguma casa onde ela estava hospedada fazendoo visitas aos crentes e descrentes da região.

    Como o ambiente da casa se tornava mais alegre e até disputado o lugar na mesa para o visitante (que consideravamos ilustre), a cama onde dormiamos, a toalha limpinha e cheirosa a “água de cheiro”, uma espécie de lavanda que se usava nas gavetas, o sabonete novo, uma água fervida para o banho,  (o lugar é frio e não havia chuveiro quente na época, pois não havia luz elétrica. Esse luxo só tinhamoso na Igreja durante as duas horas do culto gerada por bateria que era recarregada a cada dia através do catavento), os lençóis branquinhos (ninguém usava lençol com estampas para cobrir-se). às vezes eram feitos em casa de bramante cru e alvejado.

    Após a saída do visitante, ficávamos como quem teve um sonho bom e passavamos dias recordando aqueles momentos ou dias (finais de semana ou férias).

    Posteriormente tive a grata satisfação de ser hospedada por famílias, entre os anos de 1960 a 1969, quando da conclusão do curso bíblico, viajei por muitos lugares, como obreira itinerante, ajudando as mocidades das várias Igrejas, desde o Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Estive em diferentes lares de crentes de Igrejas com mais e menos recursos, pobres, etc., mas a alegria de hospedar e nos receber, era tanta e dáva-nos tanta alegria que, sentíamos como se da casa fosse, que até procuramos ajudar nos afazeres domésticos, varrendo, lavando pratos, preparando a mesa embora com relutância por parte da hospedeira, mas que finalmente já formavamos um grupo de ajudadoras mútuas,pois muitas vezes éramos acompanhadas nas visitas e trabalhos que eram feitos em casas dos crentes.

    Parecia uma retribuição, do que fora feito no passado.
    Lembro-me muito bem que numa residência onde fui hospedada numa no Estado do Rio, de quem anteriormente tive as referências mais negativas, cheguei temerosa, mas, a recepção e o entrosamento, com aquela senhora (Virgínia) (nome fictício), foi tão salutar, que, depois de ter passado vários anos sem frequentar a Igreja, finalmente, se tornou uma das pessoas mais assíduas e mais colaboradoras com todos os trbalhos. Igreja. Seu esposo que era oficial da Igreja disse prá mim um dia: “Que milagre você fez para tanta transformação?” respondi: Eu não, Deus é o único que faz o que para nós é impossível.

    Recebemos tratamento fiidalgo por parte de uma missionária canadense, esposa de um pastor em Recife, que se tornou para mim, espécie de referência na época.

    Não estou com isso fazendo qualquer comparação com os ilustres pregadores ou preletores mencionados no seu trabalho. Longe disso. Não, não é isso. Apenas compartilho a experiência vivida nesse sentido e confirmo tudo quanto foi alé esposado.

    Hoje ainda, sempre que uma visitante de nossa Organização está em nossa cidade, somos consultada sobre a possibilidade de hospedarmos, o que aceitamso sem quaisquer constrangimentos de parte a parte.

    Sou testemunha de quantas pessoas que foram agraciadas por seus “pais”, em serem hospedadas em sua casa, inclusive, para serem tratadas quando doentes. E Deus não é injusto para esquecer de sua obra, tanto assim, que mesmo possuindo apenas um filho, deu-lhes por meio dele uma preciosa filha como você, que tem sido, juntamento com os netos que voces deram, a bênção de muitos filhos e de muita alegria da velhice deles, sendo companheiros, amigos e, sobretudo, “irmãos” em Cristo Jesus.

    Que o Senhor acrescente em outro tanto, tudo quanto você tem lhes concedido até agora, para continuar neste ministério que tem exercido com tanta devoção.
    Deus te abençoe e te guarde.

    Tua amiga e irmã,

    Darice de Souza e Silva

  2. betty disse:

    Querida Darice:
    Que bom ouvir as histórias do seu passado e saber como foi proveitoso ter vivido num ambiente de hospitalidade cristã. Lendo suas palavras, percebi que nós que moramos nas cidades grandes, esquecemos frequentemente que ainda existem grandes partes do Brasil onde não há igrejas ou onde tem igrejas ou congregações sem pastores. Onde a situação continua muito parecida com aquela que havia no tempo do avô do meu marido (citado por você) e pastores, evangelistas, obreiros, missionários e colportores iam de casa em casa, e igreja em igreja, e ponto-de-pregação em ponto-de-pregação, em viagens longas e cansativas a pé, ou de cavalo ou mula, ou de barco…

    Muitos têm sido abençoados pela hospitalidade que você descreve, por pessoas que mantem e oferecem objetos especiais para o uso dos visitantes que querem prestigiar em nome de Deus. Os melhores lençois e toalhas, sabonetes cheirosos, o melhor quarto, refeições fortes e saborosas… Pessoas que são instrumentos de Deus para aliviar e encorajar servos sacrificados e cansados, até desanimados… E que abençoam a família toda com a presença e a interação com estes.

    E apesar de ter focado mais na hospedagem de pregadores masculinos, os mesmos princípios se aplicam à hospedagem da liderança feminina nos ministérios da igreja, trabalhando e viajando como missionárias, professoras e conferencistas, coordenadoras de projetos sociais, femininos, infantis, de Escola Dominical, beneficência…

    Abraços da irmã em Cristo, Betty

  3. SERENY C CARDOSO disse:

    Querida Bety, o assunto hospitalidade alegra muito meu coração; por que quando tenho hóspede me sinto como Lídia( Atos 16.15 e 40)me maravilhando, com histórias do cotidiano dos servos de Deus, ai mergulho também, amo isso, e, quando hospedou alguém que não serve a Deus, conto minhas experiências de ouvinte dos servos de Deus, assim vou testemunhando do amor gerado em meu coração pelos seus servos meus irmãos. Obrigada por falar deste assunto e assim me ensinar, sei que posso melhorar e como melhorar meu lar para hospedar meus queridos irmãos!!!!

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