Roubaram Minha Bolsa! E Agora, Senhor?

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Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graça. –Filipenses 4.6

Aeroporto de Guarulhos. Neto e Isabel haviam ido encontrar-se com um primo holandês dela. Este, juntamente com sua esposa, faziam uma viagem turística pelo Brasil. Quando ele descobriu que teriam quatro horas de espera, sugeriu que se encontrassem. Após os primeiros cumprimentos, cuidaram de fazer o check-in para a próxima etapa da viagem e foram beber guaraná na lanchonete de uma rede conhecida.

Sentaram-se bem no fundo: Isabel e Lia num sofá encostado à parede e Neto e Alex no outro lado da mesa. Todos deram as mãos e fecharam os olhos enquanto Neto pediu a bênção divina sobre o alimento, por aqueles momentos e pelo restante da viagem do casal.

Tiraram albuns com fotos das suas vidas e ficaram mostrando e conversando animadamente. Num certo momento, o primo Alex deu duas fotos, com parentes comuns, a Isabel. Querendo anotar os nomes, ela procurou sua caneta. Estarrecida, seus olhos procuraram os de Neto.

—Que foi?
—A bolsa! Cadê minha bolsa?

Todos começaram a procurar—embaixo da mesa, do sofá, das cadeiras… Teria havido um furto? Impossível! Estavam num local afastado—certamente teriam observado a aproximação de alguém estranho! O coração de Isabel batia a mil por hora, enquanto seu olhar refletia uma angústia enorme.

Refizeram os passos, voltaram ao carro, ao check-in… Nada! Lá Isabel se lembrou de haver pegado algo na bolsa. Então só poderia ter sido na lanchonete, na hora da oração!

–Pai, como é possível que logo eu, tão prevenida, tenha sido vítima de um golpe desse?! Sempre agarro minha bolsa! Que agonia! Que vergonha!

Voltaram à lanchonete… Veio o gerente, depois, seguranças… O que havia dentro da bolsa? Passaporte? Dólares? Não, nada disso. Talvez uns vinte reais (ainda bem)… E uma máquina fotográfica para registrar o encontro… Ah, e os documentos! Um talão de cheques… Dois cartões de crédito… Um telefone celular…

O celular! Os olhos de Neto brilharam. Enfiou a mão no bolso e ligou para o celular da Isabel. Uma voz feminina atendeu. Disse que havia “quase atropelado” a bolsa no estacionamento.

–Me procure no Terminal Um. ‘Tou vestindo uma blusa vermelha e calça jeans. Neto disparou na frente—fizeram a travessia entre os dois terminais em tempo recorde. Lá chegando, ficaram olhando, esperando… Nada da mulher ou da bolsa. E o celular agora só caía na caixa postal…. Um dos policiais alertou—Foi um truque para ganhar tempo, vamos logo para a delegacia.

Durante os percursos, Isabel tentava explicar a situação ao casal. O primo estava atordoado. –Estou literalmente com dor de estômago. Me sinto muito mal por termos sido a causa disso. Se não fosse a gente, vocês não estariam aqui, nem nessa situação!

Isabel olhou para os rostos ruborizados de Alex e Lia. Pensou intimamente: – Bem que ele tem razão. Mas não! Não e não! Eles não fizeram nada de errado em procurar o contato. O pecado neste momento não era deles, mas dela. Como era mesmo aquele versículo? Sobre não andar ansiosa por coisa alguma? –Pois é, Senhor. ‘Tou andando, não, ‘tou correndo, e muito ansiosa. Será que o Senhor não exagerou um pouco com a sua “coisa alguma”? Como vou evitar? O que é mesmo que diz no resto do versículo? Algo sobre fazer conhecido diante de Deus as minhas súplicas. Pai, eu preciso controlar as minhas reações e dar um bom testemunho. Agora! Me dê forças, por favor.

E foi isto que ela afirmou aos primos. –Não! Foi muito bom a gente ter se encontrado. De verdade. E foi Deus quem permitiu isto. Não sei a razão, mas ela existe! Vai dar tudo certo! Assim ela conseguiu aliviar um pouco a aflição do casal, e a própria também. Passando pelo local de embarque, deu um grande abraço de despedida neles, prometendo mandar um e-mail contando o que ainda iria acontecer.

Na delegacia do aeroporto, Isabel fez o B.O. enquanto Neto cancelava os cartões de crédito. Lembrou-se agora dos óculos, da carteira de identidade, de habilitação, do CPF, dos convênios médicos, dos documentos do carro, das chaves da casa… Sentou lá, quieta, pensativa, enquanto os formulários iam sendo preenchidos. –Pai, me lembrei de outra parte daquele versículo—com ações de graças. Reconheço muitas coisas pelas quais devo ser agradecida. Afinal, não estou numa fila numa delegacia superlotada, em meio a todo tipo de gente atribulada e depravada. Aqui tem até ar condicionado! E somos os únicos “fregueses”! Também estou contente que não foram as coisas dos nossos primos que levaram. Não quero nem pensar no transtorno de repor passagens e passaportes numa terra estranha. Mas Senhor, estou muito chateada! Aquele lugar parecia tão seguro. Por que o Senhor permitiu este transtorno? Alex e Lia sairam com uma péssima impressão. E nem deu para terminarmos a nossa conversa…

A sua oração foi interrompida—Isabel, consegui cancelar os cartões mas eu perguntei se alguém fez compras com eles hoje. Deixe eu somar aqui. São dois mil e setecentos reais! Foram “fazer a festa” em dois supermercados bem perto daqui! As pessoas na delegacia fizeram gestos de horror e solidariedade. Uma falou—Vocês estavam fazendo o boletim de ocorrência na mesma hora em que as compras foram feitas. Pode ser que consigam cancelar esse débito.

Isabel assinou os documentos da queixa e permaneceu esperando enquanto Neto cancelava os outros documentos. Ficou olhando para ele, notando o grande número de fios brancos em meio à farta cabeleira preta! Estavam ficando mais velhos, mas também mais experientes diante de Deus. E era por isso também que podia estar agradecendo naquele momento. Ficou imaginando como teria sido se Neto tivesse reagido de outra maneira, se tivesse ficado irado ou ressentido, recriminando-a pelo descuido e culpando-a. Ele colocava em prática a sua fé cristã, tendo consideração e compaixão, evitando as palavras duras e as censuras que poderiam brotar numa situação desta. Surgiu outro pensamento—Escondi as tuas palavras no meu coração, para não pecar contra ti. Ficava em algum lugar no Salmo 119.

Saindo do aeroporto, Isabel ligou para seus filhos e contou a história. Pensando nas chaves, sugeriu que trocassem o cadeado do portão. Enquanto ainda falava, notou quando Neto ligou o pisca-pisca para sair da via principal. Olhou para ele, surpresa. –Vamos dar uma passadinha nos supermercados para ver se eles nos dão cópias dos comprovantes das “suas compras”. Afinal, moramos no outro lado da cidade, e será difícil voltar outra hora. Mesmo sem concordar muito – queria chegar logo em casa – fez sinal positivo com a cabeça.

E assim foram. Descobriram que “Isabel” havia comprado 2 DVDs, micro-ondas, video-cassette e outras coisas, simultaneamente nas duas lojas, no valor de três mil e trezentos reais. As assinaturas eram parecidas mas haviam diferenças óbvias. Isto lhes dava um pouco de esperança sobre o resultado da briga que previam com a administradora dos cartões. A caminho de casa, foram imaginando quais os outros danos que ainda poderiam vir—aquilo seria apenas o início dos estragos?

Estou com tanta raiva daquelas ladras! E não vemos ninguém fazendo algo para impedí-las. A polícia só registrou a queixa—passivamente. Nos supermercados a mesma coisa. Elas ainda estavam lá quando os cartões foram cancelados e ninguém tentou prendê-las. Amanhã outra pessoa vai sofrer como eu, ou pior ainda. Me sinto como Davi, apelando para o seu Vingador. Posso pedir a Deus um castigo contra elas, Neto?
Por mim, pode.
—Já fiz. Eu disse para Deus que eu queria um castigo grande e que fosse algo que entendessem imediatamente como conseqüência do roubo. Ele bem que pode usar isto ou alguém para convertê-las depois! Já imaginou uma delas ligando para nossa casa, pedindo desculpas.
—Você tem imaginação, Isabel!

Mas o dia ainda não havia chegado ao fim. Chegando em casa, o telefone tocou. Era um homem, dizendo que havia encontrado a bolsa numa lixeira. Se dizia vigilante de um restaurante em reforma onde não havia telefone. Soava estranho. Seria uma armadilha? Pensaram – Não dá para usarem mais os cartões de crédito, agora querem alguém para um ‘sequestro relâmpago’, com os cartões bancários. Depois de uma oração em família, Neto saiu acompanhado por seu filho mais velho, Thiago, e um amigo deste. Isabel telefonou para seus sogros que ficaram orando e suplicando as misericórdias de Deus. Uma hora depois, veio a ligação do Thiago, dizendo “tudo certo”. Isabel e seu filho caçula pularam de alegria.
Agora, fale: o que sobrou?
Thiago foi contando—lenço de papel usado, uma caixinha de tic-tac…
—Vai, menino, quero lá saber dessas coisas!
Ele riu e continuou – chaves, óculos, identidade, habilitação, CPF, os documentos do carro… Faltavam ainda o talão de cheques, os cartões de crédito, o celular e a máquina fotográfica. Apesar da preocupação com a cobrança das compras indevidas***, o alívio era enorme. Isabel ligou para seus sogros: —Graças a Deus, está todo mundo inteiro, exultou Vovó Valdete. Mas estou com pena é daqueles gringos. Vamos pedir proteção para eles durante o restante da viagem.

Algumas horas depois, Isabel deixou Neto na sala organizando a papelada dos cancelamentos, e se deitou com a Bíblia na mão. Queria verificar o texto da passagem que lhe viera a mente naquela tarde. Encontrou-o em Filipenses 4. Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graça.
Sim, Pai, eu tentei seguir isto. Estou entendendo muito pouco do seu raciocínio hoje mas vou dormir confiada nas palavras que seguem. “E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e as vossas mentes em Cristo Jesus!”

Elizabeth Zekveld Portela
Publicado na SAF em Revista, 3º Trimestre / 2001

*** A administradora dos cartões insistiu em cobrar as dívidas mas depois de quatro meses de “diálogo” fez o estorno. Os primos passaram mais três semanas viajando pelo Brasil, sem nenhum transtorno adicional. As ladras ainda não ligaram para pedir desculpas.

5 Comentários a “Roubaram Minha Bolsa! E Agora, Senhor?”

  1. Suenia disse:

    Olá querida Betty,
    Fiquei de fato meditando sobre o que você escreveu a respeito do meu último post. Como é importante prestarmos atenção na beleza da sabedoria de Deus em nos trazer felicidade através dos membros que compõem nossa família. Fico admirada com as peculiaridades de cada uma das minhas princesinhas, como são especiais e tão amadas, e vejo o quanto muitas vezes em meio à correria e preocupações acabo por não oferecê-las o carinho que merecem. Muito obrigada pelas suas palavras que mais uma vez me encorajaram a continuar buscando crescer como esposa e mãe.
    Quero tbem te parabenizar por este website, não cheguei a ler todas as crônicas mas as que li, como esta última, por exemplo, falaram ao meu coração por serem muito práticas e mostrarem que não sou a única a passar por situações semelhantes.
    Por favor, sempre que puder deixe sua opinião sobre meus textos, vou apreciar muito e poderei aprender ainda mais com alguém experiente e piedosa como você.
    Com carinho,
    Suenia

  2. Tarcizio Carvalho disse:

    Que dureza!
    É o tipo de situação na qual nosso senso de “justiça” aflora. Fico feliz que a possibilidade de sequestro relâmpago não tenha se concretizado.
    Certamente há muito para se contentar nessa história… depois.
    E certamente fica aquela indignação lá no fundo… também depois.
    Fiquei pensando na paz de Deus que guardará o que sentimos e o que pensamos (coração e mente), mas nem uma palavra sobre o que passamos (situações). Mas, no contexto, a situação é incluída!
    Paulo comenta lá em Filipenses 4:11 que aprendeu a estar contente nas situações favoráveis e desfavoráveis. Assim, o ensino de Deus através dele é que pensemos corretamente. A paz de Deus vai atuar, portanto, em meio às desconcertantes situacões que muitos ainda teremos, ou não (estilo Caetano).
    A situação é ruim ou desconcertante? Vamos fazer o que é preciso (cancelar cartões, orar com olhos abertos em público :)) ), e também nos permitirmos ser corrigidos por Deus. Aquela situação não é a norma do reino de Deus, e não deve ser a norma para a minha vida. A norma é que aquilo que aprendemos, recebemos, ouvimos e vimos acerca da vida cristã, seja colocado em prática.
    Por isso é que a idéia maluca da Isabel de desejar a conversão delas foi a mais genial! Essa é a nossa profissão! Se pensássemos somente na horizontal, sem a correção da paz de Deus, não quereríamos pregar “pra essa gente”!!!

    Obrigado pelo escrito, e por poder refletir escrevendo.
    Gosto de escritos como os do seu site. Vou devagar lendo um e outro.
    Tarcizio

  3. betty disse:

    Tarcísio,
    Ainda estou me acustomando a ter alguém interagindo comigo sobre algo que escrevi. Especialmente em nível tão profundo. Você conseguiu entender mais até do que pude visualizar na época do ocorrido, mas que poderíamos resumir como um alvo na vida cristã–procurar colocar em prática aquilo que aprendemos durante as adversidades (e durante as alegrias, também).

    Não é bom ficarmos olhando para trás, amargurados, só pensando nas coisas ruins que aconteceram, culpando os circunstantes (nossos pais, professores, chefes, policiais, governantes) e até questionando Deus. Sei que existem coisas muito piores do que o roubo de uma bolsa, mas quando seguimos este princípio de tirar o máximo proveito possível para as nossas atitudes e ações subsequentes (sabendo que Romanos 8:28 é verdade) podemos servir melhor ao Deus que nos adotou como filhos, tanto durante a situação, como nos dias, meses e anos que seguirem, tendo (e esbanjando) a paz e alegria que só Deus pode nos dar.

    Que Deus abençoe a você, Bete e as crianças lá na longínqua Holanda.
    Betty

  4. betty disse:

    O Pão Diário de hoje tem como leitura 2 Coríntios 11, que lista os sofrimentos que Paulo passou. Qual a atitude dele? Fica no próximo capítulo: “Eu de boa vontade me gastarei e ainda me deixarei gastar em prol das vossas almas” (12.15). Percebi agora que isto é ativo (me gastarei) e passivo (me deixarei gastar)? Que exemplo, não?!! (Este é o primeiro versículo que escrevi na capa da minha Bíblia–pensando mais nos meus filhos do que no mundo inteiro, confesso). O segundo que copiei é, Quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus. Não vos torneis causa de tropeço… 1 Co 10.31,31.

    A meditação termina com Romanos 12.37. “Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores por meio daquele que nos amou” e conclui, “Portanto, não reclame; Jesus venceu o mundo e nós também podemos vencer. Os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória vindoura.”

    Que a graça do Senhor Jesus Cristo (2 Co 13.13) possa estar com todos nós,
    Betty

  5. Tânia Cassiano disse:

    Betty,
    Moro no 3° andar, e minha varanda tem tela. Pois bem, faz mais ou menos uns 15 dias, eu “peguei”no sono assistindo um programa evangélico,acordei,e ainda estava passando, quando percebí era umas 04h, fechei a varanda, meu marido estava dormindo no quarto, ia desligar o celular que tinha deixado na bolsa, em cima da mesa como não a encontrei fui dormir. No outro dia…. cadê bolsa, celular? enfim, o bendito ladrão escalou meu prédio, queimou a rede de proteção, passou por mim na sala e levou minha bolsa e o celular do meu marido (achei a
    bolsa depois no prédio vizinho), pensei comigo “se ele viu o programa,
    a minha bíblia no sofá, deve ter doído na consciência, se ele se salvar, pelo menos valeu à pena. Pode crer, é tudo verdade! Agradecí à Deus pela Sua proteção. E hoje estou aquí, totalmente identificada com a sua
    meditação.
    Um abraço,
    da sua irmã em Cristo, Tânia

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