Auxiliar… Amiga… Amada Irmã…

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Ontem recebemos uma ligação bem cedo. Lá, em Recife, a cidade que meus sogros deixaram para trás há pouco tempo, havia falecido uma senhora muito amiga de todos nós, a Maria Auxiliadora.

Maria trabalhou como auxiliar da família quando meu marido era menino. Trabalhou com eles até casar, durante uns seis ou sete anos apenas, nos anos cinqüenta. Evangelizada por minha sogra, ela se converteu bem mais tarde, já com muitos filhos para criar. Entretanto, elas nunca perderam o contato. Quando Maria se tornou filha de Deus, o relacionamento se estreitou mais ainda.

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Quando eu cheguei no Brasil em 1974, sempre ouvia histórias em que o nome dela era citado, como participante das aventuras da família. Ela viera trabalhar com eles em Paulo Afonso, uma entre uma “filharada” de uma senhora “crente da Assembléia” que lavava as roupas de um outro funcionário da CHESF naquela cidade. Depois, quando seus patrões partiram para Itabaiana, Goiana e depois Recife, Maria quis acompanhá-los.

Maria “não sabia nada” no começo mas demonstrou uma enorme vontade de aprender a cozinhar, limpar, lavar e tudo mais, logo ultrapassando os dons da mãe do meu marido. A aparência da casa e o brilho do fogão e das panelas de Dona Valderez eram a inveja das vizinhas que moravam em casas idênticas, com fogões iguais, em ruas parecidas. Hospitaleira, era como se a Maria acolhesse pessoalmente as pessoas que não paravam de “pousar” com eles. Ligeira e inteligente, orgulhava-se quando conseguia transformar o dinheiro contadinho da família em refeições simples mas saborosas para grandes grupos, sem aviso prévio. Maior o desafio, maior ficava a sua disposição…

Maria entrou efetivamente na minha vida com o nascimento dos meus filhos. A inclusão deles no coração dela, como netos dos seus amados ex-patrões e filhos do menino que ajudou a “criar”, foi algo instintivo e automático. Durante as primeiras semanas das suas vidas, ela aparecia quando podia para ajudar a lavar fraldas, passar ferro nas roupas, fazer sopinhas e vitaminas para mim, e tudo mais que precisava ser feito. A ordem para mim era descansar, descansar, descansar…

Cada chance que tinha, ela embalava os bebês nos braços enquanto sentava para relembrar o passado—os anos em que, de certo modo, ela havia adquirido status que não havia experimentado anteriormente, em que havia se tornado uma pessoa estimada e respeitada. Anos em que havia aprendido que, com esforço, ela poderia melhorar de vida, em todos os sentidos…

Compartilhava também o que se passava na sua própria vida e ouvia os conselhos da mulher que se tornara uma espécie de mãe para ela—e quem continuou neste papel até o fim—escrevendo-lhe a última longa carta, com palavras de apreciação e de encorajamento, no Natal. Carta que foi lida e re-lida através das vozes dos parentes que lhe acompanhavam no hospital…

Quando Maria sabia que algum de nós estava muito doente ou hospitalizado, ela sempre aparecia. Lembro-me dela, já uma senhora, saindo do hospital carregando uma trouxa de roupa suja após uma cirurgia do meu sogro. Não adiantava insistir que não era preciso. Era a sua maneira de mostrar o seu amor, fazendo algo com as mãos…

Deixamos Recife para trás quando o nosso filho mais novo tinha nove meses. Enquanto estivemos fora (20 anos), Maria criou seus oito filhos, costurava, vendia coisas, participava na sua igreja. Seu marido aposentou-se do emprego na estatal para o qual meu sogro o encaminhou ao casar-se com Maria. Nesta época já tinham conseguido uma casa boa e bem mobiliada, um carro, um sítio… Vieram genros, noras, netos. Era muita gente para amar e administrar—especialmente porque nem todos seguiam os princípios bíblicos no seu viver.

Mas ela sempre fazia questão de aparecer na casa dos meus sogros quando íamos passar ferias com eles em Recife. E vinha munida de pudim de leite moça (conhecendo a paixão do nosso filho mais velho por esta sobremesa) e com bolinhos de goma e outras comidinhas regionais para os outros.

Sempre achei que Maria fosse morrer do coração algum dia porque era pesada e ficava ofegante com o esforço de preparar as guloseimas, chegar lá de ônibus e a pé, cuidadosamente carregando aquele enorme pudim embrulhado em toalhas bordadas feitas de pano de saco.

No fim foi o câncer que a levou, de pouco a pouco—uma leucemia que os seus médicos conseguiram dominar por algum tempo. Na última vez que a vimos, há sete meses, estava no hospital fazendo quimioterapia. Ainda alegre, grata a Deus, planejando fazer um culto de ações de graças na igreja dela… Que chegou a fazer—não pela cura, mas pela melhora e pelas muitas bênçãos que enxergava.

Perguntei aos nossos filhos sobre o que mais se lembram dela. Citaram os grandes abraços calorosos, a alegria contagiante, a observação que ela exalava bem-querer… Que tinha um papagaio-louro, atrevido, que discutia com ela nos fundos da sua casa.

Eu me lembro do seu olhar de ternura misturada com uma espécie de orgulho quando olhava as nossas crianças, cada vez maiores, tornando-se jovens e depois homens e mulher. Maria sentia uma imensa satisfação em acompanhar seu desenvolvimento—não havia dúvida na sua mente que seriam pessoas boas e bondosas. E com certeza, entre as mais bonitas do mundo!…. Eles retribuíam o seu carinho, cada um do seu jeito, mas sem entender muito bem porque ela os amava tanto.

Maria enfrentou e venceu muitos desafios, mas nunca se convenceu que poderia aprender a ler (pelo menos, até onde eu sei). Mas ela se empenhava em assistir os cultos e programações da sua igreja e gravava bem o que era ensinado. Amava a Deus e procurava lhe honrar e servir.

Era bom saber que orava por todos nós. Vou sentir falta disto—foi-se mais uma pessoa que nos levava ao trono da graça… Foi-se uma auxiliar, que virou amiga, que tornou-se amada irmã…. Um belo privilégio que desfrutamos por fazermos, todos, parte da família de Deus.

Pedimos a Ele que todos aqueles que fizeram parte da sua família de sangue, especialmente seus filhos, possam se empenhar para honrar as multidões de orações que ela ofereceu a favor deles também. Acertando suas contas com Deus, pedindo perdão por seus pecados e crendo no sacrifício do Seu Filho Jesus para receber o castigo divino no lugar deles, farão parte da sua família espiritual para, um dia, reencontrarem-se com a sua mãe num lugar infinitamente melhor.

Segue uma carta que minha sogra (de 84 anos) escreveu à mão para ser enviado por e-mail à filha de Maria ontem de manhã, para possível leitura entre familiares ou no grupo maior, no enterro, no fim da tarde.

Betty

Sra. MARIA AUXILIADORA BARBOSA DA SILVA
Qualquer pessoa que se relacionasse com Maria – Cilia – como muitos a chamavam, não poderia se esquecer dela, pela maneira atenciosa, delicada e bondosa com que ela tratava a todos, ricos ou pobres.

Maria trabalhou e conviveu conosco desde os 14 anos de idade e só nos deixou para se casar com Antônio, aos 20 ou 21 anos.

Morou conosco durante sete anos. Foi cumpridora de seus deveres e, mais do que isto, conseguiu ganhar a nossa amizade e o nosso cuidado. Para nós Maria era como um membro de nossa família, admirada e respeitada por todos nós e pelos nossos amigos, quando vinham a conhecê-la mais um pouco. As vitórias de Maria, bem como as suas tristezas ou fraquezas foram por nós compartilhadas em família.

Maria era a bondade em pessoa. Procurávamos recompensar-lhe, ajudando-a a encontrar o seu caminho nesta vida, orientando-a como a uma filha, aconselhando-a, mostrando-lhe o rumo certo que teria de seguir. Maria era dócil e amável.

Foi um vida difícil, a dela, com tantos filhos a criar e educar. Sofreu, lutou e acertou – venceu por sua fé no Salvador Jesus Cristo, desde o dia de sua conversão, já depois de casada. Quantas dificuldades ela enfrentou ao longo dos dias. Contudo não mudou – continuou sendo a lutadora vencedora, sem alarde. Todos os que lhe eram próximos, que bem a conheceram, que, de fato a amavam, continuavam a admirá-la, por seu caráter íntegro, por sua conduta, por sua fé inabalável. Maria serviu de exemplo para todos como modelo de filha de Deus, ostentando as características das bem-aventuranças ensinadas por nosso Senhor Jesus Cristo.

Maria venceu! E já entrou na “formosa herança” dos salvos, descrita no Salmo 16. Sentiremos a ausência, entre nós, de Maria, mas nos alegramos e ficamos confortados e consolados, sabendo que desde já ela goza da “plenitude de alegria”, descrita pelo salmista Davi, na presença de Deus.

No dia da ressurreição ainda nos encontraremos com Maria e aí em sua perfeição… Hoje Maria chegou na “Casa do Pai” que Jesus preparou para os que são Seus filhos.

Maria foi fiel aqui na terra. Já ouviu a palavra de convite do Pai: Entra no gozo do teu Senhor. Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei. Entra no gozo do teu Senhor, Maria!

Podemos nos consolar e nos rejubilar com esta indescritível vitória de Maria, entrando no céu!

Deus seja glorificado por todos nós que temos a certeza da alegria e felicidade da querida e preciosa Maria Auxiliadora.

Valderez

4 Comentários a “Auxiliar… Amiga… Amada Irmã…”

  1. Darice disse:

    ah! Valderez e Beth agora, me lembro dela. Nas vezes que fui lá quando voces casaram e logo depois também. Realmente ela preparava tudo com esmero e dedicação quando chegavamos para qualquer refeição (e muitas vezes almoçamos na casa de Valderez e Jairo).
    Lembrei-me dela quando vi a foto neste blog com Valderez. Aí voltou à memória também os elogios que Valderez fazia a respeito do trabalho dela.

  2. Cirleide disse:

    Betty,
    me emocionei muito ao ler o texto que você escreveu sobre minha mãe. Sinto acima de tudo, carinho em suas palavras. Você a descreveu exatamente como ela era. E acredite, o amor dela por sua família era especial. E em cada guloseima que ela preparava para levar para vocês, tinha um ingrediente especial: muito, muito amor.
    Obrigada pelas palavras dedidacas a ela.

    Beijos.

  3. Mical disse:

    Como é bom ler uma artigo como esse, que edifica, encoraja e alegra o meu coração, como que disesse:
    – Caminha Mical, veja “quão grande nuvem de testemunhos”….
    Assim lá vou eu, espero encontrar Maria na casa de Nosso Pai.
    Parabens Betty!! Parabens Dna. Valderez!!

  4. Mical disse:

    Como é bom ler uma artigo como esse, que edifica, encoraja e alegra o meu coração, como que disesse:
    – Caminha Mical, veja “quão grande nuvem de testemunhos”….
    Assim lá vou eu, com CERTEZA vou me encontrar Maria na casa de Nosso Pai.
    Parabens Betty!! Parabens Dna. Valderez!!

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