Reflexões sobre Hospitalidade e Fraternidade (2)

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Enquanto anotava os detalhes da nossa hospedagem em Manaus para comentar no meu blog (ver aqui), fui levada a refletir sobre a hospitalidade de forma mais ampla.

Lembrei-me que, há alguns anos, a nossa igreja em São Paulo teve a experiência de hospedar um conjunto coral formado por 62 membros de uma igreja do estado do Rio. Naquela época, vi-me repentinamente forçada a participar da organização desta acolhida e depois descrevi as minhas impressões e recordações em publicações da nossa igreja e denominação. A história encontra-se neste blog aqui . (Isabel sou eu).

Se ler o relato, perceberá que foi muito difícil conseguir a abertura dos membros da nossa comunidade espiritual à hospedagem de pessoas desconhecidas. Mas Deus visivelmente abriu os corações e os lares deles e derramou bênçãos como ninguém ousou esperar.

O grupo se despediu em meio a muitos abraços e lágrimas. Partiram 62 pessoas. Para trás, ficaram mais de cem. Não havia nenhuma modificação externa nelas. Mas, internamente, houve mudanças, sim. Quase todos ficaram intrigados com o amor tão profundo que havia brotado entre eles num espaço de tempo tão curto. Para mais da metade, era a primeira vez que haviam hospedado alguém que não era seu parente ou conhecido.

Em conversas posteriores àquela experiência, algumas pessoas mais solitárias expressaram a sua tristeza com o fato que os relacionamentos dentro da igreja eram, frequentemente, mais superficiais que aqueles formados entre hóspedes e hospedeiros naquele fim-de-semana. Portanto, eu concluí meu texto assim:

A resposta parece ser que é dentro do contexto das nossas casas que relacionamentos duradouros são consolidados. Eis aí o desafio, irmãos. Vamos continuar passivos, esperando, ano após ano, o dia em que teremos “condições” para convidar irmãos para almoçarem ou jantarem conosco? Vamos continuar aguardando um convite formal ou “tempo livre” para fazer uma visita? Ou vamos procurar e agarrar oportunidades para conhecer e amar melhor os irmãos da nossa própria igreja?

O “Coral” veio. Cantou. Encantou. Foi embora. Uma experiência rápida, mas linda e profunda. Os irmãos da igreja continuam conosco. Vivem, sofrem, se alegram. Ontem, hoje e amanhã. Uma experiência bem mais longa. O que podemos fazer (coletiva e individualmente) para torná-la igualmente linda e profunda?

Deus utilizou a leitura de alguns dos textos da Bíblia sobre hospitalidade para incentivar os nossos irmãos na igreja a abrirem seus lares. Vou colocar os principais aqui, desta vez usando a Nova Versão Internacional porque, às vezes, alguns de nós ficam tão acostumados a ouvir as mesmas palavras que o sentido escapa. Peço que notem que, apesar de alguns textos falarem de presbíteros/bispos e viúvas, as recomendações valem para todos nós—já que são requisitos que avaliam a vida prévia destas pessoas (ou seja, antes de serem oficiais ou beneficiárias)—dando destaque a um espírito e um histórico de hospitalidade como sinal da fé verdadeira.

Entretanto, não pretendo me concentrar neles. E nem nas perguntas que acabo de fazer sobre a comunhão dentro da igreja. Minha intenção agora é de continuar provando o meu postulado de alguns anos atrás que é dentro do contexto das nossas casas que relacionamentos duradouros são consolidados. Assim, vamos examinar alguns exemplos bíblicos (não todos) de hospedagem de “preletores” e servos de Deus e, depois, focar novamente na nossa própria hospitalidade oferecida às pessoas de fora—em hospedagem. Esta hospedagem normalmente inclui o oferecimento de comida, dormida e até transporte —uma morada temporária. Mas, primeiro, seguem os textos bíblicos:

Compartilhem o que vocês têm com os santos nas suas necessidades, pratiquem a hospitalidade. Romanos 12:13
(A viúva que pode ser “inscrita na lista” deve ser)… bem conhecida por suas boas obras, tais como criar filhos, ser hospitaleira, lavar os pés dos santos, socorrer os atribulados… 1 Timóteo 5:10
(O bispo a ser escolhido deve ser) hospitaleiro, amigo do bem, sensato, justo, consagrado… Tito 1:8
Não se esqueçam da hospitalidade; foi praticando-a que, sem o saber, alguns acolheram anjos. Hebreus 13:2
Sejam mutuamente hospitaleiros, sem reclamação. 1 Pedro 4:9
É necessário, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, moderado, sensato, respeitável, hospitaleiro e apto para ensinar… 1 Timóteo 3:2

Existem vários exemplos de hospedagens no Antigo Testamento. A citação em Hebreus (acima) se refere a dois incidentes com Abraão e Ló (Gênesis 18 e 19). Mas, o que mais chama a minha atenção é um outro relato. Falo da mulher sunamita que convenceu seu marido que deveriam preparar um quarto completamente mobiliado, especificamente para o profeta Eliseu. Assim este poderia descansar melhor nas suas freqüentes viagens. Emociono-me com o retorno que receberam pela generosidade—Eliseu ficou tão grato que intercedeu com Deus para realizar o seu maior sonho—um precioso filho.

A história tem mais detalhes que podem ser lidos em 2 Reis 4, mas o que sobressai para mim neste momento é a bênção recíproca que veio através da mútua oferta e aceitação de bondades e afeição. Tudo baseado num desejo anterior de servir ao Deus de ambas as partes. Afinal, o profeta solitário ficou com uma espécie de família quando aquele casal se prontificou para ir além de uma mera oferta de dinheiro ou bens, ou de providenciar um lanchinho de vez em quando (já coisas muito bem-vindas em si!).

Eles não apenas permitiram, mas procuraram uma “invasão” no seu espaço e uma “intrusão” na sua intimidade—assim vivendo, na prática, a verdadeira hospitalidade. Havia custo. Havia recompensa. São os dois lados da comunhão. E a conseqüência foi amizade e fraternidade duradoura e profunda.

Estas minhas últimas observações também se aplicam a vários exemplos neo-testamentários de hospedagem de servos de Deus nos lares. Lembro-me primeiro do relato de Lucas sobre os apóstolos sendo acolhidos pela recém-convertida Lídia em Filipos (Atos 16). Posso imaginá-la cheia de admiração por aqueles homens que tinham sido instrumentos de Deus para abrir o seu coração para atender à mensagem. Lucas nos diz que ela os constrangeu a ficar—insistiu com eles, convencendo-os que se eles não aceitassem o seu convite, ela concluiria que estavam duvidando da realidade da conversão dela. Foi uma espécie de “chantagem santa”.

Uma prova imediata de que Lídia havia atendido e entendido a mensagem foi que ela sentiu uma necessidade imediata de compensar a bênção. A casa dela, aparentemente, era grande e, como vendedora do tecido mais cobiçado do império, ela deve ter tido posses. Creio que ela entendeu de imediato que tinha ao seu dispor uma excelente maneira de mostrar a sua gratidão a Deus e a seus mensageiros, pois logo percebeu que aqueles primeiros missionários, que tinham sido divinamente enviados à Europa, poderiam ser acolhidos, alimentados e hospedados.

Vejo-a, também, agarrando a oportunidade de tê-los por perto, para poder garimpar mais preciosidades das suas mentes, estando próxima quando eles falavam e ensinavam. Assim, poderia ter acesso para fazer as mil e uma perguntas que brotavam a toda hora. E para, ao mesmo tempo, poder observá-los no seu dia-a-dia e ver como eles mesmos viviam, agiam e re-agiam, e assim imitá-los nas suas próprias atitudes e ações.

Além disto, Lídia ansiava ajudar na transmissão desta mensagem tão maravilhosa e transformadora. Ela não podia, de jeito nenhum, guardar aquela bênção apenas para si! Portanto, abriu as portas e ambientes da sua casa para que outras pessoas pudessem entrar e ouvir. Algumas também se converteram e cresceram na fé junto com ela. Sabemos que sua casa tornou-se um lugar de encontro dos novos convertidos, pois foi diretamente para lá que Paulo e Silas foram para “ver” e “confortar” os “irmãos”, depois do seu tempo na cadeia, e antes de partir.

A história de Atos 16 termina aqui. Só no céu creio que vamos poder descobrir (acessando os arquivos áudio-visuais divinos) como Lídia e “os da sua casa” que foram batizados, continuaram em meio à perseguição que começou tão logo depois da sua conversão… Como ela se deu com o carcereiro e a sua família… Se ela se fez de irmã para a mocinha da qual Paulo expulsou o espírito… E se, e como, ela prosseguiu numa profissão que lidava, frequentemente, com pessoas vaidosas e corruptas, mas que também precisavam ouvir a mensagem da redenção via Jesus….

Através do registro de Lucas, Lídia entrou nos anais do povo de Deus quando ela, num gesto espontâneo, e em resposta ao amor de Deus, abriu seu lar para aqueles que haviam vindo para transmitir a mensagem divina. E nós—a nossa casa, o nosso lar, o nosso tempo e os nossos bens? Estão, do mesmo modo, a serviço de Deus?

Já tive o prazer de examinar a hospitalidade de várias outras pessoas que se tornaram amigos de Paulo e dos outros apóstolos. Mas só vou compartilhar sobre isto da próxima vez. Que Deus abençoe a todos nós!
Betty

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