Nascendo na Família de Deus

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Num recente culto na minha igreja, cantamos o hino 88 do Novo Cântico. Quantas preciosas doutrinas encapsuladas em tão poucas palavras! Mas foram as palavras da terceira estrofe que prenderam a minha atenção:

Amavas-me, Senhor, quando atingiu meu peito
O Espírito de luz, o meu Consolador
E com tesouros mil, de teu favor perfeito,
Trouxe à minha alma a fé em que hoje me deleito.
Meu Deus, que amor!
Meu Deus, que antigo amor!

Deliciei-me pensando sobre isto e continuo agora, tentando trazer de volta as coisas que vieram à minha mente enquanto cantei estas declarações—afirmações inseridas num hino que se concentra na maneira em que todas as três pessoas da divindade participaram do projeto de incluir a mim, Betty, no rol das pessoas eternamente amadas por Deus, desde antes da criação do mundo.

A pergunta que surgiu, e na qual fiquei pensando, foi a seguinte: Quando foi mesmo que o Espírito Santo “atingiu meu peito”? Quando foi que Ele “trouxe à minha alma” esta “fé em que hoje me deleito”? Estes “quandos” foram simultâneos, paralelos, seqüenciais ou complementares? Sei que captei naqueles rápidos momentos, entre o término do hino e o início do sermão, um vislumbre da riqueza da compreensão do pacto da graça—da aliança entre Deus e meus pais—simbolizada pelo batismo que recebi, poucos dias depois do meu nascimento, numa pequena igreja reformada no Canadá. Percebo que, naquele ato de apresentação a Deus e compromisso, quando meus pais prometeram me criar “na disciplina e correção do Senhor”, o Espírito Santo já havia iniciado o processo da minha redenção, que culminaria num relacionamento recíproco, em que Ele faria moradia em mim para sempre.

Eu não sou capaz de rápida e naturalmente apresentar um argumento lógico e ordenado a favor do batismo infantil e em prol da importância do conceito do pacto da graça. Entretanto, confesso que sinto fortemente que existe algo muito especial em acreditar que Deus quer que a criança seja considerada e tratada como sendo parte da família dele desde o começo. A minha experiência se une à minha compreensão do plano redentivo de Deus, conforme os dados das Escrituras, e resulta neste sentimento.

É verdade que tenho muitos preciosos irmãos e irmãs “batistas” e de outras denominações que acreditam diferentemente. Mas, entre estes, tenho conhecidos que vivem constantemente preocupados com a salvação dos seus filhos, que ainda não têm “pedido para Jesus ficar no seu coração”. Sei de pais que choram porque seu filho pré-adolescente morreu sem ter assumido um compromisso concreto com Deus, e ele nem era rebelde. E vivencio a vida dupla que outras crianças e jovens levam porque declararam crer cedo demais, apenas para apaziguar os pais que precisavam se apegar ao momento em que seu filho havia “aceito Jesus”. Noto, também, a necessidade destas pessoas “dedicarem” os seus filhos assim que nascem, trazendo-os à igreja, apresentando-os à congregação e aos irmãos queridos. É como se a natureza clamasse por um cerimonial que é tão belamente retratado no batismo infantil.

Conosco era diferente. Por ter nascido num lar cristão, era de conhecimento geral que eu fazia parte da família de Deus. Ninguém ficava me pressionando para tomar aquela decisão. Ninguém ficava me implorando para “receber Jesus como meu Salvador.” Para meus pais, aquilo era um dever e não uma opção a ser considerada de momento em momento, de evento (evangelizador) para evento (evangelizador), de acampamento a acampamento …

Quando eu pecava, aquilo não era imediatamente visto como demonstração de falta de conversão. Se era algo feito pela primeira vez, podia ser ignorância. Se era algo repetido, era rebeldia, e eu era disciplinada por ter ofendido a Deus. Tudo que eu fazia era relacionado a Deus. Ele sustentava o meu mundo. Ele me via sempre e em todo lugar. Ele havia enviado Jesus para morrer pelos pecados do seu povo e eu, que vivia no meio deste povo, tanto no meu lar quanto na minha igreja, deveria mostrar minha fé e minha gratidão através da minha obediência. Eu sabia que não tinha para “onde escapar se descuidasse de tão grande salvação” (Hebreus 2.3). Aprendi que Deus manda que todas as pessoas em todos os lugares se arrependam e eu, normalmente, me arrependia quando confrontada com meus erros (Atos 17.30).

E foi assim que eu e meus irmãos crescemos, com pais imperfeitos, mas comprometidos a servir a Deus. Criaram seus filhos em meio às lutas pela sobrevivência—convivendo com doenças, dores, prejuízos, incertezas, limitações, incompreensões e perdas. De vez em quando, observávamos, em nossa família, como não deveríamos viver. Havia palavras ásperas proferidas em momentos de cansaço ou frustração. Reações excessivas. Alguns castigos exagerados (embora a maioria fosse merecida).

Entretanto, dormíamos de noite e acordávamos de manhã, e tudo era novo. Antes de deitar, numa oração de perdão pelos meus pecados, em nome de Jesus, eu “limpava a minha ficha” com Deus. Com o raiar de um novo dia vinha uma nova oportunidade de agradar a Ele fazendo aquilo que era certo—não para ser salva, mas para mostrar meu respeito e minha gratidão (e evitar a sua ira). Isto valia para todos na família—adultos e crianças. O dia já se iniciava com uma conversa com Deus antes do café da manhã—que era concluído com a leitura da Bíblia. E isto se repetia em todas as refeições. E tudo que era feito entre e depois destas refeições era orientado e julgado pelos princípios bíblicos que poderiam ser referidos por qualquer um de nós. Resumindo, tudo que valia para meus pais valia para mim. Eu não vivia no “limbo” dos filhos “ainda não salvos”.

De fato, nunca duvidei da verdade das Escrituras. Apenas demorei em entender que a fé não precisava ser acompanhado pela perfeição para ser real e salvadora. Mas a formação da minha fé não foi de uma vez só, coisa de um grande e memorável momento, apesar de ter existido uma ocasião específica em que entendi a lógica divina por trás do plano da salvação (a necessidade da expiação substitutiva) e de ter havido um dia em que assumi a realidade da minha fé. Foi um processo gradual, maravilhosamente conduzido pelo Espírito Santo. Ele trabalhou de muitas maneiras, me cercando de todos os lados, ensinando-me e convencendo-me da verdade pouco a pouco, progressivamente. Com 19 anos, já universitária, fiz a minha pública profissão de fé após várias classes preparatórias, nas quais aumentei os meus conhecimentos do relacionamento com Cristo. Assim, confirmei a obra que o Espírito havia oficialmente iniciado no momento do meu batismo e validei a promessa dos meus pais.

Sei que algumas pessoas, principalmente aquelas que vêm de lares descrentes, podem experimentar conversões dramáticas; momentos marcantes da entrada no Pacto da Graça. Mas o Evangelho se espalha tanto a essas pessoas, como às famílias que fielmente transmitem as verdades de Deus a seus filhos, na expectativa e crença na promessa de que Deus abençoará tal fidelidade.

Tomo estes momentos para agradecer ao meu Pai celestial pelos fatores, momentos e pessoas trazidas pelo Espírito Santo para me convencer e me fortalecer naquele ambiente, preparando-me não apenas para crer, mas também para servir. Vejo como eram importantes meus pais, meus avós, meus tios… Naquilo que falaram, que fizeram, que ensinaram… Eram instrumentos do Espírito Santo, cada um com seu propósito, do seu jeito, no tempo apontado.

Lembro-me da regularidade e solenidade dos cultos ao Deus todo-poderoso, dos Dez Mandamentos impressos no meu coração pela sua leitura todo domingo, dos valiosos ensinamentos dos hinos que decorei, dos vários pastores que pregavam e davam aulas de catecismo, dos professores de Escola Dominical, dos lideres dos grupos para crianças e jovens…

Recordo-me de alguns amigos bem especiais… E dos pais deles… Quase todos comprometidos com a Palavra, apesar de imperfeitos de alguma maneira ou de outra. Tive que aprender a avaliá-los por esta mesma palavra e saber quando imitá-los e quando não. Eles me prepararam para lidar com o mundo em que predominavam os descrentes, especialmente na escola. Equiparam-me para servir a Deus, como criança, como jovem e, agora, como adulta.

O Espírito continua trabalhando, me ensinando mais, me fortalecendo. Junto com meu marido, conseguimos aplicar os mesmos princípios na educação dos nossos quatro filhos (nem sempre conscientemente), já num ambiente onde o conceito do pacto da graça não é tão bem compreendido ou valorizado quanto no mundo em que cresci.

Contra esta teologia que aqui estou promovendo como sendo muito preciosa, dizem que os jovens criados assim acabam crescendo presumindo que são salvos meramente por causa do seu batismo, e que não procuram evidenciar confirmação ou homologação deste fato na parte prática da sua vida. E, de fato, tenho visto isto acontecer com alguns na igreja em que me formei.

Mas será problema da teologia em si ou de uma má compreensão, aplicação ou prática desta? Pois, por outro lado, vejo jovens que foram levados a “aceitar Jesus” num acampamento, em um culto “missionário”, ou na Escola Dominical. Estes jovens (e seus pais), muitas vezes são levados a crer que aquele momento de declaração da sua fé (indo “para a frente” e depois escrevendo seu nome e a data num formulário preparado) tem um poder quase mágico em garantir a sua salvação. Creio que ambos se baseiam numa errônea e falsa compreensão das promessas de Deus e do modo pelo qual Ele opera.

Em conclusão, a vida tem que confirmar a promessa sim—tanto através do constante empenho dos pais que batizaram seus filhos, quanto nas ações e atitudes dos que foram criados como filhos do pacto. Todos os seres humanos existem com o dever de obedecer, servir e glorificar a Deus—sendo crente ou não. Todos são pecadores e irão falhar diariamente—em atitudes e ações. Os que são alvos da graça de Deus, serão alcançados e santificados através do Espírito Santo, que não é uma força mágica, mas que trabalha através da transmissão dos fatos e princípios registrados na Bíblia. Para isto ele usa vários instrumentos de comunicação como os interpessoais (pais, avós, parentes, professores, pastores, vizinhos, irmãos na fé…), os literários (livros, panfletos, a Bíblia em si) e os audiovisuais (filmes, Internet, TV, CD, DVD…).

Nós, como pais, temos a tarefa de procurar e usar todos os meios possíveis para promover o conhecimento e a compreensão daquilo que o Espírito tem para comunicar, enquanto nos esforçamos para protegê-los de tudo aquilo que lhes pode prejudicar.

Sei que nem todos que estão lendo estas palavras tiveram uma experiência tão compreensiva quanto a minha, onde a maior parte das circunstâncias e pessoas contribuiu para o mesmo alvo. Mas, se o Espírito Santo agora estiver fazendo moradia na sua vida, então Ele passou para você a responsabilidade e o privilégio de moldar e transformar o ambiente e algumas das influências das crianças na sua vida, sejam eles filhos, netos, sobrinhos, alunos, vizinhos… Você pode aprender da Palavra que Ele inspirou (tanto para nos converter quanto para nos orientar e santificar) e entregar seus dons e conhecimentos para que sejam transformados em instrumentos dele.

Um dia, um adulto (como eu) poderá olhar para trás e reconhecer que Deus lhe usou para impactar a sua vida. Ele (ou ela), entretanto, poderá nem lembrar grande parte das dezenas, centenas e até milhares de momentos em que você se empenhou ou sacrificou para lhe abençoar. Mas existe alguém que está vendo, apreciando e aproveitando cada esforço, cada palavra, cada ato. Este é o Deus triuno, Pai, Filho e Espírito Santo, aquele que recebeu meus pais (e tantas outras pessoas que compuseram o meu passado) no céu com palavras parecidas com as seguintes—“Muito bem, servos bons e fieis… Venham e participem da alegria do seu Senhor… O que vocês fizeram a seus filhos e a outras crianças durante a sua vida, a mim o fizeram.” (baseado em Mateus 25:21, 40—NVI)

Desejando a todos a comunhão de Espírito Santo, Betty

Um Comentário a “Nascendo na Família de Deus”

  1. Betty, Solano e família disse:

    Amados irmãos: Damos graças a Deus por suas vidas tão preciosas (para Deus e para nós que temos o privilégio de desfrutar de suas presenças na igreja).
    Suas vidas são um testemunho vivo de consagração, respeito e adoração ao Senhor, digno de ser imitado. Suas mensagens retratam bem o quanto os irmãos amam a Deus e aplicam os ensinamentos bíblicos para a edificação do Corpo. Deus seja louvado!.
    As fotos estão muito bonitas (coloquem mais).
    Deus continue fazendo “grandes coisas” em suas vidas, abençoando-os e fortalecendo-os em todas as áreas.
    Fiquem com Jesus.
    Recebam nossos abraços,
    Gilberto e Maria Alice
    (Salmo 133:1)

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