Crônicas do Cotidiano

Esta postagem é diretamente ligada à anterior que fala da vida e da partida de Wanda de Assumpção, autora e tradutora evangélica. Publico aqui alguns pensamentos que ela compartilhou enquanto lidava com a sua doença. Como já escrevi, creio que teria a sua aprovação por causa da resposta que ela me deu quando fiz uma sugestão em janeiro deste ano, após me emocionar com algumas das coisas que registrou numa carta (pensamentos grifados no texto). Na época, eu achava que esta bênção poderia e deveria ser multiplicada. Não sei se ela ainda conseguiu fazer algo neste sentido—escrevendo um ou outro texto…

Penso que ela gostaria de ter polido estes pensamentos que fluíram tão espontaneamente para o teclado mas creio que as palavras já expressam de maneira profunda e elegante como pode ser o coração de uma filha de Deus—comprometida e sincera, pronta para honrá-lo, até o fim da sua vida. Além disto, ela me dava autorização específica para compartilhar o que tinha escrito sobre algum assunto com minha sogra e com outras pessoas com quem eu interagia. Ela apenas tinha muito cuidado para resguardar a intimidade dos seus familiares e das pessoas que confiavam os seus problemas a ela. Tenho aprendido com ela.

Há uns quatro meses  (no dia 27 de janeiro de 2007), ela escreveu: … Achei sua idéia de um livrinho de meditações curtas boa e realizável, já que não estou mesmo podendo me concentrar em coisas mais longas. Vou orar a respeito e veremos o que acontece. Sei que a experiência de uma pessoa que está passando por certas dificuldades fala muito alto a outras que estão na mesma luta.

Seguem alguns dos pensamentos desta filha de Deus:

Fevereiro de 2006
... A primeira sessão de quimio/imuno trouxe todos os efeitos colaterais sobre os quais li na internet, mas acho que o que mais judiou foi a insegurança, Betty, e o medo que ainda estava me perseguindo. Não sei se lhe contei como tive de lutar contra ele no início de tudo. Parecia que a cada momento havia algo me esbofeteando. … Foram dias de muitas horas passadas diante do trono de Deus, Betty.

Eu acordava bem, esquecida de tudo, e de repente os pensamentos negativos começavam a me esbofetear com fúria. Aí, eu sabia que, se continuasse lá na cama, em pouco tempo estaria muito aflita Aí vinha para o meu escritório, o meu canto de oração, e começava a ler a Bíblia e a me acalmar com a Sua mensagem sobre o poder de Deus sobre todas as circunstâncias. Eu sabia que o medo não vem de Deus. Aos poucos, ia me acalmando e depois até que o resto do dia ia bem, distraída com outras coisas e convivendo com os familiares que já estavam por aqui…

… Sei que todas as orações que estão sendo feitas voltam sobre mim em forma de uma chuva copiosa de bênçãos. Tenho sido tão, mas tão abençoada mesmo, que nem sei como agradecer a Deus tudo que Ele me tem dado nestes tempos difíceis.

... Agora as perspectivas são boas, mas nada é garantido. Sei que cada dia de vida e bem-estar que eu tiver é um presente único e especial de Deus para mim, para o meu esposo e para os meus familiares.

Maio de 2006
… Eu tenho passado tão bem que dá até preguiça de fazer o tratamento, mas o da semana passada não trouxe nenhum efeito colateral. Eu estava bem e continuei bem. É até difícil acreditar que tem alguma coisa errada. Mas talvez não tenha mais, não é? Conversei com o médico e ele me disse que, depois da próxima sessão, vai pedir alguns exames para ver o que está acontecendo lá por dentro, mas para eu não esperar nenhum milagre. Aí ele ficou citando as estatísticas para provar que não é algo curável, apenas controlável por algum tempo. Acho que ele pensa que estou fora da realidade porque estou tão bem e que não estou entendendo a seriedade da situação. Tento falar para ele sobre a força que me dá alegria e paz nesta situação, mas ele me olha sem entender do que estou falando.

Sei que Deus já me curou, Betty. Curou-me do medo, da preocupação, da ansiedade com resultados—de tudo o que estava realmente judiando de mim. Sei o que desejo—uma cura total mesmo. Sei que Ele pode me dar isso. Mas quero a vontade Dele mais do que o meu desejo. E nenhum resultado de exame vai mudar a realidade final de que meus dias estão nas mãos do Pai que me ama e que tem cuidado de mim de forma mais completa e carinhosa do que eu poderia imaginar.

Junho de 2006
… Quanto ao resultado dos exames, Betty, obrigada por suas orações. Elas me têm sustentado e animado, mesmo quando o resultado não é bem o que eu desejava. O Peter me deu o mesmo livro que deu ao Solano e já li boa parte dele. Concordo com vc a respeito do livro de Jó, e vejo que muitas vezes nos consolamos usando coisas que os amigos falaram, e que, no fim, Deus revelou serem falsas e enganosas. Para mim, o que tem sustentado é a pergunta que Deus fez a Jó: Quem? Quem está no controle de tudo? Quem sabe todas as coisas? Quem fez todas as coisas? A resposta a essas perguntas satisfez a Jó e tem-me satisfeito também quando as coisas parecem não fazer nenhum sentido.

Novembro de 2006
… Assim, querida amiga, continuamos vivendo um dia de cada vez. Realmente não posso fazer plano algum, nem para a semana que vem. Mas o nosso Deus tem sido maravilhosamente fiel e amoroso em Seu cuidado de todas as minhas necessidades.

Janeiro de 2007
… Tenho a impressão que não nos permitimos relaxar e aproveitar um tempinho nosso enquanto estamos bem. Ficamos achando que temos de estar sempre servindo, fazendo, quando o que realmente queremos é um tempo sentadas aos pés de Jesus, deixando que Ele nos ensine e fale aos nossos corações aquilo que ansiamos ouvir.

Outro dia tive uma experiência dessas, Betty. Eu queria ouvir a voz de Deus. Estava tudo escuro ao meu redor enquanto eu considerava as probabilidades do caminho à minha frente, e tudo ficou negro. Fiquei quieta ali no meu cantinho de oração, procurando ouvir o que Deus tinha para me dizer a respeito de toda esta situação e nada. De repente, veio-me o pensamento que, se eu queria ouvir a voz de Deus, ela estava na Palavra e eu tinha apenas de abri-la e buscar ouvir o que Ele tinha a me dizer ali. Comecei com a leitura devocional, que falava muito das nossas fraquezas e de como Deus é a nossa força. Um dos versículos era bem conhecido, pois faz parte da oração de Davi em 2 Samuel 22, que tenho lido e relido desde que fiquei doente.

Por isso, apanhei a Bíblia e fui ler aquela parte que já sei quase de cor. Só que, um pouco acima, num versículo anterior, que estou certa que já li antes mas do qual não me lembrava de jeito nenhum, encontrei isto: “O Senhor é a minha lâmpada, e Ele derrama luz nas minhas trevas” (Não estou copiando, é mais ou menos isso). Na hora aquela mensagem acalmou meu coração. Claro, é isso mesmo. Ele derrama luz nas minhas trevas. Não preciso enxergar o caminho nem o que vem pela frente porque tudo está dentro da Sua vontade perfeita, boa e agradável. Sempre que deixo as trevas me assustarem só preciso da Luz que vem Dele e tudo se acalma. Tenho tido tantas provas da bondade e da fidelidade Dele, Betty! Como ainda posso duvidar?

…Sei que o retiro de que vc está falando é de outro tipo, um em que a gente pudesse ter tempo de deixar as idéias fluir até ver onde vão dar, não é mesmo? Mas às vezes acho que as atividades que hoje emperram nossa criatividade são as que nos mantêm com os pés no chão, imersas na vida como ela é e não como gostaríamos que fosse. O que vc acha?

… Obrigada, mais uma vez, por suas orações. Eu também peço a Deus que os médicos descubram logo algo que realmente mude o tratamento, não apenas para prolongar por algum tempo a minha vida, mas para me dar de volta a vitalidade de que nem me lembro mais. Acho que agora estou mais sábia e a gastaria melhor do que fiz antes. Os convites começaram a pipocar de novo para coisas que eu realmente amaria fazer, mas sei que isso está totalmente fora de cogitação. Então, não é algo que Deus está me dando para fazer, pois Ele conhece bem o limite das minhas forças.

27 de Janeiro de 2007
... Quanto à experiência sobre ouvir a voz de Deus, Betty, sei que, mais do que qualquer outra coisa, preciso aprender a ficar em silêncio diante Dele. Como isso é difícil, especialmente se estou orando só mentalmente. Tanto pensamento se intromete e me desvia da comunicação com Ele que fico falando, falando para não perder o rumo, eu acho. E aí, como vou ouvir o que Ele quer me dizer? Muitas vezes, Ele fala diretamente aos meus pensamentos ou ao meu coração. Sei isso com certeza, Betty, porque alguns pensamentos, um tanto de sabedoria que me sobrevém eu sei que não podem ter brotado de mim. O que sei é que nada disso pode contradizer o que já foi dito na Palavra. Em caso de dúvida, sempre recorro a ela. O que acontece muitas vezes é que aquilo que “ouço” Deus me falando é algo que já li ou já meditei em algum estudo. Na hora em que preciso, algo que já estava até esquecido me vem à mente e aí sei que é o Espírito Santo me fazendo recordar algo que Ele mesmo já me havia ensinado. Assim, embora seja uma experiência subjetiva pelo fato de ser algo que está acontecendo comigo, dentro de mim, tem o aspecto sólido da Palavra confiável de Deus.

A você, que lê estes textos, espero que esta “experiência de uma pessoa que esteve passando por certas dificuldades” lhe “falou muito alto”, especialmente se estiver enfrentando a “mesma luta” ou algo semelhantemente difícil.

No amor e na paz de Deus,
Betty

Este artigo foi publicado em 22 de maio, 2007. Está arquivado sob Amizade, Blog, Doenças, Morte, Renovação/Esperança, Sofrimento/Consolo, Wanda de Assumpção. Você pode acompanhar os comentários a este artigo através do feed RSS 2.0. Você pode deixar um comentário, ou fazer um trackback do seu próprio site.