Despedida de uma Amiga

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Soubemos ontem que a escritora e tradutora evangélica, Wanda de Assumpção, estava inconsciente no hospital, na última etapa da sua luta contra câncer. Desde então, tenho me ocupado encontrando e relendo os e-mails que trocamos. Infelizmente, perdi alguns dos primeiros com a quebra de computadores anteriores. Posteriormente, já depois da meia-noite, chegou o aviso que ela havia descansado.

A primeira vez em que vi a Wanda foi em 1997, ao participar de um evento para tradutores e escritores em que ela também estava presente. Naquela época, eu tinha ainda menos coragem do que agora de me classificar como integrante de qualquer uma destas duas categorias. Wanda, entretanto, já era tradutora renomada e autora de alguns livros muito bons na área da família. Muito tímida, eu nem me aproximei dela. Fiquei quieta no meu canto, olhando, ouvindo, aprendendo e anotando. Observei uma pessoa simpática e graciosa com porte de rainha, mas cuja postura era, ao mesmo tempo, simples e reservada, sem nenhuma arrogância ou petulância. Falava pouco. Estava lá para aprender, como os outros. Depois brinquei com os dons de escrita que queria desenvolver e fiz uma “poesia” de agradecimento para os coordenadores do seminário—algo que agora está “meio perdido” neste blog, na seção de poesias, mas que considero um passo importante no crescimento no sonhado papel de alguém que manuseia as palavras para realçar a transmissão dos meus pensamentos.

No ano seguinte, em 1998, fiz uma resenha do novo livro dela, “Conte Comigo”, para a Revista Fides Reformata. A editora Mundo Cristão me deu o seu telefone e endereço para eu me inteirar de alguns detalhes. Mas ela não atendia aos telefonemas e nem respondeu à minha carta. Se não me falha a memória, creio que a razão por trás disto foi que acabara de mudar de casa naquela época. Portanto, nunca recebeu a minha correspondência. Mas eu não sabia disto e fiquei um pouquinho magoada. Quase que vi isto como uma indicação divina que talvez eu não devesse continuar desenvolvendo meus talentos na área da escrita, mas focar em outros dons…

Entretanto, alguns anos depois, ela me surpreendeu com um e-mail muito gentil comentando uma crônica minha publicado numa SAF em Revista. Com a minha resposta, iniciamos uma “conversa” prolongada que se estendeu até março deste ano. E, apesar de nos encontrarmos apenas duas vezes durante este período, nunca visitarmos a casa e nem conhecer os filhos uma da outra, ficamos muito amigas. Trocamos talvez uns cem e-mails (um ou dois por mês, muitas vezes extensos), em que discorríamos sobre a nossa vida intelectual e espiritual, inserindo alguns aspectos do dia-a-dia. De vez em quando, falávamos por telefone. Por sermos bilíngües, começamos uma prática peculiar. Ela escrevia em português e eu respondia em inglês.

Falávamos muito sobre a nossa “arte” –tanto a técnica quanto o conteúdo. Gostávamos do mesmo tipo de leitura e compartilhávamos uma paixão pela série Mitford de Jan Karon, cujas personagens povoavam as nossas conversas como se fossem pessoas reais. Queríamos escrever como ela e, de vez em quando, relíamos um ou outro livro e comentávamos novamente o fato que toda vez que pegávamos o texto para decifrar as técnicas que ela usava para prender a nossa atenção, ficávamos perdidos na história e na riqueza dos relacionamentos. Era a nossa leitura “light” que nos estimulava a pegar a nossa Bíblia e ficarmos tão familiarizadas com ela que as nossas vidas também pudessem impactar a outros nas coisas simples do dia-a-dia, como faziam os personagens da série: o Father Tim e a Cynthia, a Srta. Sadie e a Louella, Olívia e Hoppy…

Eu não participei da sua primeira batalha contra o câncer, mas desde novembro de 2005 o seu sofrimento e reações com a volta deste e com os tratamentos se entrelaçavam com os outros assuntos tratados. Ela já estava participando do meu convívio com o diagnóstico e tratamento do mesmo mal na vida do meu marido e assim havia abertura entre nós para falar da vida e da morte quase naturalmente.

Wanda era uma mulher cristã como poucas. Para mim, era uma pessoa que realmente “andava” com Deus. Amava ler e aprender da Bíblia e conversava muito com seu Pai celestial por quem nutria uma impressionante fé e confiança, até nas horas mais difíceis. Ela me incentivava e encorajava com seu humor, sabedoria, resistência, paciência… Nunca me esquecerei da maneira como dizia meu nome—dando-lhe a entonação americana—“Bede”. Escrevia como falava, inserindo as palavras “amiga” ou “Betty” no meio das frases e, quando via meu nome, eu o lia do jeito que ela o dizia. Sentirei uma imensa falta dela e sei que ainda voltarei muitas vezes às suas cartas nas horas de desânimo ou saudades.

Na postagem que segue a esta, escolhi alguns pensamentos escritos por ela enquanto lidava com a sua doença. Creio que teria a bênção dela por causa da resposta que ela me deu quando fiz uma sugestão em janeiro deste ano, após me emocionar com algumas das coisas que registrou numa carta (pensamentos grifados no texto). Eu achava que esta bênção poderia e deveria ser multiplicada. Não sei se ela ainda conseguiu fazer algo neste sentido—escrevendo um ou outro texto… Penso que ela gostaria de ter polido estes pensamentos, que fluíram tão espontaneamente para o teclado, mas creio que as palavras já expressam de maneira profunda e elegante como pode ser o coração de uma filha de Deus—comprometida e sincera, pronta para honrá-lo, até o fim da sua vida.

Há uns quatro meses atrás (no dia 27 de janeiro de 2007), ela escreveu: … Achei sua idéia de um livrinho de meditações curtas, boa e realizável, já que não estou mesmo podendo me concentrar em coisas mais longas. Vou orar a respeito e veremos o que acontece. Sei que a experiência de uma pessoa que está passando por certas dificuldades fala muito alto a outras que estão na mesma luta.

Tomemos ânimo com a Wanda nas nossas próprias vidas. O legado das suas cartas continuará abençoando a alguns. Mas ela deixou uma herança ainda maior, acessível a todos, através dos seus livros. Além do Conte Comigo e do Algo Mais (terminado quando ela já lutava contra o primeiro câncer), temos o lançamento de Mulheres que Tiveram um Encontro Pessoal com Jesus (também completado e revisado entre as sessões dos últimos tratamentos). A Editora Mundo Cristão, ao mesmo tempo, relançou E os Dois Tornam-se Um. Todos se preocupam com a vida em família. A maioria é de livros dirigidos para mulheres de modo carinhoso e compassivo—transmitindo esperança e conselhos sábios, na certeza que os princípios bíblicos para o lar vêm do coração amoroso de Deus e que Ele compreende bem o ser humano que criou.

Meu desejo para todos seria que Deus colocasse um amigo ou uma amiga como Wanda na sua vida e que possamos, individualmente, ser Wandas para outras pessoas. Que possamos exemplificar o fruto do Espírito, evangelizando através de palavras e ações, transmitindo a confiança que o Deus que vimos trabalhando no passado nos ama no presente e certamente cumprirá as suas promessas. Que, como ela, a nossa fé possa ser tão forte e firme que possamos ser capacitados a tomar ânimo e encontrar tempo para encorajar e incentivar nas horas mais difíceis.

Caminhemos juntos!
Betty

4 Comentários a “Despedida de uma Amiga”

  1. David disse:

    Mãe, compartilho dos seus sentimentos. Apesar de não ter conhecido a Wanda, sei o quanto vocês eram amigas. Estamos orando pela família dela e por todos aqueles que sentirão sua falta. Beijos, David

  2. Suenia disse:

    Querida Betty,
    Acabei de ler esta postagem, que muito me emocinou e me fez lembrar de nossa conversa de ontem. Isso também me faz pensar o quanto desejo de coração que minha vida seja usada por Deus para fazer diferença na vida de outros, a despeito de minhas limitações e imperfeições.
    Que o Senhor continue a levantar mulheres valorosas a exemplo de Wanda preservando assim o crescimento e edficação de sua igreja.
    Com carinho,
    Suenia

  3. silvia disse:

    Foi com muita tristeza que através deste blog, fiquei sabendo que a Wanda está descansando no Senhor. O nosso conforto é saber que um dia nos encontraremos na glória com o Pai!

    Silvia

  4. maria ribeiro disse:

    amei esta mensagem fiquei maravilhada e emocionante sinto muito pela sua amiga bjs

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